• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 04/11/2018 - 08:00h

De volta ao passado?

Por Paulo Linhares

Charles Baudelaire, imortalizado como “poeta maldito”, afirmou certa vez “que a mais bela das astúcias do Diabo é persuadir-vos que ele não existe” (“la plus belle des ruses du Diable est de vous persuader qu’il n’existe pas!”). Sem dúvida, uma tática literalmente infernal para coletar almas ingênuas daquelas pessoas candidamente crédulas de que o mal não lhes pode atingir. Ledo engano.

Não se deve esquecer, caro leitor,  que quando nos deslumbramos com o vertiginosos progresso da iluminação filosófica, das ciências e da tecnologia, a obsolescência do mal e a inexistência de Lúcifer, essa enganosa “estrela da manhã”, são perigosos equívocos e sua é a voz dos falsos profetas, que procuram satisfazer desejos egoístas, como ter poder, dinheiro ou influência; usam do engano, da chantagem emocional e do medo para conseguir seus intentos, segundo  a advertência  bíblica contida em Romanos 16:17-18.

Isto vem a ser lembrado, nestes ásperos tempos de incertezas e inquietações, em que os verdadeiros valores da dignidade humana e  da convivência pacífica dos povos são olvidados e substituídos pelo culto da violência e da intolerância. Isto faz lembrar a história daquele rapaz de humilíssima origem que, depois de galgar confortável posto na hierarquia estatal, conseguiu  precocemente um razoável aposentadoria e passou a viver às expensas do Erário, porém, não antes de defender com doentia obstinação valores canhestros perfilados no ideário daquilo que a filosofia política entende como “extrema direita”.Ver os seus olhos esbugalhados, o rosto crispado, a boca a babar numa gratuita demonstração hidrófoba de ódio, parecia ser apenas algo exótico de um fascista temporão que se consumiria em seu próprio delírio olavocarvalheano e no fraquejar das débeis coronárias. É bem certo que, vê-lo nessas insanas performances, faz lembrar o personagem da peça “Apareceu a Margarida”, o vitorioso texto do dramaturgo Roberto Athayde, escrito em 1973, que se tornou um dos clássicos da dramaturgia brasileira e que teve uma primeira montagem de sucesso com direção de Aderbal Freire-Filho e Marília Pêra no papel-título, no Teatro Ipanema, Rio de Janeiro.

Uma hilariante e bem construída metáfora do poder: numa louca viagem, dona Margarida esgrime seus dotes autoritários no exercício da bela arte de ensinar e defende valores que de há muito deveriam estar banidos da vida social. O mesmo ideário que nos rondam, nestes dias que correm.

O mais engraçado é que esse Dom Quixote às avessas, vendo em seu gorducho interlocutor a imagem irritante de um Sancho Pança a dizer incômodas verdades, rebatia com rútilos olhos e aos berros que “no Brasil não existe direita; todo mundo é de esquerda: Sarney, Fernando Henrique, Sobral Pinto, José Serra etc.” E se estas lideranças nacionais não eram suficientes, completava esse time ‘esquerdista’ com Adolf Hitler e Benito Mussolini.

O mais intrigante, e não menos hilário, era o ódio seminal que essa criatura temível dedicava a Antonio Gramsci, filósofo italiano cuja obra principal fora escrita  na prisão romana de Regina Coele, no longínquo 1934 que, após posto em liberdade, morreu precocemente aos 46 anos de idade. E deixou uma invejável produção intelectual que até hoje divide opiniões. Um pensador gigante, compreenda-o ou não.

Para tão bizarra figura – um Dom Quixote ao avesso, repita-se – esse tal Gramsci  irremediavelmente envenenou o “espírito universitário” brasileiro com suas teorias malsãs que tratam do conceito de hegemonia e de bloco hegemônico,  ademais de focar no estudo dos aspectos culturais da sociedade, tendo como eixo a chamada superestrutura na condição de fator  primordial para realização de uma ação de prevalência dos mecanismos políticos e ideológicos do Estado, bem assim das formas capazes de criar e de reproduzir o domínio político, a hegemonia.

