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domingo - 21/03/2021 - 12:46h

A cidade quando é pensada para as pessoas

Por Zildenice Guedes

A proposta deste artigo, caros leitores, parte sempre do lugar em que estamos. O meu lugar de fala é enquanto professora e pesquisadora que sonha e trabalha para uma implementação efetiva de uma agenda de sustentabilidade para a cidade em que habitamos. A saber, falo da Agenda 2030, já apresentada por mim em outros artigos.

Para a construção desse artigo, parto de uma fundamental para essa discussão. Cidade para pessoas de Jan Gehl de 2013. A partir dessa obra este artigo discorrerá sobre a necessidade de se defender um aspecto humano para a cidade. Categoria essa que não foi contemplada na grande maioria dos planejamentos urbanos.  Capas_urbanismo-social-1564x518Sabemos que em cidades com baixos indicadores (humanos, sociais, econômicos e ambientais), essas problemáticas são mais duramente percebidas. “Tanto as cidades existentes como as novas terão que fazer mudanças cruciais em relação aos pressupostos para o planejamento e suas prioridades. Deve-se destacar como objetivo-chave para o futuro, um maior foco sobre as necessidades das pessoas que utilizam as cidades (GEHL, 2013, p. 18)”.

Some-se a isso os grandes desafios que temos para as cidades no século XXI, tragédias climáticas, pandemias, desastres ambientais, todas essas problemáticas incorre-nos a uma maior urgência para cidades vivas, sustentáveis, seguras e saudáveis. E nesse aspecto, por mais que pareça uma utopia, isso é fruto de políticas públicas, de um lado a atuação de uma gestão pública pautada e fundamentada no Desenvolvimento Sustentável, uma atuação de entidades privadas e uma população que demande isso das autoridades competentes para a plena execução e eficiência do planejamento urbano.

O que defendemos para as cidades, e aqui nos referimos ao território, ou seja, as áreas que competem ao município, a saber, campo e cidade, é a cidade se configurar como um espaço de vida e reprodução social. Ou seja, cidades seguras, limpas e saudáveis, em que as pessoas se sintam pertencer ao seu local de moradia, acesso às oportunidades sociais e culturais.

Quando falamos em dimensão humana para as cidades, estamos falando de mais usos dos espaços públicos, calçadas mais espaçadas e com maior fluxo de pessoas, em outro artigo já discuti que sob a visão de Jane Jacobs (Morte e vida nas grandes cidades), na medida em que as ruas estão mais ocupadas pelas pessoas, mais seguras essas cidades serão.

O que proponho aqui é baseado em Gehl que afirma que “primeiro moldamos as cidades, então, elas nos moldam”. O que isso quer dizer? Que a forma como a cidade foi planejada e é conduzida, influencia os comportamentos humanos. Experiências exitosas como a de Copenhague (conhecida como uma das cidades mais sustentáveis do mundo), mostram que melhorias no espaço urbano se refletem diretamente como mais vida na cidade. As melhorias que foram implementadas na referida cidade datam nada menos que de 1960.

Desde o século XX na cidade se desenvolveu a preocupação em diminuir o tráfego de carros e estimular maior circulação de pessoas (calçadas mais largas, melhor qualidade no transporte público). Isso coloca em evidência que alguns fatores que implicam para que uma cidade se torne sustentável, políticas públicas, educação e sensibilização ambiental junto à população. Sobre essa experiência, afirma Gehl:

O perfil da cidade confortável às pessoas foi seguido por uma extensa estratégia “verde” que incluía o plantio anual de quinhentas novas árvores para proteger o caráter local e para dar sombra às calçadas. Um programa amplo de arte na cidade e um elaborado sistema de iluminação noturna completam o quadro de uma cidade que tem perseguido uma política dedicada a criar convites para movimentação e permanência de pedestres (GEHL, 2013, p. 15).

E se pensarmos ainda que cidadania diz respeito aos acessos democráticos do espaço urbano, bem como as oportunidades que as pessoas têm acesso. E sobre isso, discorremos que em várias pesquisas e estudos há sempre a evidência dessa busca pela cidade como “um lugar de melhores oportunidades, onde os sonhos se realizam”. O lugar dos sonhos e de melhores oportunidades, como resultado direto de um coletivo de atores, gestão pública, iniciativa privada e sociedade civil. Dada a enormidade de problemas que temos, a solução não virá de apenas um lugar.

Encerro esse artigo com uma frase de Sérgio Farjado, ex-prefeito de Medellín, na Colômbia, foi ele quem implantou o urbanismo social e afirmava “Cidade para as pessoas, mas governar para a maioria”.

Nessa cidade, a maioria da população vivia em condições de vulnerabilidade social e extrema violência. E foi através da união entre sociedade civil, iniciativa privada e governo que promoveram uma verdadeira transformação na cidade. Em vinte anos, a cidade passou de a mais violenta para a mais inovadora do mundo (ALVIM, 2021).

Temos boas experiências que podem nos inspirar, inclusive em nível nacional. Sobre isso, proponho-me discorrer nos próximos artigos. Que não nos falte inspiração e coragem para superarmos todos os desafios que estão postos e outros que virão. Como em outros momentos da história, precisaremos contar uns com os outros para nos reerguermos das ruínas.

Referências

ALVIM, T. Melhoria da vida nas cidades depende de articulação entre poder público, iniciativa privada e sociedade civil. Artigo disponível em: <//gife.org.br/melhoria-da-vida-nas-cidades-depende-de-articulacao-entre-poder-publico-iniciativa-privada-e-sociedade-civil/>.Acesso em 21 mar. 2021.

GEHL, J. Cidade para pessoas. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 2013.

Zildenice Guedes é doutora em Ciências Sociais e gerente executiva de Educação Ambiental na PMM

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Na Noruega não tem Corrupção.
    Em Medellin as mudanças começaram com um duro combate ao crime organizado e à corrupção.
    Excelente o artigo da doutora.
    Infelizmente enquanto a corrupção for punida com penas brandas continuaremos no atraso e na miséria.
    Qualquer tentativa de melhorar Mossoró passa por apuração da aplicação das verbas públicas nos últimos 20 anos.
    Como isto nunca será feito…

    • Inácio Augusto de Almeida diz:

      Confundi a capital da Noruega com a capital da Dinamarca.
      Tanto a Dinamarca como a Noruega e a Finlândia não sofrem com orrupção desbragada como nós.
      DIMINUIR A CORRUPÇÃO É O PRIMEIRO PASSO PARA MELHORAR A QUALIDADE DE VIDA DA NOSSA GENTE.

  2. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Parabéns pelo belíssimo e fecundo artigo da professora Zildenice Guedes. De fato, nós brasileiros, historicamente e de um modo geral, sofremos do mal da falta absoluta de planejamento, inclusive no que concerne um minimo de planejamento urbano/inclusivo das nossas cidades.

    Mossoró, infelizmente é um caso a parte, no sentido negativo da palavra, aqui não só os munícipes ditos comuns, mas, inclusive os Carteiros e outros profissionais que atuam na área urbana,, sofrem na sua labuta do dia dia tentando exercer sua profissão, haja vista um sem número de ruas sem placas indicativas, ruas com´imóveis de números dúplices e até triplicados, numa monumantal torre de babel urbana.

    Sem falar claro, das questões de ordem arquitetônica e de inclusão social/urbana, tão bem estudada, dissecada e e apresentada pela professora em tela.

    Um baraço
    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

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