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domingo - 06/05/2018 - 06:48h

Ariano Suassuna e o aristocrata pelo espírito

Por Honório de Medeiros

Acabei de ler a apresentação que Ariano Suassuna, fez da obra de um seu parente, Raimundo Suassuna, acerca da genealogia da família que lhes deu o sobrenome (“Uma Estirpe Sertaneja Genealógica da Família Suassuna”; A União; 1993; João Pessoa).

Ariano, a quem Raimundo Suassuna pedira que fizesse uma apresentação “simpática”, de seu livro, praticamente escreveu um ensaio onde, entre outras coisas, abordou duas coisas que me chamaram a atenção: seu orgulho por ser um “Suassuna”; e o seu conceito de “aristocracia”.

É preciso que se diga que o orgulho de Ariano com o fato de pertencer a essa lendária família nordestina é decorrente da intensa, profunda, ligação que ela tem com o Sertão.

Ariano Suassuna entende que existe uma aristocracia pelo espírito, que é profundamente diferente daquela resultante de títulos nobiliárquicos.

Ele estabelece essa diferença confrontando o “homem” com o “cortesão”. Neste caso, chega a manifestar, implicitamente, um verdadeiro asco dos títulos comprados, recebidos por favores prestados através de subserviência, barganhados, ou oriundos de qualquer outra forma utilizada por serviçais do poder que caracterizam, em última instância, o comportamento dos alpinistas sociais.

A verdadeira aristocracia, para Ariano, é aquela adquirida pelo espírito. Essa nobiliarquia é decorrente de uma postura moral ilibada, aliada a um exponencial senso de honra e vocação pública.

Aristocrata, então, seriam Albert Schweitzer, Gandhi, Albert Sabin, entre outros. Titãs morais, verdadeiros cavaleiros da távola redonda, homens sem mácula e sem medo, sempre à disposição dos injustiçados ou a serviço de causas mais que nobres.

Individualidades poderosas, que se recusaram ser conduzidas, cooptadas, amordaçadas. Não aceitam ser a folha que o rio leva para o mar; muito antes, pelo contrário, assemelham-se às represas que domam a marcha das águas.

Essa aristocracia pelo espírito de Ariano é fecundada, em termos ideológicos, por um socialismo que lembra o cristianismo primitivo em sua perspectiva ética.

É como se ele acreditasse que a verdadeira revolução seria aquela promovida através da encampação da dignidade como único fulcro da conduta humana, legitimando-a.

É um contraponto dialético à ética burguesa que exposta a olho nu por suas contradições básicas, mostra a conduta humana amesquinhada por obra e graça da lógica do capitalismo. Esse burguês, caricato, cortesão, jamais diria: “ao Rei tudo, menos a honra”, mas, sim, “à elite tudo, até o bolso”.

Trata-se de uma crítica ética ao capitalismo. A busca do lucro, revestida pelo fetiche ideológico da “competição”, da “livre concorrência”, amesquinha o homem que aceita participar de tal jogo.

Um aristocrata pelo espírito, cuja conduta é calcada na honra, no senso de justiça pública, recusa-se a aceitar uma competição cujo resultado final seja a obtenção de um ideal tal como, por exemplo, a obtenção de lucro.

Talvez haja algo de quixotesco na dimensão humana de Ariano Suassuna. É interessante, entretanto, observar o quanto sua concepção filosófica, nesse aspecto, aproxima-se daquela professada por Saint-Exupèry, aristocrata pelo espírito e por genealogia, em seus escritos de “Cidadela”, livro póstumo. E, por outra, do “bushido”, o caminho do samurai.

Note-se que Yukio Mishima, em seu comentário acerca do “Hagakure”, um manual escrito por um samurai, para samurais, critica asperamente os nobres por ele chamados de “aristocratas de contas de despesas”. Ou seja, tanto para Ariano, quanto para Saint-Exupèry e Mishima, o homem, assim considerado, é aquele que transcendeu o apequenamento, o amesquinhamento inerente à ética do capitalismo, da qual nos fala Max Weber, e tornou-se um aristocrata pelo espírito. Aristocrata pelo Espírito: Não considerei correto o título “aristocrata do espírito”.

Difícil dizer por quê. Acho que “aristocrata pelo espírito” expressa com maior clareza a ideia de uma nobreza obtida através do espírito – tudo aquilo que caracteriza o humano, como a razão, incluindo, inclusive, o seu pendor místico.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    “Um aristocrata pelo espírito, cuja conduta é calcada na honra, no senso de justiça pública, recusa-se a aceitar uma competição cujo resultado final seja a obtenção de um ideal tal como, por exemplo, a obtenção de lucro.”
    Fácil entender porque não existe um só corrupto aristocrata.
    Dá para imaginar uma Madre teresa de Calcutá pensando em lucro?
    Dá para imaginar um Chico Xavier pensando em lucro?
    Dá para imaginar um Monsenhor Walfredo Gurgel pensando em lucro?
    Dá para imaginar um Nelson Mandela pensando em lucro?
    Dá para imaginar um Mahatma Gandhi pensando em lucro?
    Dá para imaginar um destes personagens colocando dinheiro em plano de previdência privada?
    Alguém teve notícia de um destes personagens ostentando jóias e carros de luxo?
    Quanto aos corruptos…
    ////
    ACREDITO QUE OS RECURSOS SAL GROSSO SERÃO JULGADOS EM MAIO.
    O ARRASTÃO DA FREI MIGUELINHO AINDA NÃO FOI ELUCIDADO.

  2. Amorim diz:

    O Sr. Ariano Suassuna, ouvi pessoalente dele, na primeira vez que entrou no Palácio do Governo Paraibano foi sem roupa alguma, estava nu.
    Ps. Ele nasceu lá.
    Momento Intelectual. ( antes que digam eu falo, de meia tijela, de metido a besta)
    Ps. não digo cultural pra não remeter-me ao R. Azevedo.

  3. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Beleza, Prof. Honório de Medeiros. Parabéns!

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