• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 26/11/2017 - 09:47h

A visita da saúde

Por François Silvestre

Não me lembro de ter usado esse espaço da Prosa do Domingo, desde os tempos do Novo Jornal, para tratar da política eleitoral do Rio Grande do Norte.

Faço isso hoje. Vejo nas folhas que os senadores José Agripino e Garibaldi Alves ofereceram apoio à candidatura de Carlos Eduardo Alves, prefeito de Natal, ao governo do Estado.

Carlos Eduardo tem chances reias nessa disputa? Sim. Ninguém nega isso. O problema é saber com qual companhia ele pretende enfrentar a disputa. A companhia dos anônimos, vítimas das oligarquias e de si próprios, pela culpa in elegendo, ou a companhia dinástica dos mesmos de sempre?

Imagino Agnelo perguntando: “Se José Agripino visse a chance de eleger um governador com seu apoio, quem seria esse candidato senão Felipe Maia”? Ou “se Garibaldi Alves tivesse idêntica chance, qual seria seu candidato a não ser Walter Alves”?

Ajudo Agnelo: “E se ambos se sentissem com peso de elegerem um governador, não seria entre eles a escolha de um dos filhos”? Ou não é assim que raciocina a dinastia?

Nas oligarquias, os sobrinhos vêm depois dos filhos. Se o prêmio é bom e fácil vai para o filho. Mas se for carne de pescoço, tem cunhado, sobrinho e até irmão. Filé é do filho. O eleitor e o assessor ficam com o arrasto do fato, tripas e miúdos.

Também vejo, nas folhas, que o argumento dos dois senadores parece razoável. Disseram ao prefeito da Capital: “Você tem uma chance ímpar e talvez não tenha outra”. Tudo por conta da garantia de apoio dos dois “generosos” senadores.

Faz sentido? Não. Só parece. Basta ver a história recente, das últimas eleições, para concluir que o sentido é outro. A generosidade é apenas a esperteza fantasiada de desprendimento.

Nas eleições passadas, os dois senadores estavam juntos. E ainda com Wilma de Faria. Com tudo que era prefeito. Mandaram um recado a Robinson Faria: “Você tem a vice-governança, algumas secretarias e facilidades para a eleição do seu filho. Fora disso, você não tem a mínima chance”.

Quem transmitiu essa mensagem? O deputado Getúlio Rego. Se for mentira, não é minha. Foi o próprio Robinson quem me contou, num restaurante da cidade, na presença do jornalista e escritor Alex Medeiros.

Naquele dia eu fui prestar um serviço, gratuitamente, ao governador eleito, em quem eu não votara. Serviços gratuitos que prestei, ao longo da vida, a outras oligarquias e outros oligarcas. Alguns desses serviços eu repetiria; de outros, eu faço autocrítica.

Robinson não aceitou “a única chance” e derrotou todo mundo. Ganhou o desconhecido, pois o eleitor mostrou-se cansado da esperteza manjada dos conhecidos. Infelizmente, ao tornar-se conhecido, Robinson mostrou-se apenas uma repetição decepcionante. Conseguiu a proeza de produzir saudade do governo anterior.

Portanto, Carlos Eduardo tem uma chance. A de mesmo sendo conhecido, não se tornar o boi de piranha dos parentes e aderentes espertos, que buscam a própria salvação. E não o interesse público. O boi distrai as piranhas e os espertos atravessam o rio. Pequeno do Norte.

O envelhecimento de Garibaldi Alves e Agripino Maia não é físico ou mental. É fruto de um tempo que eles construíram de enrugamento político, cansaço histórico e o poder a qualquer custo. O tempo e os fatos oferecem aos dois uma saída digna, que é a abstenção de candidaturas. Se não quiserem sepultar os últimos esperneios das próprias dinastias.

Se Carlos Eduardo decidir a candidatura por essa via, já começa declarando sua aliança com a fisiologia eleitoral. Não será novidade nem ofertará esperança. Será apenas, se vencer, a visita da saúde, ao Estado moribundo.

E vai pastorear um rebanho de carneiros deslanados, condenados ao embuste, num curral de mourões apodrecidos. Té mais.

François Silvestre é escritor

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. jb diz:

    Qualquer semelhança não é mera coincidência entre a classe política potiguar e o conto Rip Van Winkle:
    Este conto foi escrito durante um estágio de Washington Irving na Inglaterra e conta sobre os tempos antes e após a revolução norte-americana. Conta que um homem, fugindo à sua esposa má, corre até uma floresta. Depois de muitas aventuras ele põe-se a descansar embaixo de uma árvore umbrosa, e adormece.
    Vinte anos após ele acorda e decide regressar a sua vila. Ele mete-se logo em dificuldades quando ovaciona George III, não sabendo, no entanto, que se tinha realizado a revolução e que já não se devia saudar a monarquia.
    Por causa deste conto, Rip van Winkle também é associado às pessoas que não dão conta que certas coisas mudaram, como o retorno ao lar depois de tantos anos sem notícias…O termo “Rip Van Winkle” acabou se tornando sinônimo de uma pessoa que vive situação de mudança social, seja ela intencional ou não, mas que “congela no tempo”. O personagem de Washington Irving acabou se tornando um marco daquilo que estagnou, que dormiu e acordou em dois períodos distintos, mas ainda permanece o mesmo. No caso, Rip confronta a mudança da Revolução Americana, dormindo numa colônia inglesa e acordando numa América independente. Quando ele retorna para o vilarejo, nota que uma série de coisas estão diferentes, mesmo o boteco onde ele costumava passar boa parte do tempo havia mudado muito: “Ele reconheceu no letreiro, contudo, o rosto vermelho do Rei George, embaixo do qual ele tinha fumado tantos cachimbos da paz, mas até isto foi particularmente metamorfoseado. O casaco vermelho foi modificado para um azul e de camurça, foi mantida uma espada na mão ao invés de um cetro, a cabeça foi decorada com um chapéu levantado, e abaixo estava pintado em grandes letras, GENERAL WASHINGTON.”

    Fonte://pt.wikipedia.org/wiki/Rip_van_Winkle

  2. François Silvestre diz:

    Excelente alegoria, uma metáfora comparativa. Parabéns.

Deixe uma resposta para François Silvestre Cancelar resposta

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2024. Todos os Direitos Reservados.