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terça-feira - 01/05/2018 - 10:36h
José Dirceu

“Como vou deixar o país se o Lula está preso?”

À espera de novo ciclo de prisão, ex-ministro da Casa Civil petista diz que partido e "luta" são sua vida

Por Fábio Góis e Basília Rodrigues (Do Congresso em Foco)

“Como vou deixar o país se o Lula está preso? Não se abandona um companheiro assim. Há erros que você pode cometer. Outros, não.”

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, 72 anos, condenado a mais de 40 na Operação Lava Jato, fez a afirmação acima durante encontro, em Brasília, com a reportagem do Congresso em Foco. Respondia a uma questão que lhe tem sido apresentada com frequência: quais as chances de fugir do país para descumprir uma pena que ele e seus correligionários atribuem a um processo de “perseguição política” ao PT e à esquerda?

Dirceu diz que tem aproveitado tempo para trabalhar antes de voltar ao cárcere (Foto: Fábio Góis - Congresso em Foco)

Dirceu diz não ver sentido em tal ideia porque Lula, o Partido dos Trabalhadores e a “luta” se tornaram sua vida. Ele admite que deixar o Brasil é um conselho que tem recebido, pessoalmente ou por meio de mensagens, de várias pessoas, mas insiste: “A vida não é assim. Com Lula preso, não há chances de deixar o Brasil”.

No PT, somente o ex-presidente Lula teve mais poder do que ele. Réu na Ação Penal 470, que tratou das responsabilidades criminais pelo mensalão, ele foi condenado em outubro de 2012por formação de quadrilha. Até recebeu perdão de pena em outubro de 2016, mas continuou preso em razão da Lava Jato. Provocado a comentar a possibilidade de se refugiar em Cuba, onde o remanescente regime socialista da América Latina certamente lhe daria guarida, Dirceu solta um riso largo e ironiza:

“Tem muita gente querendo que eu vá para Cuba mesmo”, comenta, referindo-se à frase que se tornou recorrente entre os adversários do PT: “Vai pra Cuba!”.

Enquanto recebe o repórter, aliás, Dirceu ouve a lendária banda cubana Buena Vista Social Club, a mesma que contribuiu para a aceitação de ritmos como salsa e rumba pela alta intelectualidade do Ocidente. Lembra que já morou em Cuba, que, para ele, é uma mistura de Minas com Bahia.

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Antes de serem recebidos pelo ex-ministro, os repórteres veem Dirceu reunido, em uma sala à meia luz, com seu advogado. Era mais uma das incontáveis reuniões que têm marcado o cotidiano pós-condenação, no qual ele e seu defensor jurídico conversam sobre o curso do processo conduzido pelo juiz paranaense Sérgio Moro e sobre os seus possíveis desdobramentos.

No chão, no quadro encostado em uma das paredes do cômodo, Marlon Brando em O poderoso chefão, exalando o charme dos anos dourados de um cinema que não existe mais.

Lula e Dirceu, no tempo em que organizavam o PT (Foto: reprodução)

Em um primeiro momento, instantes depois da chegada da reportagem, a porta da sala se entreabriu para o entra e sai do advogado. Na antessala, sorvete de chocolate e água regam a expectativa sobre o que ele diria, ou mesmo se diria algo, depois da entrevista a Mônica Bergamo, colunista da Folha de S.Paulo.

Desde então o petista foi aconselhado por sua defesa a não mais falar com a imprensa. O ex-ministro sai rapidamente, dirige algumas palavras de cumprimento, mas volta para a sala para mais meia hora de conversa privada com seu interlocutor.

À espera do cárcere

Sim, Dirceu aceitaria falar mais uma vez. Com uma camisa preta sem estampa, calça jeans e mocassim escuro, o petista – que, apesar das restrições impostas pela vida de condenado, conserva grande influência em seu partido – parece bem humorado, apesar da perspectiva de ter de ficar, segundo seus cálculos, “quatro ou cinco anos” preso.

Dirceu espera ser beneficiado não só pela progressão de pena por bom comportamento, mas também por trabalhos e estudos que podem levar à diminuição do tempo de detenção. Em tese, pode receber até anistia ou indulto, apesar do endurecimento imposto ao benefício pelo Supremo Tribunal Federal no final do ano passado.

Com fala grave e pausada marcada pelo acentuado sotaque mineiro, José Dirceu diz ter voltado a ver muitas séries de TV depois de um ano e nove meses preso no Complexo Médico Prisional de Pinhais, região metropolitana de Curitiba (PR), onde cumpria pena antes de receber habeas corpus do STF em 2 de maio de 2017. E é justamente isso o que quer fazer na iminência de ser preso novamente: passar mais tempo com a família, de preferência vendo seriados. “Quero me divertir”, diz, sem esconder um tanto de resignação em saber que voltará ao cárcere a qualquer momento.

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Menciona algumas das obras que viu recentemente: a produção espanhola Casa de Papel, que narra um assalto à Casa da Moeda; a série Alienista, que relata a caçada a um serial killer que aterroriza Nova York; e, entre as que mais gostou, Marte, por se tratar de ficção científica. “Eu adoro assistir ficção científica”, completa.

