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domingo - 04/03/2018 - 08:28h

Brasília – a dança das cadeiras

Por Paulo Linhares

Um estouro de boiada ou, mais precisamente, um velho caminhão sem freio a desembestar ladeira abaixo, são as imagens mais aproximadas que vêm à mente quando o assunto é o governo Temer. No entanto, enquanto chão de vivência do poder, o cotidiano dos gabinetes brasiliense segue o ritmo daquela brincadeira infantil chamada “dança das cadeiras”.

Para reavivar as lembranças da infância, esse jogo  consiste na formação  de uma roda de cadeiras e outra de pessoas, em que o número de cadeiras deve ser sempre um a menos. Toca-se uma música animada. Quando a música parar, todos devem sentar em alguma cadeira. Quem não conseguir sentar, é eliminado e tira-se mais uma cadeira. Ganha quem sentar na última cadeira disponível.

Na realidade de Brasília, as cadeiras são os postos de comando da alta burocracia federal e as pessoas os tantos pretendentes a cargos que se aboletam em azeitadas máquinas partidárias.

A música variada, tanto pode ser o circunspecto Hino Nacional, o ‘Moonwalker’ de Michael Jackson, uma ária de Puccini, o ‘Que Tiro Foi Esse?’ da funkeira Jojo Todynho ou, em derradeiríssima hipótese, valem mesmo essas coisas da moda que são as politicamente corretas ‘ladainhas’ da Lava Jato, recheadas de delações premiadas e outras atrocidades do ramo, seja na versão da banda do STF ou no ritmo curitibano do califa Sérgio Moro e seus dellagnolzinhos amestrados. Pode nem sempre ser assim tão animado, mas, que dá ‘rolo’ isso dá…

A última rodada de acontecências brasilienses (algo a ver com aquela estrofe da Acontecência, de Jorge Vercillo: “Não importa a hora que terei de acordar amanhã/Tudo é ver seu respirar, acelerar, desenfreado/Seu discurso em meu ouvido vai arrebatar qualquer eleição…”), o dernier cri nos jornalões e netuorques tupiniquins, é a criação do decantado Ministério da Segurança Pública.  Aí, sem menor sombra de dúvida, o mordomo do soturno Palácio da Alvorada, ‘seo’ Michel Temer, se superou.

Embora acossado por um rosário de fiascos políticos e econômicos, além de uma avalanche de processos judiciais, Temer ensaia a pretensão de ser candidato à eleição presidencial deste 2018. Em especial porque sabe – e ele é um político muito ladino – que se Lula for impedido de disputar, o que restar é tudo ‘japonês’, tudo igual, de modo que aumentam exponencialmente as suas chances de manter, por mais quatro anos, os seus velhos glúteos chantados na curul presidencial.

Para isso, contudo, algo relevante – e bem visível político-eleitoralmente! – precisava ser feito. Para que o ‘efeito de demonstração’ fosse completo, com a produção de um fenômeno das influências recíprocas entre meios distantes, Temer, com primeiro movimento, decretou uma polêmica intervenção parcial no combalido Estado do Rio de Janeiro, focada no caótico segmento da segurança pública; num segundo movimento, sacou do bolso do colete à criação  de mais um desses mastodontes da Administração federal: nasce o Ministério Extraordinário da Segurança Pública, que engloba o DPF (Departamento de Polícia Federal) a PRF (Polícia Rodoviária Federal), o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), o Conasp (Conselho Nacional de Segurança Pública), o CNPCP (Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária) e a Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública). Estranho é que todos esses organismos existem e estavam congregados já no Ministério da Justiça.

O novel Ministério, segundo a letra de Medida Provisória que o instituiu, tem como competência “coordenar e promover a integração da segurança pública em todo o território nacional em cooperação com os demais entes federativos“.

Apesar do mortal esvaziamento do Ministério da Justiça e Cidadania (MJC), literalmente reduzido. “Extrato de pó de traque”, um resignado dr. Torquato Jardim, atual titular da pasta, disse que  “continuará trabalhando 14 horas por dia“. Em que mesmo não se sabe ao certo. Ora, para ele rigorosamente apenas restou o imponente Palácio Raimundo Faoro, aquela estrutura moderno-gótica desenhada pelo genial Niemayer, cuja fachada se caracteriza pelo desalinhado conjunto de cascatas artificiais que correm por calhas de concreto e caem num vistoso espelho d’água.

Brincadeira à parte – afinal, trata-se aqui de ‘danças das cadeiras’… – o MJC ainda ficou com a Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), Secretaria Nacional de Justiça (SNJ) e o Arquivo Nacional. Poucas e não menos bolorentas emoções para o operoso dr. Jardim. Aliás, à exceção do Senad e do SNJ, todos os outros têm estruturas e funcionamentos autônomos em face do MJC.

A gestão do novo rebento incrustado no gigantesco organograma do Governo Federal ficou a cargo de Raul Belens Jungmann Pinto, pernambucano e de ascendência germânica pelo lado paterno, deputado federal e ex-ocupante de várias pastas ministeriais, inclusive, o Ministério da Defesa no atual governo Temer, com inegável êxito.

A tarefa de Jungmann, todavia, não será assim tão simples, a começar pelo clima de guerra civil que se observa em quase todos os grandes centros urbanos brasileiros, a exemplo do Rio de Janeiro, aliado às dificuldades materiais de seu enfrentamento decorrentes da grave crise fiscal por que passam os Estados e Municípios deste país. Falta dinheiro para quase tudo, inclusive, para segurança pública.

Por fim, essa dança de cadeiras do governo Temer, todavia, afigura-se mesmo com um exercício de inutilidades. Ora, sem dúvida foi desnecessária a criação de mais um ministério: bastaria transformar o Ministério da Justiça e Cidadania em Ministério da Justiça e Segurança Pública, a ser gerido por Raul Jungmann. E se Torquato Jardim não fosse ‘encaixável’ no Ministério da Defesa, e não parece ser, ficaria sem cadeira nessa dança do poder, nestes tempos bicudos.

Simples assim.

Paulo Linhares é professor e advogado

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Categoria(s): Artigo

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