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domingo - 17/02/2019 - 09:48h

A perversão da dialética

Por Paulo Linhares

A História não é uma múmia, algo estanque, engessado, morto. Ao revés, ela é movimento para frente ou para trás, avanços e retrocessos; uma espécie de ‘retrato’ do mundo, este que é “tudo o que ocorre” e traduz a “totalidade  dos fatos, e não das coisas”, para usar a categoria genial de Ludwig Wittgenstein, do seu “Tractatus Logico-Philosoficus”.

É bem certo que as pessoas tendem (erroneamente) a pensar a História como um contínuo encadeamento de superação de fatos – os avanços -, porém, quase sempre não se dão conta de que, na maioria das vezes, ela é feita de repetições – os retrocessos – muitas vezes trasvestidas de farsas inescondíveis, como alertava Karl Marx no seu “O 18 de Brumário de Luís Bonaparte” (de 1852).

Posto que farsas, os retrocessos históricos findam por impor ao mundo real uma lógica daquilo que pode ser denominado como ‘dialética perversa’, em que a síntese, a despeito das antítese contrapostas, é mera repetição da tese, íntegra e insuperada. Por força de incompreensíveis mistérios das coisas humanas, fatos trágicos e indesejáveis do passado rebrotam no cotidiano de nossas vidas, como se as lições escritas em sangue, suor e lágrimas de nada valessem.

Pode até parecer complicada está cogitação, todavia, tudo se faz claro quando os fatos paridos da realidade são objeto de reflexão, por apressada e perfunctória que possa ser.

Ora, quem pensou que após 1985 – com o fim da ditadura militar – o Brasil avançaria para se tornar um país moderno, calcado nos princípios do Estado Democrático de Direito, na sobrelevação da cidadania civil e política, no fim das desigualdades sociais e regionais, no respeito à convivência pacífica e respeito à soberania de outros povos na ordem internacional, ademais da adoção de uma pauta de direitos e garantias fundamentais, afinal declarados na Constituição de 1988, foi vítima de ignóbil e monumental engano.

Os fatos ocorridos no campo político-institucional a partir do ano de 2016, sobretudo, com o impedimento ex-presidente Dilma Rousseff, a despeito de todos os erros e desvios cometidos no seu governo e nos governo de seu antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, mostram um enorme retrocesso factual de todas as conquistas da sociedade brasileira nas últimas três décadas. Tudo o que parecia ‘sólido’ se desmanchou no ar. E retrocedeu a um passado que, pensava-se, estava superado.

Claro, erros aconteceram, em especial o estabelecimento de relações promíscuas entre governos petistas (e os que os antecederam) e setores avançados do capital industrial, as  empresas de construção civil pesada, grandes empreiteiras de obras governamentais na área do petróleo transformadas em nefastas organizações criminosas que estabeleceram poderosos ‘propinodutos’ a contaminar gravemente o chão republicano.

No bojo das espetaculosas operações levadas a cabo pela aliança entre Poder Judiciário, Ministério Público e Polícia Federal – empoderados na Constituição de 1988 e apoiados pelos governos petistas, ademais do significativo apoio dos grandes barões da mídia -, parcela expressiva da sociedade brasileira assumiu uma pauta política conservadora, em desprestígio até de direitos e garantias de berço constitucional.

Mais grave, ainda, foi a dura resposta que esses setores – fundamentalmente das camadas médias da sociedade brasileira – deram nas urnas de 2018: optaram por um esboço de projeto política, social e economicamente bem mais retrógrado que aquele do ciclo militar de 1964-1985.

A pior, porém, está nas eleições de um presidente da República, alguns importantes governos estaduais e muitos parlamentares estaduais e federais, em ambientes rigorosamente democráticos, sem que isto represente efetivo avanço para uma sociedade complexa e juncada de contradições como a brasileira. A propósito, a eleição de Jair Bolsonaro à presidência da República não foi objeto de qualquer maior contestação, a despeito das inermes acusações da prática de delitos eleitorais (‘disparos’ de “fake news” bancados por empresários sem conhecimento da Justiça Eleitoral). Na lógica do sistema político-eleitoral em uso, a sua eleição pode ser considerada como inequivocamente livre de mácula.

