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domingo - 09/08/2020 - 08:44h

A banalidade e decadência da cultura atual

Por Honório de Medeiros

Em 23 de novembro de 2015, causou celeuma uma “performance”, denominada “Macaquinhos”, na qual os atores exploravam os ânus uns dos outros, apresentada em uma unidade do Sesc em Juazeiro do Norte, no Ceará. Foi notícia nacional.

“A performance mostrava um grupo composto por homens e mulheres totalmente nus, em círculo, explorando com as mãos o ânus do companheiro a frente. De acordo com os artistas Caio, Mavi Veloso e Yang Dallas, idealizadores do projeto, a apresentação tem o intuito de ‘ensinar que existe ânus, ensinar a ir para o ânus e ensinar a partir do ânus e com o ânus’.”

Em agosto de 2017, o Santander Cultural abriu suas portas para a primeira exposição “queer” realizada no Brasil. De origem inglesa, o termo é utilizado para designar pessoas que não seguem o padrão da heterossexualidade ou de gênero definido – notadamente gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.Choveram denúncias nas redes sociais de pedofilia e zoofilia, principalmente para duas obras em especial: “Cenas do Interior II” (1994), de Adriana Varejão, que teve uma cena em que um homem penetra uma cabra, e “Travesti da Lambada e Deusa das Águas” (2013), de Bia Leite, que faz referência ao meme da internet “criança viada”.

Também há menção a um vídeo que mostrava um homem recebendo um jato de sêmen no rosto. A obra é intitulada “Come/Cry” e é assinada pelo “artista” Maurício Ianes. O nome do artista consta na lista entregue ao Ministério da Cultura como um dos autores das obras expostas no Queermuseu.

Mais recentemente, em uma performance na abertura do 35º Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo, o artista fluminense Wagner Schwartz se apresentou nu, no centro de um tablado. Em vídeo que circula nas redes sociais, sob fortes críticas, uma menina que aparenta ter cerca de quatro anos aparece interagindo com o homem, que estava deitado de barriga para cima, com a genitália à mostra.

Agora, recordo Bárbara Tuchman, em A Prática da História:

– “O maior recurso, e a realização mais duradoura da humanidade, é a arte. O domínio da linguagem demonstrado por Shakespeare e seu conhecimento da alma humana; a complicada ordem de Bach, o encantamento de Mozart”.

Serão, esses, sintomas da decadência da cultura? O decadente, na arte, o banal, o medíocre, o aviltante, exerce sua tirania destruidora tanto quanto a proibição da liberdade de expressão estética.

Entretanto não é somente a possibilidade da presença permanente do fenômeno da decadência, a ser questionado. É sua banalização. A banalização da decadência.

O livro de Llosa, Mário Vargas Llosa, A Civilização do Espetáculo, cujo título foi calcado no A Sociedade do Espetáculo, de Guy Debord, um dos mais originais pensadores do século, deixa confortável quem procura um texto, de melhor qualidade, que dê respaldo a essa sensação permanente de estranhamento e solidão, vivenciada por muitos, originada pelo descompasso entre a “cultura” na qual fomos criados e a realidade que encontramos nos dias de hoje. Não é, portanto, “saudosismo”, o que sentimos.

Há, de fato, um progressivo e profundo processo de banalização dos valores fundantes da cultura, entendidos como pressupostos da construção do processo civilizatório. Cultura como a pensou, por exemplo, T. S. Elliot, citado por Llosa, em Notas para uma definição de cultura, de 1948, tão atual, posto que, por exemplo, lá para as tantas, expõe:

– “E não vejo razão alguma pela qual a decadência da cultura não possa continuar e não possamos prever um tempo, de alguma duração, que possa ser considerado desprovido de cultura.”

É bem verdade que em ensaios tais como A civilização do espetáculo, e Breve discurso sobre a cultura, Vargas Llosa não nos aponta as causas do surgimento desse fenômeno, muito embora aluda, de forma enfática, à “necessidade de satisfação das necessidades materiais e animada pelo espírito de lucro, motor da economia, valor supremo da sociedade”, como a força motriz que que conduz o processo de destruição da cultura tradicional.

Llosa não nos oferece uma teoria que explique tudo. Para Llosa, por exemplo, civilização do espetáculo é “a civilização de um mundo onde o primeiro lugar na tabela de valores vigentes é ocupado pelo entretenimento, onde divertir-se, escapar do tédio, é a paixão universal.”. Trata-se de uma constatação.

COMO NÃO LEMBRAR do personagem de O Lobo da Estepe, de Herman Hesse, em seu permanente solilóquio:

– “O que chamamos cultura, o que chamamos espírito, alma, o que temos por belo, formoso e santo, seria simplesmente um fantasma, já morto há muito, e considerado vivo e verdadeiro só por meia dúzia de loucos como nós? Quem sabe se nem era verdadeiro, nem sequer teria existido? Não teria sido mais que uma quimera tudo aquilo que nós, os loucos, tanto defendíamos?”

Entendo, embora possa estar enganado, que Zygmunt Bauman em sua obra acerca da “vida líquida”, “modernidade líquida”, também não o conseguiu. Sua preocupação era descrever um fato, ou melhor, um fenômeno social, o processo civilizatório por nós vividos hoje.

Bauman disse:

– “A vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de incerteza constante”; nas quais “as realizações individuais não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em um piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em incapacidades.”

