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domingo - 18/11/2018 - 07:02h

Escola sem Partido e o pluralismo de ideias

Por Odemirton Filho

Um dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal da República Federativa do Brasil é a liberdade de expressão.

Em um Estado Democrático de Direito o debate de ideias e a divergência são vitais para o amadurecimento da democracia e da convivência dos contrários. Sem liberdade, seja de qualquer espécie, seremos tutelados pela mão pesada do Estado.

Nesse sentido, é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. É livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença. (Art. 5º da CF).

Todavia, tem-se discutido no Brasil sobre a Escola Sem Partido, uma mobilização que visa a coibir qualquer espécie de manifestação político-ideológico por parte do professor, através de regras afixadas em sala de aula que devem ser observadas pelo docente.

“O Movimento Escola sem Partido surgiu em 2004, através da iniciativa do então procurador do Estado de São Paulo, Miguel Nagib. O projeto surgiu como uma reação a um suposto fenômeno de instrumentalização do ensino para fins político ideológicos, partidários e eleitorais, que em seu ponto de vista representam doutrinação e cerceamento da liberdade do estudante em aprender. O procurador entende que muitos professores sob o pretexto de despertar a consciência crítica dos estudantes acabam deixando o processo educativo de lado em prol da disseminação de propaganda partidária e de ideais de esquerda”.

Desde então existe país afora uma discussão ferrenha entre os que defendem e não defendem limites à atuação do professor em sala de aula.

Conquanto o projeto de lei que está em tramitação no Congresso Nacional tenha como foco o ensino fundamental e o ensino médio, além de discutir outros aspectos como ideologia de gênero, educação religiosa, sexual e moral, debruço-me sobre a questão político-ideológico.

Na campanha eleitoral que findou, após algumas denúncias, a Justiça Eleitoral fiscalizou algumas Universidades do país, nas quais poderiam estar sendo realizados atos de propaganda eleitoral no ambiente acadêmico.

Diante da celeuma, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ajuizada pela Procuradoria Geral da República (PGR) e decidiu, por unanimidade, no último dia 31 de outubro, que qualquer limite ao debate de ideias ofende à liberdade de expressão.

A procuradora Geral da República, Raquel Dodge, afirmou que “as autorizações de busca e apreensão ultrapassaram os limites de fiscalização da lisura do processo eleitoral e afrontaram o preceito fundamental da liberdade de expressão, na qual se incluem a livre manifestação do pensamento, de cátedra e a autonomia universitária”.

Nas palavras da ministra Cármen Lúcia:

“Não há direito democrático sem respeito às liberdades, não há pluralismo na unanimidade, pelo que contrapor-se ao diferente e à livre manifestação de todas as formas de pensar, de aprender, apreender e manifestar uma compreensão do mundo é algemar liberdades, destruir o direito e exterminar a democracia. Impor-se a unanimidade universitária, impedindo ou dificultando a manifestação plural de pensamento, é trancar a universidade, silenciar estudantes e amordaçar professores. A única força legitimada a invadir uma universidade é a das ideias livres e plurais, qualquer outra que ali ingresse sem causa jurídica válida é tirana, e tirania é o exato contrário da democracia”.

Com efeito, é uma discussão que enfrenta defensores de parte a parte. O espaço de sala de aula, sem dúvida, deve ser plural, ensejando uma multiplicidade de discussões, ideias e contrapontos, como forma de ajudar na construção cognitivo-crítica do discente.

A Lei n. 9.394/96, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, assevera que “a educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.

E mais:

O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. (Art. 3º).

A atividade do docente, como sabemos, é a de repassar o conteúdo da respectiva disciplina. Porém, não deve ficar preso as amarras do tradicionalismo pedagógico de outros tempos. Hoje, o debate em sala de aula é fundamental para a construção do conhecimento.