Aceite-se ou não, a verdade é que o corpo eleitoral induvidosamente optou pela onda conservadora que vem atingindo outros países, a exemplo da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos da América. A palavra de ordem mesmo, neste momento, é “direita, volver”!

A tendência política conservadora, no Brasil, se confirma com as eleições do deputado Rodrigo Maia e do senador Davi Alcolumbre, ambos do Partido Democratas, de direita, segundo e terceiro na vocação sucessória da presidência da República que, nos próximos dois anos, presidirão respectivamente a Câmara dos Deputados e o Senado Federal.

Seguramente, a pauta ultraconservadora do governo Bolsonaro terá fortes aliados no Congresso Nacional para aprovação de leis e até de importantes reformas da Constituição. E de outros importantes setores da sociedade brasileira, inclusive, de parcela da chamada grande imprensa.

Embora possa parecer bizarro, tudo valerá a pena quando nossas humildes almas de democratas e republicanos – e esses dois termos se equivalem! – não forem pequenas, para lembrar o poeta Pessoa, embora, denuncia implacável a História, tantas (grandes) almas tenham fenecido sob Hitler, Stalin, Mussolini, Franco, Salazar, Pol-Pot, Garrastazu Médici, Pinochet etc.

E todas estas questões remetem às dificuldade e retrocessos de se desfrutar da liberdade numa ordem genuinamente republicana, como lembrou, há mais de dois mil anos, o filósofo latino Marco Túlio Cícero:“Quando o povo pode mais e rege tudo ao seu arbítrio, chama-se a isso liberdade; mas é, na verdade, licença”.

Por isto é que, na sua licença de decidir, em muitos casos, o povo  se torna algoz de suas próprias expectativas. E seu futuro pode estar irremediavelmente  comprometido, restando, apenas, a morte dos ideais  republicanos e cada vez mais distante a noção de uma sociedade livre, economicamente próspera e socialmente justa, com iguais oportunidades para todos.

Depois de muita caminhar e até sangrar – e tantos sangraram! – a sociedade brasileira dá um enorme salto para trás e aposta no inverso de tudo o que se assentara no seu coletivo imaginário a partir de 1985 e cristalizado na Constituição de 1988. Agora, é marco zero, pois tudo o que se edificou nesse campo ameaça a virar fumaça. Resta esperar para ver no que resultará esse intragável angu.

Paulo Linhares é professor e advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Prof. Paulo Linhares. Meus respeitosos cumprimentos.
    Não seria um retrocesso encaminhado pelo mau aproveitamento do presente com grave comprometimento do futuro?
    Não seria o retrocesso o único meio de defesa para que se espantasse os da vez , os da hora, que só nos vilipendiaram? Existe alguma dúvida sobre a permanência da prática de expoliar uma nação, caso os vencidos continuassem no poder?
    Às vezes escolhas não surgem. E ganha, talvez, o
    “menos ruim”. Que não seja tão ruim! Podemos desejar, almejar. E, não prestando, podemos destituir. Já fizemos isso antes…

  2. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Os Burro Narianos, sob o signo de uma suposta objetividade, sempre apostando no talvez, quem sabe, porventura, exatamente para que possamos voltar à idade média na política dos costumes e nos costumes da política.

    Para tanto, boa parte do seu eleitorado, continua tal e qual um ZUMBI, absolutamente alheio à realidade de todos sabida e pari passu delineada, quanto às ações de um governante, que de fato, não possui capacidade de administrar um Bar de esquina com quatro garrafas nas prateleiras.

    Nesse contexto, pra que a tragicomédia se manifeste de maneria ainda mais “retumbante”, agregam-se às ações ditas governamentais, ações diuturnas de uma trupe familiar Burro Nariana, absolutamente ignara, alienada, obtusa e aparvalhada tentando emplacar à qualquer custo uma agenda de costumes de ordem medieval, sob a luz do do obsessivo patrimonialismo de ocasião. Mesmo porque sobredita trupe de adolescentes quarentões, formada à partir da gênese existencial e de conselhos da cavalgadura mor JAIR MESSIAS BOLSONARO…!!!

    Assim mesmo, na “abalizada” opinião do eleitorado que votou na plataforma do ódio e da exclusão social, tudo, absolutamente tudo é relativizado em nome do patrimonialismo, do imobilismo político e social, exatamente para que o país volte, quem sabe ao período colonial, de forma ainda mais dependente, agora, tendo como patrono da dependência, mais que nunca MADE USA…!!!

