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domingo - 24/02/2019 - 08:12h

De legalidade

Por Honório de Medeiros

“O povo deve bater-se em defesa da lei, como se bate em defesa das muralhas”, Heráclito de Éfeso (sécs. VI-V a.c. – fragmento 44).

Nestes dias o Supremo Tribunal Federal (STF) se debruça sobre a questão da criminalização da homofobia e transfobia.O primeiro voto, a favor, foi do Decano da instituição, que em sua opinião, por não ter o Congresso legislado sobre o tema, por “evidente inércia e omissão”, algo que a Câmara e o Senado negam, existe, portanto, uma lacuna legal e axiológica no ordenamento jurídico brasileiro, e caberia ao STF, por intermédio da analogia, suplementá-lo.

Mello propôs que não seja fixado um prazo para que o Congresso edite uma lei sobre o tema, como pedem as ações para isso intentadas, mas que, enquanto os parlamentares não se manifestam, a homofobia e a transfobia sejam enquadradas na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989).

Entretanto é de sabença geral que os meios de preenchimento de lacunas, no ordenamento jurídico, por ele mesmo devem ser indicados, para evitar a incerteza do Direito e o subjetivismo anárquico judicial.

Fique claro que a questão não é a criminalização ou não. É a forma como está sendo feita.

Ora, a analogia, em matéria penal, é algo estritamente proibido pela Constituição Federal em suas cláusulas pétreas, qual seja o artigo 5º, XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”

E o que leva o Ministro a crer que mesmo assim o STF pode ir além da própria Constituição Federal?

A crença de que o STF tudo pode e pode tudo. Que compete a eles, ministros, dizer o que seja o melhor para a Sociedade, como se lê do que segue:

Sendo assim e considerando que a atividade de interpretar os enunciados normativos, produzidos pelo legislador, está cometida constitucionalmente ao Poder Judiciário, seu intérprete oficial, podemos afirmar, parafraseando a doutrina, que o conteúdo da norma não é, necessariamente, aquele sugerido pela doutrina, ou pelos juristas ou advogados, e nem mesmo o que foi imaginado ou querido em seu processo de formação pelo legislador; o conteúdo da norma é aquele, e tão somente aquele, que o Poder Judiciário diz que é. Mais especificamente, podemos dizer, como se diz dos enunciados constitucionais (= a Constituição é aquilo que o STF, seu intérprete e guardião, diz que é), que as leis federais são aquilo que o STJ, seu guardião e intérprete constitucional, diz que são.” (Ministro Teori Zavaski; AI nos EREsp 644.736/PE, Corte Especial, julgado em 06/06/2007, DJ 27/08/2007, p. 170).

Esse é o cerne da doutrina do realismo jurídico, sinteticamente expresso na afirmação de Oliver Wendell Holmes, Jr., antigo ministro da Suprema Corte dos Estados Unidos: “O Direito é o que os tribunais dizem que ele é” (“the law is what the courts say it is”), visceralmente contrário à tradição jurídica nacional e ao que o povo brasileiro, por intermédio de seus constituintes, em 1988, na Assembleia Nacional Constituinte, escolheu para si, e o expressou no Princípio da Legalidade, inciso II, do artigo 5º, enquanto Cláusula Pétrea:“Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Cujo desdobramento, em matéria penal, está no artigo 5º, inciso XXXIX: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Outra cláusula pétrea.

Mais claro é impossível. O próprio Celso de Mello já se referiu ao princípio da legalidade como um dos princípios mais importantes no Direito Constitucional; o principio capital para a configuração do regime jurídico-administrativo, e que este é a essência do Estado de Direito, pois lhe dá identidade própria.”

Mas como se nada disso significasse coisa alguma, os ministros do STF enveredam pela doutrina do Realismo Jurídico, em sua versão tupiniquim, esgrimida enquanto arma de Poder, para conter o alvoroço investigatório do Senado e Receita Federal e manda um aviso claro ao Congresso e ao Poder Executivo: “mandamos nós; obedece quem tem juízo”.

O que existirá além para além aquelas paredes luxuosas que o Poder Legislativo e Executivo não possam investigar?

Pior: ao fazê-lo, ferem, mortalmente, o princípio da soberania da vontade popular, tão importante que se encontra no artigo no parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal:

“Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

É óbvio, posto assim, que se o Congresso, até hoje, não quis regulamentar a questão dos crimes de homofobia e transfobia, isso significa que sua vontade, a vontade do Povo é essa. No tempo certo, em seu tempo, , no tempo dos legisladores, isso será feito.

O STF não pode dizer nem quando, nem o quê, pode e deve ser tratado pelo Legislativo.

As leis, inclusive a do contrato social, que emanam do povo, assim as vê Rousseau: “são atos da vontade geral, exclusivamente”; “é unicamente à lei que todos os homens devem a justiça e a liberdade”; “todos, inclusive o Estado, estão sujeitos a elas”.

O ideário acima exposto, no qual a lei a todos submete por que decorrente da vontade geral do povo – este, frise-se, surgido graças ao contrato social e detentor da soberania – pode ser encontrado em obras muito recentes, como o “Curso de Direito Constitucional”, primeira edição de 2007, do Ministro do Supremo Tribunal Federal do Brasil Gilmar Ferreira Mendes e outros. Às páginas 37, lê-se:

“Por isso, quando hoje em dia se fala em Estado de Direito, o que se está a indicar, com essa expressão, não é qualquer Estado ou qualquer ordem jurídica em que se viva sob o primado do Direito, entendido este como um sistema de normas democraticamente estabelecidas e que atendam, pelo menos, as seguintes exigências fundamentais: a) império da lei, lei como expressão da vontade geral”; (…)

E ponto final.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    ESSE É TÍPICO JURISTA NÃO SÓ, RECONHECIDAMENTE CONSERVADOR, MAIS AINDA TÍPICO REAÇA…!!