Dirceu está solto desde setembro do ano passado, depois de passar um ano e nove meses preso. O STF ainda tem a última palavra antes de decidir se manda prendê-lo novamente. Mesmo a distância, ele diz ter acompanhado a prisão de Lula, sem ligações diretas, mas por meio de troca de informações com interlocutores em comum.

Em vez da tristeza, resignação

Diante do repórter, demonstra grande cuidado com as palavras. Não quer fazer declarações políticas. Ressalta que não é de falar, mas de fazer.

Na rua, conta que é muitas vezes reconhecido por motoristas de táxi e de Uber. Vários deles, acrescenta, pedem para tirar foto com ele. Receber amigos, determinados a visitá-lo e a serem fotografados com ele antes de o ex-ministro voltar à prisão, tem sido outro compromisso constante em sua agenda.

Leitor voraz, Dirceu planeja voltar a ter os livros como companhia em sua nova temporada na prisão (Foto: Fábio Góis do Congresso em Foco)

O olhar de Dirceu, assim como o estado de espírito de amigos que aguardam para encontrá-lo, não é de tristeza, mas de resignação. “Cada dia é um dia”, afirma o ex-ministro.

Ao lado da ampla sala em que estamos, está sendo organizada uma estante de livros que ocupa uma parede inteira. Entre os livros pinçados para ocupar o móvel, uma suntuosa estrutura em tons negros e aspecto aveludado, está O amor em tempos de desamor e o enigma: o Brasil tem jeito? (foto abaixo).

Trata-se de uma coletânea organizada pelo economista João Paulo dos Reis Velloso, que durante o regime militar foi ministro do Planejamento dos governos Médici e Geisel. O livro reúne textos de nomes como Maria Adelaide Amaral, Jaime Pinsky, Mary Del Priore, Sergio F. Quintella e Alberto da Costa e Silva.

“Soldada de esquerda”

Se evitou declarações políticas, Dirceu não se recusou a falar de futebol. Mostrou-se, porém, pouco atualizado sobre o assunto. Ao saber que um de seus times favoritos, o espanhol Barcelona, foi eliminado nas quartas de final da Liga dos Campeões, surpreendeu-se com a sua própria desinformação. Exclamou, em tom de brincadeira: “Estou preso mesmo”. O supertime perdeu no início deste mês, dentro de casa, por inacreditáveis três a zero, com Messi e tudo mais.

Dirceu é mineiro, mas aos 14 anos foi para São Paulo, onde até mudou de time para não ser escanteado pelos outros. “O que é mais perto do Flamengo? O Corinthians, pela paixão, intensidade”, diz. Hoje, corintiano, se considera paulistano, e resume que é uma pessoa fácil de se adaptar a diferentes lugares. Morou também no Paraná, antes da prisão, e na capital federal, quando era ministro e agora novamente.

Em Brasília, movimenta-se com discrição para não se tornar alvo daqueles que veem nele um dos mais perniciosos “petralhas”. Para a militância petista, sua trajetória de ex-líder estudantil e dirigente político e o fato de ter se mantido leal a Lula e ao partido preservou o seu prestígio. Petistas costumam chamá-lo de “guerreiro do povo brasileiro”.

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Duas advogadas eram esperadas pelo ex-ministro com apenas um propósito: tirar fotos junto com José Dirceu.

Uma delas diz ter sonhado a cena que pediu para reproduzir ali mesmo, onde Dirceu se reunia com advogados, amigos, familiares e apoiadores: o petista sentado, como um general ideológico, e a mulher posicionada à sua esquerda, como uma “espécie de soldado, para lhe proteger”.

“Até porque meu pai foi um preso político de esquerda”, arrematou a mulher.

Buena Vista ainda não havia começado a tocar.

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Categoria(s): Política / Reportagem Especial

Comentários

  1. João Claudio diz:

    Os bandidos Palocci Traíra Lula e Renato Duque estão de posse de pás para jogar cal em cima do que restou da quadrilha.

    Lula e Dilma Lula são os que mais vão se ‘reá’. O primeiro, coitado, já tá bem ‘readin’, aguardando na cela a chegada de ‘coração valente’.

    Anotem e, anotem, também, que eu axepôco

    Ah, Bonnie e Clyde morreriam de inveja da dupla tupiniquim.

  2. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Excelente reportagem. Talvez Dirceu seja o “Último dos Moicanos” com porte. Figura já abatida, traz, ainda, a fidalguia dos tempos não há muito tempo passados.
    Sentiu-se preso, ao saber que o Barcelona foi desclassificado da Liga dos Campeões. Hoje, assisti o jogo do Real MadridX Bayer de Munique. Um empate levou o Real a uma disputa final com o vencedor do próximo jogo: Liverpool X Roma. Da contenda desse vencedor com o Real de Marcelo, teremos o Campeão da Liga. Digo Real de Marcelo porque ele jogou muito bem e tem um lugar especial em minha família do RJ.
    Gostaria de atualizar Dirceu. Quem sabe? vai que ele me lê.
    Não tenho amor, nem simpatia nem admiração pelo PT.
    Partido destruidor. Entretanto, o amor de Dirceu me pareceu verdadeiro. Não levo fé no amor de Lindinho , nem no de Gleise. Eles ainda querem ser sustentados pelos restos mortais do partido. Não têm estrutura para suportar um sopro.