    Nessa toda, caso a cavalgadura cercada de milicos, pastores, yotuber’s e outras quinquilharias ditas da nova política, consiga governar os quatro anos que o celerado eleitorado os outorgou através do manipulado e fraudado voto. Tenhamos como resultante, ao fim e ao cabo, o ápice da humilhação em que os poderes máximos da hierarquia nacional reúnem-se para proteger e aprofundar os mecanismos da alienação comandada por forças hegemônicas externas que nos exploram sistemática e secularmente, ameaçando romper os últimos laços da nossa unidade social.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  3. João Claudio diz:

    A revolta dos PTralhas só vai acabar no dia em que o Lulalau e Quadrilha voltarem ao poder.

    Missão impossível.

  4. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    *espoliar

  5. Valmir Melo da Silva diz:

    Concordo plenamente com as reflexões da Professora Naide Maria Rosado, sobre o texto do Paulo Linhares! Seria interessante que o autor do texto explicitasse o que considerou avanços depois da Constituiçao de 1988, se o que se viu neste pais foi o crescimento desenfreado da violência e da corrupção, sem falar em outras mazelas. Acho que existem sonhos, mas uma coisa é a realidade.

  6. Valmir Melo da Silva diz:

    Continuando, acho uma piada dizer que o Brasil, depois de 1985 tornou-se um pais moderno, avançado e outras qualificações mais. Pode até ter sido isso, para uns poucos privilegiados, notadamente dos Poderes Legislativos e Juficiário. Igualmente parece piada falar em sobrelevação da cidadania, do cambate ao fim das desigualdades. Há que se perguntar em que país isso ocorreu??? no Brasil certamente não foi.

  7. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Não tenho procuração pra defender o Professor Paulo Afonso Linhares, porem, apenas uma dica ao Web-leitor VALMIR MELO DA SILVA, por favor, se Vossa Senhoria sair das ditas redes sociais…na verdade lixos socais, via Watzaps e facebook’s da vida, quem sabe tenhas a resposta que procuras. Especialmente, se vossa insolência, se der uma chance, de um pouco de leitura sobre direito constitucional, Estado Democrático de direito e principalmente acerca da histórica do processo politico eleitoral no Brasil no período republicano.

    Sr. Valmir Melo da Silva, leia um pouco que seja da obra de de RAIMUNDO FAORO, FERNANDO MORAIS, JESSÉ SOUSA, MACHADO DE ASSIS, DARCY RIBEIRO, FLORESTAN FERNANDES, ANTONIO FRANCISCO, EUCLIDES DA CUNHA, DENTRE OUTROS BRASILEIROS SÁBIOS E ILUSTRES….!!!!

    Quem sabe, essas leituras, possam oportunizar ao Burro Nariano, Sr. Valmir Melo da Silva, um pouco de raciocínio e restruturação reflexão no tocante à sua suposta critica, crítica essa, vazia e absolutamente desprovida de qualquer fundamento histórico.

    Digo isso sem nenhum pedantismo, muito pelo contrario, humildemente, infelizmente, tendo que reconhecer a manifesta incapacidade de grande parte do dito cidadão e eleitorado nacional com relação a só exercitar os músculos nas maviosas academias, local onde os “vistantes” têm pavor de um LIVRO, mas sim, exercitar o cérebro (sendo, parte do sistema nervoso central situada na caixa craniana dos vertebrados e que recebe estímulos dos órgãos sensoriais, interpretando-os e correlacionando-os com impressões armazenadas, a fim de acionar impulsos motores que, essencialmente, controlam todas as atividades vitais [Nos humanos, é também o órgão do pensamento, dos sentimentos, da memória e da imaginação) algo realmente bastante improvável e raro no atual tempo/momento político, pautado e oxigenado pela intolerância, pela ignorância e pelo ódio que se espraia facilmente em tempos pré-fascistas como o que estamos a navegar…!!!

    Esse respeitoso conselho, vale, caso o Sr. Valmir Melo da Silva, claro, não uma das vítimas da desconstrução cognitiva programada, atualmente , infelizmente, muito em voga em nosso país.

    No caso, à depender da resposta , porventura fundada em fantasmagoria, nefelibatismos políticos/eleitorais, aí quem sabe, teremos luz ou não…!!!

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

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