Quando o interlocutor, numa  atitude de santa ingenuidade, argumentou que se Gramsci, com seus “Quaderni del carcere”, vem espraiando suas influência sobre pensadores de universidades do mundo inteiro, marxistas  e não necessariamente marxistas, é porque sua obra tem enorme vigor filosófico, foi ‘brindado’ com uma avalanche de impropérios dos mais chulos, óbvio, contra o desventurado pensador que foi vítima do fascismo de “Sua Excelência, Benito Mussolini, Chefe de Governo, Duce do Fascismo e Fundador do Império”, na verdade um ridículo e  caricato troglodita cujo fim foi ser dependurado, como algo menos que um reles suíno, num posto de gasolina de Milão. Aliás, um fim adequado para alguém que tanto mal fez ao seu povo e mesmo ao mundo.

Incrível que, com acertos e erros, Antonio Gramsci, continue vivo no pensamento de tantos estudiosos; é vigorosa presença no chão libertário das “universitas”. Bem a propósito disto, colaciona-se aquela assertiva de Lord Keynes, para quem “as ideias dos economistas e dos filósofos políticos, tanto quando estão certas ou quando estão erradas, são mais poderosas do que se pensa. Sem dúvida, o mundo é governado por pouco mais do que isso. Os homens práticos, que se acreditam imunes a qualquer influência intelectual, geralmente são escravos de algum economista já falecido. Os líderes loucos, que ouvem vozes vindas do ar, destilam sua exaltação de algum escrevinhador acadêmico de alguns anos atrás. Tenho certeza de que o poder de capitais investidos é enormemente exagerado em comparação com a gradual usurpação de ideias.”

Esta reflexão fragmentária e ligeira não deixa de estar centrada no momento ímpar e, até pouco tempo inimaginável, que vive a sociedade brasileira, uma das maiores democracias formais do mundo. Aliás, não deixa de ser ingênua a presunção de que os avanços das sociedades são sempre contínuos e irrefreáveis. Ora, os recuos e retrocessos lastimáveis estarão sempre na pauta das coisas humanas: de repente, um indivíduo civilizado pode regredir ao estado mais precário de barbárie, dadas as condições que o cercam, segundo a percepção de pensadores do porte de Robert Heilbroner e Karl Popper.

A extrema direita brasileira, que não existiria na alegoria daquele figadal inimigo do fantasminha Gramsci, ou queria fazer-nos crer que inexiste, embora definitivamente esteja no palco da política brasileira. E o mais grave é que essa versão outonal do extremismo de direita tupiniquim fica cada vez mais visível, animada pela campanha do seu candidato Jair Bolsonaro, vencedor da corrida presidencial no primeiro turno e vencedor no segundo turno com expressiva votação que ultrapassa os 57 milhões de votos, dez milhões a mais, em números redondos, do que obteve seu adversário Fernando Haddad.

A despeito da sua enorme aceitação popular, Bolsonaro apresenta elementos arcaicos e grosseiros que o diferenciam das experiências da extrema direita da maioria dos países europeu, exceto os fascistas de Mussolini e os nazistas do Alemanha. Por isto, será difícil fazê-lo entender, e aos seus seguidores também, que os 47 milhões de votos dados a Fernando Haddad merecem republicana consideração e respeito: na democracia contemporânea, a vitória da maioria jamais pode significar o esmagamento político da minoria.

Para quem já viu a chegada desses novos inquilinos do Palácio da Alvorada, finda sendo de enorme enfado essa “entrée triomphale” de mais uma trupe exótica que fala o dialeto do interior de ‘SanPaulo’,  assim mesmo, bem cantado e arrastado. Em primeiro de janeiro de 2019, os seguidores do capitão-presidente  amarrarão seus cavalos no mastro daquela bandeira enorme. E não adianta desejar outro cenário.

Aliás, em entrevista à imprensa nacional Bolsonaro declarou que o objetivo de seu governo é fazer “o Brasil semelhante àquele que tínhamos há 40, 50 anos atrás”. Essa nostálgica viagem “back to past” (ideal seria grafar isto em itálico que, porém, não serve para postagens nas redes sociais), é assustadora uma perspectiva de retrocesso de tudo o que a sociedade brasileira evoluiu nas conquistas da cidadania, sobretudo, na valorização social do papel das mulheres ou na inclusão política, social e econômica de extensos segmentos da população historicamente ‘tatuados’ com o signo da exclusão.

