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domingo - 25/04/2021 - 06:00h

Carta ao “Patrão”

Francisco Edilson Leite Pinto Júnior - FotoPor Francisco Edilson Leite Pinto Júnior

“Há tempo para tudo debaixo do sol. Há tempo de escrever; há tempo de calar!”.

Caro “Patrão” Jornalista Carlos Santos,

Por favor, não me “demita” do seu Blog. Eu sei que faz tempo que não produzo um texto. Mas, saiba que estou acobertado pela Lei nº 11.770, de 9 de setembro de 2008, que instituiu o programa de empresa cidadã, prorrogando o período de licença maternidade de 120 para 180 dias, ou seja, de quatro para seis meses.

Assim, se levarmos em conta que a minha última “gestação e trabalho de parto” foi exatamente em setembro de 2012, veja que estou dentro do prazo, perfeitamente dentro da Lei. Portanto, só em março de 2013 é que eu teria que produzir mais um filho…

Sim! Meu caro, não tenha dúvida: um texto é como um filho. Muitas vezes, passa nove meses em nossa cabeça – esse útero terrível, como nos ensina Rubem Alves-, pois “Dela tanto pode sair flores e borboletas quanto charcos e escorpiões. De vez em quando ela é invadida pelos demônios das catástrofes e dos horrores”… Outras vezes, a gestação é interrompida e o parto precoce – repleto de contrações e dores-, faz nascer a criança que estava dentro de nós.

Confesso. Admiro sim, quem consegue ter filhos, e escreve como Dipirona: de seis em seis horas. Haja coragem de pagar pensão alimentícia!… Mas não é o meu caso. Talvez por ser cirurgião e também por ser admirador de Nietzsche, só consigo valorizar aquilo que é escrito com sangue, pois sangue é espírito. Imagine, então, caro patrão, se todo dia eu escrevesse, estaria tão anêmico, que nem todas as bolsas de sangue do HEMONORTE restauraria o meu hematócrito… E sem hemoglobina não há oxigênio; sem oxigênio, o filho é um natimorto…

Portanto, desculpe-me o meu egoísmo. Mas, só escrevo quando tenho vontade. Quando a dor é tão intensa que nenhuma morfina é capaz de aliviá-la. Pois ter filhos, caro “patrão”, é doloroso. Escrever é estar doente dos olhos… O prazer da criação e a dor andam juntos, são irmãos gêmeos.

E, por favor, caro “patrão” não me condene pelo meu egoísmo. Até porque se só escrevo para mim é porque escrevo para todos. Como? Aprendi isso com o magnífico Orhan Pamuk, prêmio Nobel de literatura, no seu belo livro “A maleta de meu pai”:

PARA MIM, SER ESCRITOR, É RECONHECER AS FERIDAS SECRETAS QUE CARREGAMOS; tão secretas que mal temos consciência delas, e explorá-las com paciência, conhecê-las melhor, iluminá-las, apoderar-nos dessas dores e feridas e transformá-las em parte consciente do nosso espírito e da nossa literatura. O escritor fala de coisas que todos sabem, mas não sabem que sabem… Se ele usa suas feridas secretas como ponto de partida, consciente disso ou não, está depositando uma grande fé na humanidade. Minha confiança vem da convicção de que todos os seres humanos são parecidos, que os outros carregam feridas como as minhas.”.

Por isso que Guimarães Rosa tem razão quando diz que cada um de nós tem um grande SERTÃO dentro de si… E é por causa desse sertão, que muitas vezes somos incompreendidos, criticados e ridicularizados, já que ninguém sabe o que se passa dentro de cada escritor, durante a sua gestação.

Então, muitas vezes, querem nos corrigir: “Retire essas reticências todas! Acabe com tantas citações, elas nos cansam!” Ora, caro patrão! Veja que todo filho tem que ser mesmo imperfeito. Se Deus quisesse a perfeição não teria feito tantos ingratos, desonestos, mentirosos, oportunistas, invejosos, sanguessugas, etc. etc. E uma raça pura, sem defeitos, não era o que Hitler preconizava?! Por isso, tenho medo da eugenia!

Além disso, caro “patrão”, é bom lembrar que todo escritor tem as suas manias. Enquanto, Faulkner só escrevia pela manhã; Hemingway escrevia de pé. Já Balzac só escrevia bebendo café; e o que dizer de Schiller que guardava na sua escrivaninha maças podres cujo cheiro o embriagava e o estimulava… Eu, arremedo de escritor, mais para “ladrão de citações”, não poderia ficar para trás.

Veja caro “patrão” – e que fique como um segredo só entre nós-, mas a minha inspiração ocorre nos momentos mais inoportunos: ou quando estou debaixo do chuveiro ou dentro do elevador, rumo a uma reunião importante.

E quantas não foram às vezes que tive de interromper o banho e sair todo ensaboado do box, pegar uma caneta, papel e escrever o que a cabeça começava a parir; ou ainda ter que voltar do estacionamento do meu prédio e sentar em frente ao computador, para escrever… Acho que dentro de mim – já que somos muitos como diz o poeta Manoel de Barros: “Eu sou muitas pessoas destroçadas!”-, tem alguém que não gosta de banhos ou de cumprir horários…

Pois bem! Depois de todas essas explicações, espero que o meu processo de “demissão” seja interrompido e que o meu espaço no seu blog (//blogcarlossantos.com.br/) continue o mesmo. Afinal, qualquer tribunal de trabalho dará ganho de causa ao meu pleito.

E eu sei que embora processos não lhe intimida, já que estás respondendo aos 9.865.489 (nove milhões oitocentos e sessenta e cinco mil quatrocentos e oitenta e nove) processos movidos contra a sua pessoa pela antiga gestão municipal de Mossoró, não seria melhor não aborrecermos a justiça com mais essa pendenga?

Até porque outro dia, logo após assistir ao filme “O terminal”, com Tom Hanks, que conta a história de um viajante que impedido de entrar no EUA, passa a viver dentro de um aeroporto, fui dormir e sonhei com uma versão jerimum caboclo: os oficiais de justiça do país de Mossoró, cansados de levarem intimação para o jornalista Carlos Santos, resolvem fazer um abaixo assinado, pedindo que você passe a morar nas dependências do fórum de justiça, pois assim economizaria o tempo deles e também as árvores da mata amazônica… A cabeça é ou não um útero?!

Ah! E não se esqueça do meu pagamento, afinal não acertamos que a sua amizade era o meu salário?!

Então, venha a Natal tomar um café e colocaremos as noticias em dia, ok?

Abs, do seu empregado Edilson Pinto.

Francisco Edilson Leite Pinto Junior é professor, médico e escritor

* Crônica originalmente postada no dia 17 de fevereiro de 2013, às 6h45. A resposta do “patrão” saiu em seguida, no mesmo dia. Aguarde. Vamos reproduzi-la ainda hoje (Domingo, 25 de abril de 2021).

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Fernando diz:

    Supera a perfeição. Ótimo, bom, perfeito.

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