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domingo - 03/12/2017 - 08:28h

A crise educa

Por François Silvestre

Não é fácil conviver com a crise. Nem com a seca. Nem com a escassez. E menos ainda com a “ética” dos métodos, banquete de hipocrisia. Pra cada sujeira apontada no quintal vizinho, um charco de lama na própria soleira.

Já houve quem sustentasse não ser pessimista para não parecer chato; nem otimista, para não parecer bobo. E chegou a inventar o realismo consciente. A moderação na crença e a tolerância no descrédito.

O candidato contamina-se de otimismo para convencer o eleitor a segui-lo. E ao eleitor é oferecido um pacto de entusiasmo. E a surrada promessa de mudança. E ambos fingem. Cada um no seu botão.

O eleitor se faz de besta e oferece o bolso bobo para receber a prebenda do esperto. O eleitor sabe que seu voto é uma mercadoria e o candidato intui que o comprado e pago não comporta cobrança.

Mesmo assim e talvez por isso mesmo a crise seja um rompimento de trevas. Uma lanterna a clarear no quarto escuro. Um puxão de orelhas da realidade. A crise institucional escancara-se. Mais grave do que a econômica. A economia se arruma. Instituições sem crédito não se recuperam. Só com nova ordem.

Nem a Democracia é plena nem o voto é livre. Fosse livre, o voto não seria obrigatório. Tanto a Esquerda quanto a Direita defendem o voto obrigatório. Por quê? A Direita sabe que o voto livre seria muito mais caro. E a esquerda sabe que o voto voluntário seria muito mais exigente.

A Direita precisaria de mais grana para arrancar alguém de casa e a Esquerda precisaria revisar a baboseira sofista para convencer o eleitor desobrigado de votar. O voto obrigatório é democracia de curral.

A crise rasga a mentira. O discurso, a liberdade do voto, a promessa, a propaganda, os debates ocos, a mídia venal, a fiscalização de fachada. Esse é o útero onde se fecunda o óvulo do embuste e nasce feto da crise.

Os candidatos são espermatozoides. O eleitorado é o óvulo maduro a esperá-los, no cérvix da urna. No ovário, eles se encontram. Após a caminhada difícil que veio do gozo, enfrentando cada um a hostilidade da militância inimiga.

E a conquista? O candidato excitado penetra o cio da militância. Os lados oponentes abrem as pernas do povo, no berço esplêndido. E há o coito. O resultado do coito é o coitado.

Reina o Estado Cérbero, falido, e suas castas famintas de privilégios e empanzinadas de hipocrisia.

E a seca? Apenas “uma eterna e monótona novidade”, como disse Cunha, o Euclides. Eterna porque sempre existiu. Monótona porque vem em ciclos. E novidade porque nunca nos preparamos para seu retorno inevitável.

De todo modo a crise educa, seja no aprendizado ou na reflexão.

Nas trevas descobrimos o valor da luz; na retirada, recuperamos a memória do torrão. E no aperreio valorizamos a pobreza da posse precária. A dignidade da posse legítima, que não seja esmola. Té mais.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Rocha Neto diz:

    Sou do teu torrão berço, Portalegre. Convivi na infância com todos vocês, tomei aluá no barracão nas feiras domingueiras da cidade, que o negro velho Manu fazia da polpa natural do abacaxi. Sabe quem pagava pra mim, o seu velho pai Silvestre de Alencar, homem de sorriso largo e coração humano. Costumeiramente tomava café com pão na companhia do velho Antonio Damião, lá na cozinha do casal Expedito Rocha e dona Conceição, meus pais. De nossa infância pura, tenho saudades. Hoje não deixo passar sem ler nenhum dos seus ricos artigos, que as vezes dá o grito que se encontrava armazenado no meu peito.

    Desejo que você continue a ser o ALENCAR de sempre, honrando a origem familiar que ainda hoje é citada como referência em nossa região serrana. Até a tua próxima alua. Muito obrigado François.

  2. jb diz:

    E por falar em ” surrada promessa de mudança” lembrei-me disto:”Os governos, com os seus inevitáveis processos de violência e hipocrisias, ficam alheados da simpatia dos que acreditam nele; e demais, esquecidos de sua vital impotência e inutilidade, levam a prometer o que não podem fazer, de forma a criar desesperados, que pedem sempre mudanças e mudanças.”Lima Barreto, em ‘Triste de Fim de Policarpo Quaresma’

  3. João Claudio diz:

    A foto e a dúvida.

    É um ‘nude’ vivo, artístico e ‘CUtural??’

  4. Elves Alves diz:

    A fome também.

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