Assim, se no desenvolver da aula existe um debate acerca de qualquer tema, deve-se abrir espaço ao contraditório. A concepção bancária do ensino, na qual o aluno é mero depositário do conhecimento, no dizer de Paulo Freire, há muito não encontra guarida nas metodologias ativas que presidem o ensino atual.

Dessa forma, a meu ver, se houver uma discussão político-ideológico em sala de aula deverá o docente conduzir o debate, expondo o seu posicionamento se assim desejar, mas facultando ao discente a oportunidade de apresentar seu ponto de vista, seja com um viés à esquerda, à direita ou qualquer outra tendência.

O proselitismo de alguns professores não pode ser motivo para coibir o debate no ambiente da sala de aula.

Somente assim teremos assegurados a liberdade de expressão e o pluralismo de ideias na construção do conhecimento.

Odemirton Filho é professor e oficial de Justiça

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Ibraim diz:

    Saudações, caro Jornalista e leitores desse espaço!
    Primeiramente, parabenizar o artigo de hoje, importante a reflexão histórico/cultural acerca do tema.
    Carlos, realmente a cultura da violência observada no nosso dia-a-dia tem contribuído bastante para multiplicação da mesma, principalmente entre os jovens, porém conforme Zaluar relata em seus diversos artigos acerca do tema, é cultural, social e parte de um contexto, e a tendência é evoluir, cabe citar nesse contexto, Émile Durkheim, quando trata da Patologia Social.
    Infelizmente vejo Mossoró em uma evolução drástica nesse sentido, como operador de segurança pública a 10 anos no RN, especificamente em Mossoró, já perdi as contas de quantos homicídios, roubos, tentativas, agressões, tráfico de drogas, uso… Tivemos que intervir e nestes, jovens/adolescentes foram apreendidos e conversando com eles, a situação é a mesma (explica-se na Patologia Social de Émile Durkheim).
    Analisando essa evolução e vivenciando na prática, a 9 meses estou em Missão no Rio de Janeiro pela Força Nacional e observando o contexto histórico que trouxe todo RJ de um modo geral, e a segurança pública daqui especificamente a situação que se encontra na atualidade, quando lembro dos de ocorrências e áreas críticas que temos aí em Mossoró, e observando a importância e atenção que o Estado está dispensado à segurança pública, a situação de Mossoró não demorará a chegar ao patamar que estamos combatendo hoje aqui no Rio de Janeiro.

    Ibraim Vilar
    PMRN
    Especialista Seg. Pública
    (Atualmente em missão pela Força Nacional)

    • Carlos Santos diz:

      NOTA DO BLOG – Ibraim, bom dia. Convoco-o ao aprofundamento do tema num artigo para Nosso Blog. Você já interveio com muita propriedade, tento conhecimento teórico e prático. Aguardo.

      Aguardamos.

      E boa sorte em seu trabalho.

      Abraços.

  2. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    No momento em que as noções e ideias vêm no plural, vale dizer, todas as formas de pensamento expostas, pode o aluno se situar e identificar com o que achar de melhor valor.
    O que não pode acontecer é a imposição de uma doutrina, entendida por quem ensina como inquestionável.
    Pode o professor explanar, explicar, promover debates. Não pode é passar a sua ideologia como a certa.
    O estudante, via de regra, é alvo fácil de um discurso contundente, inflamado.
    Já a fiscalização nas universidades me parece invasiva.
    O professor universitário passa, mais das vezes, por severas provas ou apresentação de gabarito profissional, prova de títulos.
    A pluralidade na oferta de conhecimentos me parece o bastante.

  3. Carlos André diz:

    Covarde é a melhor palavra para um professor que tenta “catetizar politicamente” crianças inexperientes, aos alunos mais ousados só resta aceitar a perseguição imunda dos fundamentalistas de esquerda. Falar em liberdade de expressão quando o ícone de estado nacional é Cuba, me causa ojeriza, paciência o nível intelectual do povo progrediu um pouco, esse tipo de pregação não funciona mais.

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