  3. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Corrigindo, Bayern de Munique.

    • Naide Maria Rosado de Souza diz:

      Peço licença a Tomás Antônio Gonzaga, diante da amizade, solidariedade e fidelidade apresentadas na Reportagem Especial para, usando o seu lirismo, fazer uma analogia da obra “Marília de Dirceu”. Trata-se de “Lula de Dirceu”, sem nenhum desrespeito, ou insinuação que ultrapassem o companheirismo.

  4. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    A tchurma da extrema direita se regozijando do possível ocaso do Estado Democrático de Direito, mais ainda da extinção do Partido dos Trabalhadores segundo seus maviosos conhecimentos de sociologia política e da realidade brasileira. Assim o fazem, quando de forma light ou não externam através de frases diplomáticas frases a alegria incontida pelo aprofundamento e curso do golpe e do obscurantismo político em nosso país.

    Alguns até tentam disfarçar através de afirmações supostamente ponderadas, tipo:

    Não tenho amor, nem simpatia nem admiração pelo PT…!!!

    Ora cara pálida, se tu não tens amor, simpatia e muito menos admiração, o que falta para chegar ao ódio disfarçado ódio no atual contexto político e social em nosso país…!!!???

    No caso, tria amor pelo fosso politico social e (ou) os eflúvios da realidade que os coxinhas interpretam como Brasil dividido, onde sempre esteve contido o nosso Brasil. Teria admiração pela miséria de muitos. Teria simpatia pela exclusão da maioria e (ou) admiração pelo incontestável mar de miséria material e imaterial no qual o conjunto da sociedade brasileira está imerso….!!!???

    “Coincidentemente”, essas figuras – salvo raras exceções -, tem todo um histórico político/familiar de apoio e de enriquecimento patrimonial à sombra das ditaduras que de tempos em tempos vicejam em nosso país, sejam através das conhecidas Baionetas e tanques e (ou)de golpes disfarçados de IMPEDIMENTO POLÍTICO, por suposta prática de corrupção…!!!

    Ora bolas bolas, se em seu mundo de castas, seja por ter parentes no judiciário, no serviço público de alto escalão, bem como através dos privilégios auferidos quando de décadas de mandatos eletivos e (ou) na chamada esfera da inciativa privada – do conhecido capitalismo de compadrio -, de fato, essas figuras vivem em um Brasil à parte onde jamais faltou educação, segurança, saúde, moradia e justiça…!!!

    Então qual a preocupação que essas figuras mais que impolutas, esse meritocratas e cosmopolitas de araque possam ter, se não comemorar e bememorar o nosso conhecido e manjado os efeitos práticos do nosso sistema punitivo que é planejado e desenhado por meia dúzia, exatamente para defender privilégios da meia dúzia de sempre, e, obviamente alcança tão somente os famosos três PPP’S.

    Ocorre que, quando ocasionalmente necessário se faz mais um golpe, apenas e tão os mecanismos disponíveis à meia dúzia, basta, tão somente se acrescentar outro P, claro, pra que tudo esteja efetivamente resolvido na maravilhosa cabecinha desses seres “pensantes” construídos décadas a fio pela REDE GOLPE DE TELEVISÃO….!!!

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  5. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Dr. Fransueldo.
    A sua escrita é sempre longa. Muitas vezes não leio para dar chance aos demais comentaristas. Dessa vez, veio mais curta.
    Posso até ser “cara pálida”. Não estou com tempo para o sol.
    Reafirmo: não tenho amor, nem simpatia nem admiração pelo PT. Amo, sim, o Estado Democrático de Direito que, para resplandecer, precisa de uma limpeza generalizada, começando com a retirada das confusões e manifestações orquestradas pelo PT que, no desespero, tenta inflamar um povo espoliado por seus dirigentes, dentre outros.
    Jamais sentirei ódio por algo ou alguém. Repudio a palavra e o sentimento. Existe em mim outros sentimentos que podem me levar, como cidadã, a contribuir para o bem comum. A ira deixa o raciocínio nublado, confuso.
    Utilizar o equilíbrio de sentimentos leva-nos ao melhor dos caminhos. A ponderação e a sensatez agem como bússolas em minha vida.
    O cálice do ódio, em nenhum momento, se aproximará de mim.

  6. Lione diz:

    Vai pra Cuba!….é seu lugar. O Brasil que vê-lo bem longe.Leva junto esse estrupício que ajudou a acabar com nossa querida pátria.

  7. Lione diz:

    Vai para Cuba que é seu lugar. Leva junto esse estrupício que ajudou a acabar com nosso querido Brasil

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