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domingo - 29/07/2012 - 08:18h

Hercílio Pinheiro, o gênio esquecido

Por Honório de Medeiros

“Um dom dado por Deus”. Assim Seu Chico Honório começou a me falar de sua amizade com o grande cantador de viola e repentista Hercílio Pinheiro, de quem foi amigo pessoal, nascido em Luis Gomes, Rio Grande do Norte, no Sítio Arapuá, no dia 13 de novembro de 1918, e morto tão prematuramente em 9 de abril de 1958, aos quarenta anos de idade.

Hercílio, desde pequenino, versejava batendo em uma lata “desafiando” sua irmã. Cedo aprendeu as técnicas de sua arte através de Inocêncio Gato, com quem fez sua primeira cantoria. E cedo, também, veio morar em Mossoró, onde exerceu a atividade de locutor da Rádio Tapuyo até se entregar totalmente à viola.

Hercílio: pura arte

Seu Chico recorda suas primeiras cantorias – com Antônio de Lelé, na casa de Zé Honório, em São João do Sabugi; com Justo Amorim, na casa de Cabo Palmeira, patrocinada por Zuza Patrício; com Chico Monteiro na fazenda de Sinhozinho Crisóstomo, a cinco léguas de Alexandria, todas tiradas a cavalo, no novenário de Santo Izidro.

Eu o deixo divagar mergulhado nas lembranças de quase setenta anos atrás. Ele, entretanto, não demorada a repetir: “Hercílio foi um dom de Deus.”

“Hospedei Hercílio e Dimas Batista em Mossoró. Ercílio era um homem correto, digno, honesto. Transpirava honestidade. Morreu dezessete dias antes de você nascer. Foi o melhor cantador de viola do Brasil em sua época. Respeitava todos seus companheiros, mas, os superava em muito.”

“A grande teima, naqueles anos, era qual dos dois cantadores era o melhor: Hercílio ou Dimas.”

“Houve um desafio célebre, na década de cinqüenta, entre os dois, um desafio real, não esses de hoje, onde tudo é combinado, que começou de tarde, varou a noite e ganhou a madrugada e somente parou por que o juiz da cidade – Taboleiro do Norte, Ceará – deu por encerrada a peleja, dando-a como empatada.”

“Hercílio era irmão de João Pinheiro e seu sócio no bar “Irmãos Pinheiro” aqui em Mossoró. Esse bar é tradicional ponto de encontro de comerciantes, políticos, advogados, ainda hoje, mas a maioria de seus familiares mora em Taboleiro do Norte, no Ceará. Hercílio tinha entre um metro e setenta e um a um metro e setenta e seis. Era muito magro. Branco, calvo, cabelos finos, usava óculos com grau muito forte porque era quase cego em conseqüência de uma miopia. Fumava cigarro de palha ou de fumo cortado.”

“Eu o conheci quando era chefe de trem na linha Mossoró-Sousa. Como era seu admirador, terminei fazendo amizade com ele por conta das viagens que ele fazia para ir cantar. Na verdade devo a Hercílio minha vinda para a Igreja Católica. Um dia, quando já estávamos perto de Mossoró, ele me perguntou: Chico, você já fez sua Páscoa? Respondi-lhe que nunca tinha me crismado nem feito Páscoa”.

“Ele me ofereceu os livros que eu tinha que estudar e me disse que ia me levar a Frei Luis. Esse Frei Luis era um terror. No dia seguinte fui me confessar com Frei Luis, a mando de Hercílio, e lhe disse que nunca tinha me confessado. Levei um grande carão e ganhei uma penitência de sete padres-nossos de joelho. Até que não foi muito pesada. A segunda confissão foi com Frei Damião. Hercílio foi quem encaminhou. Novo carão e novas penitências.”

“Quando Ercílio vinha a Mossoró eu já sabia: de manhã, lá pelas dez horas, nós nos encontrávamos e a outros amigos na Praça do Pax, para conversar sobre cantoria, repente, cantadores, viola.”

