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domingo - 25/11/2018 - 09:18h

Frederico Pernambucano de Mello e ‘Guerreiros do Sol’

Por Honório de Medeiros

“O brio de cristal”

Em 19 de novembro de 2010 debati, com Frederico Pernambucano de Mello, acerca de sua obra-prima “Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço”, sob mediação da escritora Clotilde Tavares, na IIª Feira Literária da PIPA (FLIPIPA).

Debate não é o melhor termo para definir esse encontro. Trocamos ideias, eu como aprendiz, e Frederico Pernambucano de Mello como mestre de todos nós, estudiosos da Cultura e História Sertaneja, ambos pontuados pela inteligência brilhante de Clotilde Tavares, ante uma plateia atenta e participativa.

Todos os livros do mestre são importantes, mas dois são canônicos: “Guerreiros do Sol” e “Estrelas de Couro: A Estética do Cangaço”.

O primeiro é fundamental, e não há como estudar a cultura sertaneja nordestina sem o ler. Trata-se de obra tão importante quanto, por exemplo, “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, na opinião de muitos.

Discorrendo acerca do banditismo rural no sertão nordestino, lá para as tantas Pernambucano de Mello, em uma Nota Introdutória que compõe a introdução à 5ª edição revista e atualizada, na qual tive a honra de ser citado, observa:

“Num e noutro dos universos rurais nordestinos o banditismo teve lugar. Na mata litorânea como no sertão profundo. É claro que com diferenças. São dois mundos, afinal. Duas culturas. Dois homens. Duas sociedades. O coletivismo da tarefa agrícola domesticou o litorâneo. Afeiçoou à hierarquia e à disciplina, muito fortes nos engenhos de açúcar. O sertanejo permaneceu puro em sua liberdade ostensiva, quase selvagem. A pecuária não veio se cristalizar ali em trabalho massificado. Não embotou o individualismo do sertanejo. O seu livre-arbítrio. Ou a sobranceria. Veio daí o orgulho pessoal exagerado que apresentava. O brio de cristal. As próprias cercas não  chegam ao sertão antes do século passado. A visão do sertanejo era a caatinga indivisa. Com o homem se sentindo absoluto numa paisagem absoluta”.

Talvez alguns não concordem, mas como não se render a essa tessitura finamente composta de “insights” tão precisos quanto envolventes acerca da alma do nosso sertanejo nordestino ancestral?

E prossegue a obra tão densa quanto formalmente atraente, a discorrer acerca da nossa história e cultura comuns, elencando hipóteses, apontando caminhos, propondo soluções, tudo em ritmo forte, que nos exige atenção redobrada e esforço investigativo incomuns para não perdermos o fio-da-meada.

Nela, por exemplo, já se menciona o impressionante tema da estética do cangaço, que viria a ser tema central da obra que pautou o debate.

Mas não somente, claro. Há a teoria do escudo ético, a tipologia dos cangaceiros, a psicologia do homem sertanejo nordestino arcaico, o arcabouço da violência que construiu o habitat próprio do cangaço, a relação seca/economia/cangaço, os fatores que influenciaram o fim desse ciclo tão próprio do nosso Sertão.

“Guerreiros do Sol” recebeu elogios entusiásticos de Gilberto Freyre, em prefácio à primeira edição. De Ariano Suassuna. De Bernardo Pericás. De tantos outros, ao longo do tempo. Todos lhe aplaudindo sua importância singular.

Assim como eu, anônimo, mas que também sei aplaudir.

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    Prof. Honório. Permita que eu abrace a memória de meu adorável Ariano Suassuna. Diz ele: “Com a franqueza e a ausência de inveja que procuro me pautar, digo que, sem sombra de dúvidas, a teoria do escudo ético de Frederico Suassuna, foi a única que, até o dia de hoje, me pareceu convincente.
    Foi a única que explicou a mim próprio os sentimentos contraditórios de admiração e repulsa que sinto diante do cangaço. “

    • Naide Maria Rosado de Souza diz:

      Parabéns, Prof. Honório. Que beleza de Artigo!

      • Honorio de Medeiros diz:

        Minhas homenagens, como sempre, Naide. É um prazer ler seus comentários inteligentes, muito bem escritos, cultos e elegantes. Elegância que tanta falta faz hoje nas relações entre as pessoas.

        • Naide Maria Rosado de Souza diz:

          Professor Honório, agradeço sensibilizada, apesar de ter colocado um S em dúvida e ter dado à Frederico o sobrenome de meu amado Suassuna.

  2. François Silvestre diz:

    Tinha em Cajuais da Serra esses livros e outros do mesmo autor. Um dia, Vital Farias os levou prometendo voltar ao sítio. Sabendo disso, Dominguinhos lá mesmo, numa farra no alpendre que Honório conhece bem, brincou: “Nunca mais ele volta, nem os livros”. Havia dois cangaços. O cangaço marginal, dos fora da lei e o cangaço oficial, dos “dentro da lei”. Exatamente como hoje, o Brasil é um imenso “sertão” sem veredas. Honório e Naide, minhas homenagens.

    • Carlos Santos diz:

      NOTA DO BLOG – Aprendi, podendo, a comprar um exemplar a mais para “ser levado”. Os meus, sempre cheios de grifos, anotações, garranchos que às vezes eu mesmo não entendo, tenho receio de emprestar. Coisas de ego refletido, confesso: não costumo devolver o que me emprestam. Pronto, estão avisados. Abraços.

    • Honorio de Medeiros diz:

      Sertão que vc conhece como ninguém, François. Aliás ouso dizer que vc é a representação desse Sertão, tirante o cangaço, naturalmente, no que ele tem de melhor. Ou tinha.

    • Naide Maria Rosado de Souza diz:

      Obrigada, meu Rei! com todo respeito!

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