Mais curioso é que o dístico da campanha de Bolsonaro à presidência da República – “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos” – é uma tradução quase literal do lema nazista “Deutschland Über Alles”, que significa “Alemanha acima de tudo” e do “Gott mit uns” (“Deus conosco”) que os soldados nazistas usavam na fivela do cinto. Como alento aquela advertência do filósofo Karl Marx, a quem a tosca extrema-direita chama de “vagabundo”, “beberão” etc., de que “A história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”. Vai ser o que dessa feita: tragédia ou farsa? Independentemente de qualquer resposta, certo é que a eleição de Jair Bolsonaro, em 28 de outubro de 2018, se constitui, ainda, num voo cego de imprevisíveis consequências.

Uma coisa é certa: os extremistas de direita já aparecem nas ruas e praças, nas universidades, igrejas,  nos quartéis e parlamentos, com suas próprias caras e não mais usam da astúcia de persuadir as pessoas de que a extrema direita não existe. Ainda mais agora, que venceram nas urnas, escorados em bordões rasteiros, factóides, “fake news” e num amontoado de propostas difusas. O mais grave é que pessoas de boa índole passam a incorporar o discurso granítico do ultraconservadorismo e deixam no meio do caminho os postulados que imantam o Estado Democrático de Direito.

Inolvidável que Jair Bolsonaro chega à presidência da República com alto grau de legitimação política, o que lhe permite colimar algumas promessas de campanha, em especial se tiver jogo de cintura para domar o Congresso Nacional, na configuração que tomará a partir de 1º de fevereiro de 2019. Manda o credo republicano que seja acatada a fala das urnas, que é a expressão maior da soberania popular: Bolsonaro é o presidente eleito, deve tomar posse e tentar fazer um bom governo, não apenas para retribuir a confiança depositada nele por 57 milhões de brasileiro, como também para convencer os outros 47 milhões, que apostaram em Haddad, do seu propósito de respeitar a Constituição, preservar o sistema de direitos e garantias fundamentais do cidadão, sobretudo, aqueles referidos às liberdades civis.

O nostálgico olhar de retrovisor de Bolsonaro soa como uma piada de péssimo gosto, justo quando todos os indicadores mostram que, a partir de 1º de janeiro de 2019, o imponderável será sempre uma possibilidade, e mesmo os mais avançados segmentos da sociedade brasileira podem retroceder cinco décadas, num enorme salto do tipo “de volta para o passado”, para aterrissar perigosamente em 1968, “o ano que não terminou” tão dramaticamente retratado na obra homônima de Zuenir Ventura. Quem viver, ou sobrevier, verá.

Paulo Linhares é professor e advogado

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Menezes diz:

    Mudou meu voto em 2022 Paulo Linhares comunista vc não engana mas não quem defende ladrão corrupto deve ser tratado do mesmo jeito pela sociedade do bem textos desse tipo só mostra seu ódio contra quem o derrotou encher o ego da sua militância na falida UERN q o senhor e seus complices comunista conseguiram destruir.

  2. Thiago Abrantes diz:

    Todo texto de comunista é o mesmo!Impressionante como são repetitivos!

  3. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Comunismo, a palavra, seu significado e significante.

    Grande parte dos BURRONARIANOS, primeiro, não sabe do que se trata, segundo falam, escrevem e agem pelo desencadeamento do impulso fascista, impulso esse, atualmente tão latente. Mesmo porque, disseminado inicialmente, ainda em plena guerra fria sob o signo da desinformação, da manipulação da informação, do maniqueísmo político/ideológico e do preconceito histórico.

    A propósito do mavioso e colossau comentário do BURRO NARIANO…Sr. THIAGO ABRANTES, nenhuma novidade no front da nossa conhecida ignorância tupiniquim. posto que tudo como Dantes no Quartel de Abrantes…!!!