    Melhor traduzindo, quando lhes interessa pugnar nos ditames da sua ideologia excludente e obscurantista, ele, imediatamente se lembra da lei, dos princípios de ordem constitucional, de Rousseau, coincidentemente, das obras de Gilmar Mendes etc e coisa e tal.

    Nesse contexto, apenas uma breve e objetiva indagação…ONDE ESTAVA O JURISTA, Sr. Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN, QUANDO DO GOLPE QUE LEVOU À DEPOSIÇÃO DE UMA PRESIDENTA DA REPÚBLICA, SEM QUE JAMAIS ESSA, EM TEMPO ALGUM TENHA EFETIVAMENTE COMETIDO QUAISQUER CRIMES DE RESPONSABILIDADE, MAIS AINDA ONDE ANDAVA O JURISTA DE OCASIÃO À LÁ EXTREMA DIREITA SR. Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN,QUANDO DA MANIFESTA CAÇADA QUE LAVOU À INJUSTA ILEGAL E ABUSIVA PRISÃO DO MAIOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE TODOS OS TEMPOS. SENDO QUE JAMAIS DURANTE TODOS OS PROCEDIMENTOS DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL, RESTOU DEMONSTRADO NOS AUTOS QUAISQUER PROVAS ACERCA DAS ACUSAÇÕES IMPUTADAS, QUE LEVARAM À UMA JULGAMENTO DE FANCARIA E, CONSEQUENTE À SUA PRISÃO ABSOLUTAMENTE INCONSTITUCIONAL E ARBITRÁRIA….!!!???

    Qualquer cidadão que possua um minimo de ombridade, coerência intelectual e amor à verdade factual, tenha ele as concepções de ordem política à esquerda e (ou) à direta, efetivamente sabe, que o processo político/jurídico movido em face do Ex_Presidente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, não só estavam e ESTÁ incurso num processo político/golpista, como tinha e têm natureza absolutamente Kafkaniana.

    No consenso geral Kafkiano é sinonimo de algo irreal ou de uma situação inconcebível, contudo no contexto atual o sentido da palavra pode ser outra.

    Recuando um século, o eterno livro de Franz Kafka, “O Processo”, descreve-nos a situação de um cidadão ao qual é instaurado um processo sem que lhe seja revelado o delito. O cidadão acusado por uma estranha forma de justiça envolve-se com advogados tanto dos do tipo experiente como dos do tipo influente, emaranha-se num calvário de repartições manhosas, recorrendo a pedidos, requerimentos, e coisas que tais, num desenrolar de peripécias que “não atam nem desatam” e que levam o cidadão à insanidade.

    Insanidade, é, o estado à que que querem levar o Ex Presidente LULA, dado um sem número de arbitrariedades, ilegalidades e patranhas jurídico/políticas no desenrolar desse processo, conhecidos e manjados até do mundo mineral sabe, que compreende um estuário longo estuário de cartas marcadas, o qual, todavia, não está cem por cento sob o controle absoluto dos golpistas. Mesmo por que no seu emaranhado e na sua tecitura há uma serie de componentes de ordem econômica geo-politica e social de natureza endógena e exógena, internos e externos, que de repente, podem vir `tona e fazer com que a trama seja desfeita…!!!

    O martírio político/midiático, parlamentar e judicial que o povo e a sociedade brasileira vem sendo gradativamente submetido na figura do Presdiente LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA, pari passu será desvendado, quando sobrevierem as sentenças definitivas do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL aplicadas à ordem constitucional, E, não à obediência de um tirano nazi-fascista travestido de Juiz, tendo esse, sido germinado na órbita da CIA VIA MADE USA.

    Como sabemos, o relato surreal de Kafka é uma obra de ficção, e qualquer semelhança com o atual estado da conjectura do estado persecutório e punitivista nacional, seria pura coincidência… ou…

    VOLTANDO UM POUCO QUE SEJA À RIBALTA SOBRE O COMETÁRIO do jurista Sr. Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Governo do RN., no mais das vezes, temos que reconhecer sua obsessiva e compulsiva predisposição, sempre aplicando conhecida frase, bem típica da moral Tupiniquim…AOS AMIGOS TUDO, AOS INIMIGOS À LEI….!!!

    O FATO, VEZ POR OUTRA ME FAZ SEMPRE E SEMPRE RELEMBRAR FRASE DO GOVERNO E DO CONTEXTO GOVERNAMENTAL E DO SEU LÍDER JUSCELINO KUBITSCHEK – PRESIDENTE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL – IGUALMENTE PERSEGUIDO PELO PESSOAL DA EXTREMA DIREITA, AÍ INCLUÍDOS O QUE DIZEM E CHAMA DE IMPRENSA E DE JURISTAS EM NOSSO PAÍS, NOS IDOS DOS ANOS 50 – SÉCULO XX, O ENTÃO PRESIDENTE JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA, QUE SEMPRE REPETIA:

    “É inútil fechar os olhos à realidade. Se o fizermos, a realidade abrirá nossas pálpebras e nos imporá a sua presença.”

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  2. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Excelente Artigo, prof. Honório de Medeiros. Aula, para todos nós. Parabéns!

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