Eu me pergunto, então, em relação a Bauman: não há um padrão, uma lei geral que origine esse processo? Não seria essa “vida precária” em “condições de incerteza constante” uma fase do processo evolucionário acerca do qual teorizou Darwin?

Somos hoje, ainda, devedores, nesse aspecto de tentar entender o padrão oculto que rege os fenômenos, de Freud, Marx e Darwin, por assim dizer. Mas não é o caso de abordar esse tópico por aqui.

Aqui apenas registro o alívio em constatar que não estamos errados quando nos sentimos órfãos de uma cultura, uma “Paideia” que, desde os meados do século XX, vem sendo deixada, cada dia mais velozmente, e de forma mais radical, para trás. Que o digam, como pálido exemplo, a música, o teatro e a literatura contemporânea.

É a banalização da cultura…

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Artigo / Cultura

Comentários

  1. Victor diz:

    Entre os observadores do agora há os que com o agora se misturam, sendo causa e consequência do emergente. Um dia podem até virar clássicos. Há também os perplexos, não sem um quê de saudosismo, nostalgia. Uma leitura intertemporal anacrônica não raro leva a comparações entre o efêmero de hoje e o clássico de ontem, como se tudo de hoje fosse vento e tudo do passado fosse rocha, sem atentar que os ventos moldam as rochas. Tanto uma quanto outra participação é fruto de reflexão e sensibilidade. Fora isso, e só lamento, há os que sequer observam.

  2. barbosa Gomes diz:

    Bom dia nobre escriba!
    O texto revela uma tragédia anunciada de que literalmente, cultura(música, dança, literatura e teatro), perderam o aspecto da diferença entre o raro e o banal. O que restou e que deveria ser exatamente guardado como cultura de vdd, já ñ tem mais características daquilo que é verdadeiramente arte.
    Colocar uma cruz no ânus é o que representa a arte e a cultura. Quantona música, lamento não ouvir mais ñ falar em Toquinho, Seu Jorge, Vanessa da Mata, Paulinho Pedra Azul etc.
    Esses, deixaram de ser sinfonia aos ouvidos.
    O bom de hoje é rala rala, bota bota e por aí vai. No país do vale tudo, só não pode ser adepto da música antiga, isso porque, vc é ultrapassado, ñ tem atitude, ñ é moderno(se vc não se enquadra nesses conceitos vc está lascado) e definitivamente passa a receber outras características como: homofobico, racista, arcaico, retrógrado, machista, ultrapassado, preconceituoso, nazista, facista etc. A opinião só tem verdade quando inclina p outro lado.

  3. Amorim diz:

    Como não tenho cultura para dá opinião sobre tal, solicito ajuda, lá dos céus, Ariano Suassuna e na terra do Sr. Pouca Paciencia.
    Fui!!!

  4. Sidney diz:

    Se for verificar direitinho essa trupe eu não tenho medo de errar,são todos ESQUERDISTAS daquele de carteirinha.

  5. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Sempre me considerei uma mulher atualizada. Independentemente de educação em colégio católico e cuidado familiar meio exagerado, talvez suavizado por minha mãe , foi difícil conseguir usar um biquíni. Mas, consegui! Depois, mesmo na faculdade, vivi dentro de horários pré-estipulados. Havia um colega, na Defensoria Pública, depois desembargador, que insistia em dizer que eu fui criada numa redoma. Pode ser…mas nada me impediu de entender a evolução dos costumes, não, propriamente, aceitar o desgaste e a ocultação do belo, para me mostrar moderna, isso foi de meu livre arbítrio . Nos últimos tempos vi coisas abomináveis, chamadas de arte.
    Esse episódio mesmo dos “Macaquinhos “, lembra -me sempre os cachorrinhos que sempre se aproximam uns dos outros explorando o ânus e adjacências. Ora, diriam, que mulher retrógrada! Não sou. Porque os Macaquinhos não perscrutavam, por exemplo, os seios de sua vizinha. Tão lindos os seios, sem risco também de ” gases be emitted”.
    O presente será passado, mais adiante. No meu presente, elejo o belo. Não preciso recorrer ao imoral para mostrar a beleza. A indecência será indecente daqui a muitos milhares de anos porque a decência é irmã da dignidade, honra, da integridade. E a beleza, senhores, haverá de sobreviver a quem tenta desbotá-la…Sim, aplaudo a Paideia para a formação do cidadão perfeito que possa liderar e ser liderado , cumprindo missão positiva.
    Parabéns, Prof. Honório. Pisou em campo minado. Corajoso, além de tudo. Perfeito.

  6. Amorim diz:

    Desde quando uma ruma de gente ficar “explorando” o cu do outro diante de outros abestados é arte?
    Não me contive; desculpe.

  7. Henrique diz:

    Aí não é arte. É uma cuzada! Ô lapa de fuleirage! Bando de escrotos! Enfiando o dedo no rabo do outro! Arte, é? Homi, aí é uma sodomia daquelas!

  8. Aécio Cândido diz:

    Instigante, Honório. Corajoso. Por falta de uma crítica aberta, informada, sensível e culta, chegamos a essa destruição coletiva da linguagem. A crítica faz falta hoje: ou não se tem crítica ou se tem desaforo. Nem um nem outro ajudam a cultura.
    Belo e corajoso artigo.

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