    Por último, respeitormente indico e reafirmo…LER NÃO TEM CONTRA INDICAÇÃO…!!!

    Bem entendido, caras pálidas, quando falo de leitura , em absoluto, estou me referindo aos quarenta caracteres do Twiter’s da vida, muito menos aos fãs e ególatras dos Yutober’s da vida e Watzapianos da vida com suas falas e pretensas digressões que verdadeiramente passam ao largo de qualquer conteúdo que possa levar à serio, sobretudo quanto tratam de questões econômicas, filosóficas, políticas e sociais.

    Entenderam…ou quer que desenhe…!!!???

    Por fim conforme já expressou de certa maneira o filólogo Italiano Norberto Bobbio:

    NUNCA COMO DANTES O IDIOTA DE ALDEIA SE TORNOU TÃO PRETENSAMENTE UNIVERSAL….!!!!

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  4. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Prof. Paulo Linhares.
    Os cinquenta e sete milhões de brasileiros estavam cansados de serem espoliados. Vieram e mostraram a sua revolta.
    Há outros quarenta e sete milhões que podem assistir o bom direcionamento do Brasil. Caso o castelo seja de areia, não teremos um Ditador no poder. Conhecemos a arma do “impeachment”. Sabemos manuseá-la em caso de necessidade. Desse modo, não há o que temer. O pior dos insucessos estávamos a contemplar.
    Todavia, Prof. Paulo Linhares, não posso deixar de registrar o meu fascínio por sua inteligência brilhante. Descomunal.
    Não comungamos do assunto exposto, deposito fé no porvir, mas encanta-me a sua escrita correta, o português, em nossos diferentes pensamentos.

  5. Menezes diz:

    Fransueldo tem mas educação com a divergência do próximo parece q vc babá um dos ovos do dr comunista devia era mostra sua carteira profissional para a gente ver se um dia vc trabalhou diploma pra gente da estipa só serve para comer capim.

  6. Ailson Fernandes Teodoro diz:

    Ótimo texto!

    Uma verdadeira aula de sociologia, história, filosofia e Ciência política. Em um momento de bestialização de parte da população, o escritor desnuda a qualidade intelectual não só de Jair Bolsonaro e seus eleitores, mas também, o quão Olavo de Carvalho faz com que inúmeras pessoas desqualifiquem a obra de Gramsci, um dos maiores filósofos dos últimos. O texto fez meu Domingo valer a pena, e notar que há vida pensante na comunidade mossoroense.

  7. Marcos Juno diz:

    Quando Lula e sua trupe estavam roubando estavas onde??? se conforme comunista de*******

  8. J. Cícero Costa diz:

    “A história se repete como farsa”, e cá estamos nós mais uma vez prestes a ingressar em um novo período de incertezas, retrocesso e repressão, marcado que poderá ser por dias difíceis e sombrios para o povo brasileiro, com graves restrições de direitos civis, políticos e sociais à população.

    É como se estivessem voltando a nós os fantasmas de um passado recente, protagonistas de um regime totalitário que durou 21 anos, resultando na morte, tortura e desaparecimento de milhares de brasileiros que bravamente enfrentaram a tirania nefasta dos generais fascistas nos “anos de chumbo”. Um período de trevas e dor para o país, que começa a se desenhar outra vez no Brasil, com a chegada do fascismo ao poder.

  9. João Claudio diz:

    Estou azedo de tanto escrever:

    ‘Lula não encantou apenas os pobres, analfabetos e desinformados. Ele conseguiu encantar até os ‘dotôres’.

    É o fraco, hein?

    Aceite, dotô. Dói menos.

    Sugestão: chupe uva enquanto aceita o Capitão. Ou, chupe bila de vidro e cague rodando enquanto engole o Mito durante os próximos 4 anos.

    Xô, comunistas. Aguardem peia no rabo.

  10. Roberto Eduardo diz:

    Esse Paulo Linhares é um PTralha enrustido. Advogado em fim de carreira. Triste fim.

  11. Menezes diz:

    Comeu o celular Alysson!

Faça um Comentário

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2024. Todos os Direitos Reservados.