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domingo - 04/11/2018 - 10:08h

Liderança

Por François Silvestre

A liderança é um fenômeno animal que nasce das relações intergrupais. Seja no mundo dos racionais ou irracionais. Nas manadas, alcateias, rebanhos, enxames, matilhas, etc, onde os irracionais também elegem seus líderes. E a liderança se consolida pela força ou habilidade do líder. No caso das abelhas, a rainha é uma liderança passiva, de sobrevivência. Imitada pela Inglaterra.

No mundo dos animais “racionais” a liderança também pode ser imposta pela força ou adquirida pela empatia que o líder angaria dos liderados. Numa relação de troca intergrupal, que vem desde o terreiro da caverna. No caso da liderança imposta, há impropriedade semântica.

No mundo pós-feudal a liderança tomou fisionomia humanizante, no sentido político, negando a repressão do feudo ao restaurar relações da era clássica.

A democracia praticada na Grécia antiga diferia muito dos conceitos atuais, mas guarda semelhança de princípios. Assim como as cidades-estados; gregas, latinas ou germânicas, serviram de modelos para os Estados contemporâneos. A obra “A cidade Antiga” de Fustel de Coulanges é um painel dessa realidade passada.

No caso específico do ocidente, a democracia estabeleceu-se pela via eleitoral, com o voto universal; e o constitucionalismo, pelo meio político-jurídico. Nessa seara, a liderança cumpre a definição de origem. Conquista de confiança, pela empatia, e entrega de confiabilidade, por delegação do grupo.

Mas deixo essa assertiva de lado para tratar do fenômeno da liderança no campo estritamente político e no espaço restrito do Brasil.

É de bom alvitre acentuar que a exemplificação reduz o alcance genérico do pensamento abstrato. Mas, não resisto e vou ao exemplo.

O fenômeno Getúlio Vargas. Após a revolta de 1930, erradamente chamada de revolução, Getúlio assumiu o poder como líder, após ser derrotado nas eleições. Liderança de legitimidade questionável.

Pouco tempo depois, outro golpe. O Estado Novo e uma ditadura de quinze anos.

Ao ser deposto, Getúlio elegeu-se senador por dois Estados e deputado federal por outros tantos. Inédito antes e depois. Mesmo na legislação que permitia isso, ninguém conseguiu tal feito, nem próximo disso. Nascia aí o líder na acepção mais plena que o termo alcança.

Nas eleições seguintes, em 1950, Getúlio volta e diz que “volto como líder de massas e não como chefe de partido”. E assim foi.

Na carta de despedida, erroneamente chamada de “carta testamento”, Getúlio dá a última rasteira nos inimigos. E ocupa as ruas, que os adversários ocupavam. E estes fogem com medo dos liderados de Vargas.

Por que a expressão “carta testamento” está equivocada? Porque em nenhum momento Getúlio nomeia ou delega sucessor à sua liderança. O que é um testamento? Uma partilha ou doação de bens. O patrimônio de Getúlio era sua liderança, que não foi atribuída ou delegada a ninguém.

Os líderes getulistas que se seguiram, Juscelino, Jango, Tancredo, Brizola, fizeram-se por si mesmos. Ninguém ousou dizer “eu sou Getúlio”. Mesmo alinhados em princípios doutrinários, cada um preservou sua individualidade. Por isso angariaram a legitimidade grupal de liderar, por conquista própria e não por imitação.

Getúlio respeitou a própria liderança ao respeitar a decisão de escolha dos liderados. Liderança nasce, não se nomeia. Té mais.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    “Liderança nasce, não se nomeia.”
    Perfeito. Há pessoas que trazem em si a liderança. Elas não se impõem. Como marcados por uma estrela, se destacam e são acompanhados.
    Pela força teríamos, apenas, déspotas.
    A liderança é tão peculiar que não pode ser transmitida nem por testamento. Há de ser inerente àquele que a possui. Nem pode passar de pais para filhos, insucesso garantido, como na época das Capitanias.
    “Sui generis”, arriscaria dizer que liderança tem mais do que é visto. Espiritual, talvez.

  2. Inácio Augusto de Almeida diz:

    De Getúlio gravei esta declaração:
    NUNCA ALGUÉM DE MIM SE APROXIMOU PARA PEDIR ALGUMA PARA O BRASIL. SEMPRE PEDEM FAVORES.
    ///
    NADA MAIS TRISTE E DIGNO DE PENA DO QUE A DECADÊNCIA DE UM CORRUPTO.
    Inácio Augusto de Almeida

  3. Amorim diz:

    No brasil atual não líder sem discurso pra chamar de seu, os que naturalmete ousavam ser eram defenestrados.
    Lider tem que ter: moral, ética, capacidade de agregação, ser honesto não só parecer se-lo.
    Sou ousado a comentar um testo do Carividente Virtuoso.
    Lembranças aos seus.
    Ass.
    Ignorante desconhecido.

  4. Odemirton Filho diz:

    Neste domingo o nosso blog se superou. Os articulistas
    nos brindaram.

  5. J. Cícero Costa diz:

    Artigo primoroso. Parabéns ao articulista.

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