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domingo - 12/01/2020 - 09:31h

Dos novos espécimes jurídicos e onde habitam

Por Paulo Linhares

A escritora inglesa J. K. Rowling, a ‘mãe’ do antinômico mago Harry Potter (que era, a um só tempo, o bruxinho sagaz e parte do satânico Lord Voldemort, seu cruel antípoda), cujos romances e filmes renderam milhões de indefectíveis libras esterlinas à autora, resolveu ‘esticar’ a fantasia povoada de feiticeiros e bichos bem estranhos quando trouxe a lume o romance infanto-juvenil “Fantastic Beasts and Where to Find Them”, publicado no Brasil com o nome de “Animais Fantásticos e Onde Habitam” (em Portugal, como “Monstros Fantásticos e Onde Encontrá-los”), de 2016, igualmente levado ao cinema com grande sucesso. Uma coisa é certa: a misteriosa J. K. Rowling sabe ganhar muito dinheiro com fumaça engarrafada.

A exótica romancista – e são igualmente exóticos todos os grandes escritores de cultura inglesa, a começar por Shakespeare, depois pelo Lord Byron, passando, também, pelos açucarados orgulhos e preconceitos de Jana Austen, incendiando com Oscar Wilde E Virgínia Wolf, para desaguar na poesia vigorosa de T. S. Eliot e na prosa fascinante e, por vezes “boring”, de James Joyce, que muitos admiram e elogiam, mas, poucos conhecem -, é lembrada, aqui, pelos monstros fantásticos que concebeu e onde esses desgraçados habitariam.

É que são uma alegoria perfeita para explicar o pendor dos legisladores tupiniquins na criação de monstrengos jurídicos-legislativos que, em passes de mágica, solucionariam problemas que cinco séculos de civilização lusitano-brasileira foram incapazes de resolver.

A lembrança da misteriosa de madame Rowling, aqui, não é despropositada. Talvez inspirados na sua obra mais recente, a dos animais exóticos que a cercam e os locais onde habitam, foi que buscamos compreender a proliferação abusiva de normas que, atualmente, tem imposto modificações que maltratam profundamente a ordem jurídica brasileira, deixando atrás de si um território inóspito e amplo de insegurança jurídica.

Claro, essa ‘voracidade’ legiferante traz aspectos positivos e negativos, nesta quadra de sobressaltos da vida nacional, sendo marcante que, para qualquer dos lados do espectro ideológico-político, as abruptas mudanças legislativas podem emperrar o amadurecimento do diálogo de contrários, cada vez mais dificultoso e azougado: a vitória política de determinado segmento que consegue aprovar normas que favorecem seus interesses imediatos ou mesmo aqueles de médio e longo prazos, pode causar enormes estragos no ordenamento jurídico como geratriz de perigosa instabilidade jurídico-política e de incertezas.

Ademais de configurar uma atitude conservadora, a aprovação do “pacote anticrime” do ministro Moro traduziria um receituário punitivista que serviria a interesses ideológicos bem demarcados, porém, distanciados de um política criminal calcada em valores humanísticos. O mais grave é que fazer leis que aumentem penas e prolonguem o seu cumprimento, jamais têm resolvido os abissais impasses de eficácia normativa.

O punitivismo pagão do ministro Moro seria, enfim, um elemento de combate abstrato à criminalidade que assola a República.

O Congresso Nacional, por ambas as Casas, contudo, entendeu diferente, mormente quando aprovou a emenda que instituiu o “juiz de garantias”, algo de há muito desejado por uma vasta comunidade de operadores do direito e que se traduz na exigência segundo a qual, nos processos criminais, o magistrado que atua nas fases de inquérito (decreta prisões cautelares, recebe a denúncia etc.) e de instrução (determina perícias e diligências, ouve testemunhas e o próprio acusado) não pode julgar o feito.

Segundo se extrai das experiências de países que têm sistemas jurídicos-criminais mais evoluídos, em especial aqueles da Europa Ocidental – que já adotam o juiz de garantias há décadas -, essa ‘separação’ teria o condão haurir uma maior imparcialidade do julgador. A despeito de todas as objeções do seu ministro Moro e ‘lavajatistas’ do MPF, o presidente Bolsonaro surpreendeu a nação quando não vetou a emenda modificativa ao projeto do “Pacote Anticrime” engendrado por Moro.

Essa atitude positiva do presidente da República no front parlamentar teve como contraponto, em seguida, a edição de uma absurda Medida Provisória 914, que trata da escolha do presidente da República do reitor das universidades federais, em que a escolha pode recair em um dos três mais votados pela comunidade universitária. Bobagem.

Essa prerrogativa sempre coube ao presidente da República, embora a escolhido mais votado sempre seja mero e razoável critério político. Claro, sob os influxos do maluco ministro Abraham Weitraub, aquele do absurdo “imprecionante” grafado em rede social, literalmente “malhou em ferro frio”: impôs às universidades e institutos tecnológicos algo que, na prática, já era comezinho à legislação brasileira sobre o tema. Didaticamente falando, sempre coube ao presidente da República nomear quem lhe aprouver, nas listas (tríplices) submetidas ao seu crivo. É a lei.

Assim, a MP 914 não passa de mais uma das tantas esquisitices que o presidente Bolsonaro protagoniza. Ignorância? Sim! Ideologia idiota acima de tudo. Mais um ‘grifo’ (aquela uma criatura mitológica alada com cabeça e asas de águia e corpo de leão…) legislativo imperdoável. Entretanto, remanesce a esperança de que o Congresso Nacional cumpra o seu papel de reconhecer o enorme valor das instituições acadêmicas federais, e que não devem se humilhadas, em face de tudo o que têm contribuído para o desenvolvimento deste país. Viva as Universidades federais, os Institutos federais e o vetusto Colégio Pedro Segundo, alvos explícitos na MP 914, essa névoa obscurantista que sufoca e ameaça as casas do saber deste Brasil. Até quando?

Paulo Linhares é professor e advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Q1naide maria rosado de souza diz:

    A inteligência do prof.Paulo Linhares é impressionante!

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