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domingo - 07/07/2019 - 06:38h

Armas, por que (não) te querem?

Por Eduardo Cavalcanti

Vamos às estatísticas. Há dados para todos os gostos e interpretações divergentes. A manipulação de pesquisas acerca do aumento ou não da violência diante da liberação ou não do porte de arma de fogo para os cidadãos provoca sérias distorções sobre a opinião pública.

Por mais incrível que pareça, autorizar ou não arma de fogo para o cidadão possui pouca relação quanto ao aumento ou redução da violência. Portanto, trata-se mais de um discurso ideológico e político do que um fato empírico. Basta uma simples análise acerca da situação de alguns países para entender tal fato.Alemanha e Suíça, por exemplo, possuem legislação bastante favorável no que diz respeito ao acesso às armas de fogo. E estão classificados entre os países mais seguros do mundo (Alemanha, 17º; Suíça, 12º), de acordo com o Índice Global da Paz.

O Japão, considerado o 9º mais seguro ainda pelo mesmo índice, possui, de outro modo, legislação muito restritiva quanto ao acesso às armas. Honduras, segue a mesma linha legislativa adotada pelo Japão, mas é o líder quando o assunto é insegurança (considerado o país mais violento do mundo).

Já nos EUA, cuja situação se caracteriza pelos extremos, pois há estados que chegam a estimular o uso de armas de fogo pela sociedade civil (com pontos de venda em lojas e supermercados), como também estados em que há maiores restrições legais, a polêmica sobre o tema sempre está na ordem do dia.

Estudos realizados pela Universidade de Stanford, na Califórnia, informam que a maior facilidade para se obter armas de fogo aumenta os casos de homicídios e suicídios entre os jovens. Ao contrário, pesquisas divulgadas pela  Universidade de Harvard, em Massachusetts, defendem que há uma inegável correlação positiva entre mais armas e menos crimes.

Assim, não há qualquer consenso científico quando o assunto é a relação causa e efeito entre população mais armada e redução/aumento da violência.

Resta claro, em determinados momentos, que o tema do armamento/desarmamento se centra menos como problema que envolve estudos, pesquisas e dados sobre a realidade do que questões econômicas, políticas e midiáticas. Ora, não se pode esquecer que, assim como os entorpecentes, o tráfico ilegal de armas de fogo gira uma economia global imensurável, podendo-se acreditar, por vezes, que a situação de ilegalidade é até mesmo estimulada.

NO BRASIL, estudo promovido pela ONG Small Arms Survey, indicou que, em 2016, existiam 14,84 milhões de armas em posse de civis no país. Com isto, o Brasil se coloca em sétimo lugar no ranking de países com mais armas de fogo em circulação. Como em 2017, havia 328.893 armas registradas no Brasil, segundo a mesma ONG, nota-se claramente a situação de ilegalidade da imensa maioria das armas de fogo.

Portanto, o simples argumento de que mais armas matam mais, defendido por aqueles contrários à ideia de diminuição de exigências legais para o uso de armas de fogo pelos cidadãos brasileiros, não se adequa de forma consentânea com a nossa realidade.

Como raciocínio lógico, menores barreiras para a posse de armas pela sociedade civil no Brasil trazem como consequência imediata maior controle e fiscalização sobre as armas de fogo circulantes e sobre as pessoas que as adquirem.

De modo geral, há alguns fatos que permitem certas concordâncias. Não existe muita interferência na diminuição/aumento do número de homicídios diante de quadro legislativo que restrinja ou facilite a posse de armas de fogo pelos civis. Mas, em sentido contrário, o uso da arma de fogo pode evitar certas situações de violência, como, por exemplo, furtos, violência doméstica e crimes contra liberdade sexual.

A diminuição da violência, portanto, passa por outros vieses mais complexos e que requerem medidas de médio e longo prazo. O debate, deste modo, acerca da diminuição/aumento das restrições legais para as armas de fogo nas mãos de civis pouco interfere quando o assunto é redução da violência.

Por óbvio, que o uso de armas de fogo por pessoas sem qualquer qualificação pode gerar uma lógica inversa, qual seja, transformar-se no próprio instrumento do crime contra quem a utiliza.

Por isto, defendo que devemos transformar a legislação pertinente para uma normativa chamada Estatuto do Armamento, com o estabelecimento, por óbvio, de requisitos e condições mínimas para o porte de armas de fogo.

Eduardo Cavalcanti é promotor de Justiça no RN, mestre em Direito pela PUC/RS e doutorando em Direito pela Universidade de Lisboa

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Fabio diz:

    Em um país que nem o Brasil de grande instabilidade política e econômica, liberar armas para população será um tiro no pé. Imagino como a polícia irá ter controle dessas manifestações como ocorreram em 2014 com um exercício de revoltosos armados.

  2. Fabio diz:

    Em um país que nem o Brasil de grande instabilidade política e econômica, liberar armas para população será um tiro no pé. Imagino como a polícia irá ter controle dessas manifestações como ocorreram em 2014 com um exercício de revoltosos armados, com a mente contaminada por fakenews de rede social.

  3. Q1Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Brilhante defesa de um Estatuto do Armamento, com exigência de ” condições mínimas para porte de armas de fogo”, após apurada análise dos aspectos positivos e negativos do tema.
    Trata-se de Artigo didático merecedor de parabéns ao seu autor, Promotor Eduardo Cavalcanti.

  4. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Em mais um artigo de um dos “mestres” do MP com competência internacional, quiçá universal, este, vem, nos brindar e ao mesmo tempo, no dar inequívoca demonstração da ambígua posição sobre o tema, o que na verdade expõe e favorece a ambivalente posição, claramente em favor da liberação das armas, conquanto o conhecido modus operandi do viés empedernido viés punitivista à qualquer preço.

    O diversionismo retórico com que analisa a questão da liberação das armas em um país absurdamente desigual, contradiço e complexo por natureza, ante suas peculiaridades que fazem do Brasil, um país singular no conjunto das nações. Bem diz a que veio o “mestre”, fazendo do relativismo e dos sofismas, armadilhas posta àqueles, em sua maioria, absolutamente ignorantes sobre o tema.

    Claro, óbvio e ululante que a mitigação e (ou) concreto combate à violência em suas causa e com causas, necessariamente, passa por implementação de políticas publicas que de forma direta e indireta busque efetividade no que tange a prevenção do crime. mormente em seu nascedouro que sabidamente, diz respeito à histórica desigualdade social.

    Todavia, não podemos e não devemos relativizar a questão da liberação das armas, a despeito e (ou) a propósito da análise que se possa fazer dessa e (ou) daquela pesquisa realizada no redemoinho de violência estrutural planejada e programada pelo Status quo que coexiste made USA (ESTADO MILITAR INDUSTRIAL AMERICANO). Não esqueçamos, proporcionalmente a maior população carcerária do planeta, população essa coexistindo no bojo e curso de suposta matriz da democracia ocidental made Hemisfério Norte.

    UM BARAÇO

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318..

  5. Q1Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Promotor Eduardo Cavalcanti. Reafirmo a excelência do Artigo, perfeitamente entendido por mim.

  6. Victor diz:

    Se trocar a palavra “armamento” por “maconha” a ideia central do artigo poderia ser a mesma, ao tratar das correlações entre criminalidade, malefícios a saúde, etc. A questão é que a arma é um pleito de cidadãos com maior poder aquisitivo, enquanto a regulamentação do consumo da maconha é um pleito da população com menor poder aquisitivo, esta realmente penalizada pelo mecanismo da guerra às drogas.

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