“Hercílio era muito admirado, entre outras qualidades, por ter o que os entendidos chamam de “pulmão limpo”, ou seja, sem pigarro, um canto claro e bonito.”

“Uma vez, não me contive: Hercílio, quem é o cantador que você teme em uma disputa? Não temo ninguém, respondeu. Aliás, continuou, não disputo com ninguém, só comigo mesmo. Mas eu sempre me fiz respeitado na minha profissão. Agora respeito e sou respeitado por Dimas Batista.”

“Assim é o gênio”, conclui Seu Chico. “Estudou à luz de lamparina, mas seu dom, esse não tem como aprender, Hercílio nasceu com ele.”

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Hugo Moreira Pinheiro diz:

    Conheci o grande poeta e repentista Hercílio Pinheiro em 1955, quando esteve em minha terra natal – Baturité-CE, acompanhado pelos repentistas e violeiros Antonio Ferreira e Domingos Fonseca, que foram a essa cidade fazer apresentações para angariar donativos para a Sociedade dos Cantadores do Nordeste. Esses três grandes repentistas mostraram em Baturité serem os maiores poetas repentistas e grandes violeiros de renome que já vimos passar por essa conceituada cidade que é Baturité. E, por falar em Hercílio Pinheiro, eu o considerei como um dos melhores repentistas que eu já vi na minha vida.

  2. Hugo Moreira Pinheiro diz:

    Conheci o grande poeta e repentista Hercílio Pinheiro em 1955, quando esteve em minha terra natal – Baturité-CE, acompanhado pelos repentistas e violeiros Antonio Ferreira e Domingos Fonseca, que foram a essa cidade fazer apresentações para angariar donativos para a Sociedade dos Cantadores do Nordeste. Esses três grandes repentistas mostraram em Baturité serem os maiores poetas repentistas e grandes violeiros de renome que já vimos passar por essa conceituada cidade que é Baturité.

  3. Inácio Moura Neto diz:

    Sou sobrinho Neto do grande poeta Hercílio Pinheiro. Não o conheci pessoalmente, pois partiu muito jovem, antes de minha geração. Ainda assim, a sua personalidade se impôs em minha criação, pelo valor de sua existência em todos os aspectos, e de certa forma continuou vivo e presente no coração e na memória de toda família. Acredito que inspirou muitas gerações de poetas, inclusive dentro da família, e ainda é uma referência para muitos cantadores. Exorto aqueles que amam a cantoria a buscar o legado de Hercílio, e torná-lo sempre atual em suas apologias, porque assim fortalecem a cultura popular perpetuando os precursores dessa arte espetacular.

    • Inácio Moura Neto diz:

      Certa vez, Hercílio foi solicitado a fazer um verso elogiando um cavalo que estava posto à venda. Um cigano tentava vender o cavalo, que já era velho, e este cigano, que não sei o nome, pediu para que Hercílio realçasse a “juventude” do cavalo. Hércílio que era muito sincero, improvisou o seguinte:

      “Salomão, rei engenheiro
      Doutor de toda ciência
      Não sabe a quarta existência
      Dos anos deste sendeiro
      Pois este foi o primeiro
      Que no capim deu abalo
      Satanás para amansá-lo
      Bonitas quedas lhe deu
      E Adão quando apareceu
      Já vinha neste cavalo”

      Hercílio Pinheiro

  4. Parahyba de Medeiros diz:

    O nome de Ercilio Pinheiro era exaltado pelos apreciadores da cantoria nordestina na região do Seridó. São João do Sabugi, minha cidade natal, foi palco de histórica peleja entre Ercilio e Dimas Batista.

  5. Jadeilza diz:

    A citação do nome do meu avô INOCÊNCIO GATO me encheu de orgulho… Dois grande poetas que devem ser eternizados.

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