Por François Silvestre
Somos todos honestos fugindo dos ladrões? Ou pode também ser o contrário? Onde reside o endereço da fuga? Em que lugar dessa terra dá pra se armar uma tenda sem endereço, fugindo de notificações, intimações, citações.
Na sombra dos holofotes?
Num sopé de gruta, com pedras listadas de cinza, restos de maravalha, galhos de trapiá, piado de morcegos, cheiro de saudade, afago da solidão, barulho suave do escorrer dos restos da última neblina, escavado nas folhas secas da jitirana de um calango assustado, passos de feirantes tristes, vindos de uma feira de misérias.
A cangalha abandonada num banco de perna quebrada, restos de arreios guardados numa brecha da soleira, o trinado do cancão avisando que vai furtar e esconder no ninho; o sol se pondo escondido no fim da tarde cansada.
Em vez do jumento ruço, uma motocicleta sem registro. Em vez do roçado de milho, uma carroça de vender água. O rádio de pilha encostado enfeita um baú de couro. A televisão recebida por pagamento de conta antiga, nos tempos de uma bodega, traz o mundo até olhos e ouvidos.
Na manhã do antigo cuscuz com queijo de coalho, agora pão francês dormido com Coca-cola. Já emprestou dinheiro a juros, nos tempos de agiotagem entre pequenos. Já comprou produtos de furtos e passou alguns dias na cadeia. Precisou mudar de morada, distante da antiga cidade.
Joga no bicho toda semana, na loto, mega-sena e no baú de Silvio Santos. Mudou de lugar, mas não de vontades. Ainda sonha em ser rico. Batizado Leôncio, apelidado Filé de Rato.
Deu um agrado ao soldado que pediu os documentos da moto. Foi-se a grana de uma quinzena. Na garupa, montou um pequeno engradado onde encaixa vários garrafões, desses de vinte litros, e sai pela madrugada a furtar água de caixas ou reservatórios próximos das estradas.
Leva uma mangueira grossa adaptada ao motor da motocicleta que serve de bomba de sucção. Enfia a mangueira na caixa e de lá traz a água para os garrafões. Se uma galinha ou guiné cochilar, vai junto.
Pela manhã, sai vendendo. “Olha a água mineral mais barata do lugar”.
Após a ceia, de arroz com galinha furtada, senta-se em frente à tevê e assiste aos jornais do dia. Sempre tem vizinhos, além dos dois filhos que lhe restam, pois os outros se mandaram, a terceira ou quarta mulher, todos de olhos fixos na tela.
Só ele fala, apontando para a televisão e repetindo: “Só tem ladrão nesse país. E tudo solto. Olha a ruma de dinheiro qui esse fi duma égua guardou em casa”.
Cada um que aparecia no noticiário merecia um monte de impropérios que Filé de Rato soltava, cobrando honestidade dos políticos. “Precisa acabar essa ladroagem”.
E pensando só com os botões, sussurra para si mesmo: “Bicho burro. Tão fácil de esconder. ah! Se fosse cumigo”! Té mais.
François Silvestre é escritor
Eu conheço esse motoqueiro e, se me permite, eu vou dedura-lo aqui e agora.
Ele cria quatro gatos em casa. Um se chama ‘Coserni’, o outro ‘Caerni’, o terceiro se chama ‘Têvêcabo’, e o quarto e mais novo membro da ‘família’, foi batizado com o carinhoso nome de ‘Uaifai’.
Na sala da casa ele pendurou um quadro onde se lê a seguinte frase:
PROTEJAM OS ANIMAIS.
O nome do motoqueiro é Gerson Brasileiro Vivaldino.
“Boas”; François e o comentáro do Cláudio.
Likes!
Aponte um dedo, mas pode ter tres em sua direção.
Vazei!
Eis a malandragem do brasileiro, perfeitamente descrita. Não lamenta pelo dinheiro roubado, lastima a falta de astúcia para escondê-lo.
Vimos, recentemente, a venda de gasolina por nove reais em alguns postos. É roubo sobre roubo.
A Educação é negligenciada de propósito, para macular nosso comportamento que elege a vantagem acima de tudo. Filé de Rato troca seu voto até por um traque. É o império do cabresto.
Triste realidade. Muito triste verdade.
Agora esse François é um file de Kobe.
Um dia vou criar coragem e conhece-lo; se ele der o cabimento de atender o portão.