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domingo - 10/06/2018 - 08:30h

As mazelas do poder fraco

Por François Silvestre

Não é fácil conviver com a crise. Nem com a seca. Nem com a escassez. E menos ainda com a “ética” dos métodos, banquete de hipocrisia. Pra cada sujeira apontada no quintal vizinho, um charco de lama na própria soleira.

Já houve quem sustentasse não ser pessimista para não parecer chato; nem otimista, para não parecer bobo. E chegou a inventar o realismo consciente. A moderação na crença e a tolerância no descrédito.

O candidato contamina-se de otimismo para convencer o eleitor a segui-lo. E ao eleitor é oferecido um pacto de entusiasmo. E a surrada promessa de mudança. E ambos fingem. Cada um no seu grotão.

O eleitor se faz de besta e oferece o bolso bobo para receber a prebenda do esperto. O eleitor sabe que seu voto é uma mercadoria e o candidato intui que o comprado e pago não comporta cobrança.

Mesmo assim e talvez por isso mesmo a crise seja um rompimento de trevas. Uma lanterna a clarear no quarto escuro. Um puxão de orelhas da realidade. A crise institucional escancara-se. Tão grave quanto a econômica. A economia se arruma, mesmo que demore.

A ascensão de um governo legitimado ajudará na recuperação. Porém, as Instituições sem crédito só se recuperam com nova ordem constitucional. Isso tá mais claro do que o sol da manhã no sertão de Novembro.

Nem a Democracia é plena nem o voto é livre. Fosse livre, o voto não seria obrigatório. Tanto a Esquerda quanto a Direita defendem o voto obrigatório. Por quê? A Direita sabe que o voto livre seria muito mais caro. E a esquerda percebe que o voto voluntário seria muito mais exigente.

A Direita precisaria de mais grana para arrancar alguém de casa e a Esquerda precisaria revisar a baboseira sofista para convencer o eleitor desobrigado de votar. O voto obrigatório é democracia de curral. Coisa de rebanho e não de povo.

A crise rasga a mentira. O discurso, a liberdade do voto, a promessa, a propaganda, os debates ocos, a mídia venal, a fiscalização de fachada. Esse é o útero onde se fecunda o óvulo do embuste e nasce feto da crise.

Os candidatos são espermatozoides. O eleitorado é o óvulo maduro a esperá-los, no cérvix da urna. No ovário, eles se encontram. Após a caminhada difícil que veio do gozo, enfrentando cada um a hostilidade da militância inimiga.

E a conquista? O candidato excitado penetra o cio da militância. Os lados oponentes abrem as pernas do rebanho, no berço esplêndido. E há o coito. O resultado do coito é o coitado.

Reina o Estado Cérbero, falido, e suas castas famintas de privilégios e empanzinadas de hipocrisia.

E a seca? Apenas “uma eterna e monótona novidade”, como disse Cunha, o Euclides. Eterna porque sempre existiu. Monótona porque vem em ciclos. E novidade porque nunca nos preparamos para seu retorno inevitável.

De todo modo a crise educa, seja no aprendizado ou na reflexão. Nas trevas descobrimos o valor da luz; na retirada, recuperamos a memória do torrão. E no aperreio valorizamos a pobreza da posse precária, cuja legitimidade só se configura pelo trabalho e não pela esmola.

Posse pior do que a da esmola só aquela adquirida pelo roubo ou pela corrupção. Cuja repressão há de ser despolitizada, sob o risco de pairar dúvidas no controle e na punição.

Quanto ao comando atual do Estado brasileiro, vem à memória aquele verso de Camões que Francisco de Souza Nunes gosta de recitar: “O fraco rei faz fraca a forte gente”. Té mais.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Rocha Neto diz:

    Este crânio das raízes Silvestre, criado e batizado pelas águas puras da Bica de Portalegre, muito envaidecido fico ao ler cada coluna criada, nutrida e oriunda de tamanha e abençoada inteligência do nobre das letras e brilhante conterrâneo, que é François. Conseguiu se superar hoje. PARABÉNS!!!

  2. jb diz:

    E por falar em “surrada promessa de mudança” lembrei-me disto:”Os governos, com os seus inevitáveis processos de violência e hipocrisias, ficam alheados da simpatia dos que acreditam nele; e demais, esquecidos de sua vital impotência e inutilidade, levam a prometer o que não podem fazer, de forma a criar desesperados, que pedem sempre mudanças e mudanças.”Lima Barreto, em ‘Triste Fim de Policarpo Quaresma’

  3. Inácio Augusto de Almeida diz:

    “Posse pior do que a da esmola só aquela adquirida pelo roubo ou pela corrupção. ”
    Incrível é ter corrupto que se orgulha por ter adquirido recursos pela corrupção. Orgulha-se e ostenta.
    Quando metidos no xilindró, choram. Choram e ficam depressivos e se dizem arrependidos.
    Ou não é isto que está acontecendo com o condenado Sérgio Cabral?
    Para de rir, Zé Buchudinho.
    /////
    OS RECURSOS SAL GROSSO SERÃO JULGADOS ESTA SEMANA?
    O ARRASTÃO DA FREI MIGUELINHO SERÁ ELUCIDADO PELA POLÍCIA DO RN ESTA SEMANA?

  4. Acauamar Larguimat diz:

    Belo texto! parabéns François Silvestre!

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