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domingo - 17/03/2019 - 14:20h

A justiça dos deuses

Por Honório de Medeiros

Os fenômenos físicos, sua repetição, o padrão idêntico de suas conseqüências uma vez presentes as mesmas causas, quando apreendidos, são expressos através de fórmulas – abstrações – em uma linguagem sofisticada, a matemática.

A certeza da inalterabilidade dos fenômenos físicos originou a consciência da causalidade, pelo mecanismo da associação de idéias: não pode haver chuvas sem nuvens; não pode haver vida, sem morte; ao sol, sucede a lua. E a expectativa de que todos os fenômenos ocorram da mesma forma, tanto na Grécia quanto no Egito, ontem como hoje, pertence ao mesmo gênero.Esses fenômenos, para os antigos, ocorreriam em virtude da “Justiça” dos deuses, entendida esta como “ordem”, “desígnio”, “determinação”, em um mundo na aurora de sua história. Surgiram, então, os intérpretes dos deuses, seus intermediários.

Assim os mais espertos fizeram uso da confusão entre um fenômeno físico e um fenômeno que é conseqüência da vontade do homem, tal qual a proibição de matar, ou a condenação à morte, e se colocaram como representantes dos deuses na Terra. Ainda hoje há quem creia que os terremotos são punições divinas.

Foi essa a história da Igreja Católica, por exemplo, até dias mais atuais. Não somente a Igreja Católica, claro.

Os japoneses, na Segunda Guerra Mundial, matavam-se tentando resistir ao poderio americano, em obediência ao seu imperador, que para eles era um deus. Hoje esses “deuses” foram substituídos por abstrações, como a “vontade do povo”, “a moral média da Sociedade”, “os ditames do Partido”, “os desígnios divinos”, “as lições da história”, e assim por diante.

Permanecem, entretanto, os intérpretes e intermediários, bem como os inocentes-úteis, aptos a serem manipulados. Ou seja, permanecem os lobos e as ovelhas, os predadores e suas vítimas.

Obviamente esse processo acontece ao sabor da vontade das elites dirigentes que o criam, mantém e acentuam.

Impressiona que ainda se creia, ainda hoje, em Direito Natural, ou “garantismo social” quando qualquer conhecedor da história do Homem pode constatar, ao ler as primeiras compilações de leis escritas pela humanidade, que suas existências se devem, única e exclusivamente, à necessidade de impor a ordem dos dirigentes, líderes, chefes.

Isso sem mencionar que, com certeza, na pré-história do Direito, apenas a necessidade de sobrevivência do clã originava a imposição de condutas, nunca algo abstrato quanto qualquer ideia de Justiça. Se se acreditar – é possível que alguém pense assim – que esse ordenamento jurídico natural estaria à espera da maturidade da humanidade para ser colocado à sua disposição, bem, também se pode acreditar em Saci Pererê.

A conclusão é simples: as leis devem expressar a vontade da maioria, respeitados os direitos fundamentais da minoria, e as leis devem ser intransigentemente respeitadas por todos, principalmente por quem tem o dever de aplica-la, o juiz.

Um Tribunal cujos integrantes ousem dizer, publicamente, que a lei é aquilo que disserem que ela é, representa a mais odienta face do Estado em sua tentativa de subjugar a Sociedade que o antecede e da qual emana.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN.

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Porque a lei tem espírito, acham-se capazes de interpretá-lo de acordo com as cores de seu entendimento. Como vestem-se com a capa negra da imponente majestade, têm colorido limitado. Nem todos prestaram concurso para juiz, ou não foram aprovados. Daí não conseguirem entender o verdadeiro espírito da lei que foi dado à ela pelo legislador. Querem impor o que lhes parece ou o que lhes convém.
    Não, a lei não é aquilo que disserem. A lei é a que está escrita e a sua alma não pode ser manipulada.
    Para não tentarem desvirtuá-la, no alto da majestosa toga do Batman, façam, de leve, sem estardalhaço, concurso para juiz. Depois, venham falar de flores.

  2. CANINDÉ SILVA diz:

    Bacana os relatos deste texto.

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