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domingo - 22/07/2018 - 09:28h
História

Livro relata atração de opostos na “Guerrilha do Araguaia”

Um militar, de codinome Robson, foi destacado para fuzilar a guerrilheira que despertou sua paixão

Por Amanda Audi (Congresso em Foco)

Mesmo sendo o foco de pesquisas, livros e documentários nos últimos anos, a Guerrilha do Araguaia permanecia como um dos episódios mais obscuros (e sangrentos) da ditadura militar. Um dos casos, até então inédito, chama a atenção. Um militar encarregado de fuzilar uma guerrilheira se apaixonou por ela. Eles se beijaram pouco antes da execução. Mas isso não o impediu de cumprir a tarefa (leia abaixo).

“Ela ficou me olhando nos olhos, chorando. Eu não aguentei e chorei muito. Caí em prantos. Ela chorava, mas ficou firme, de pé, aguardando sua hora. Tirei a arma e apontei pra cabeça”, relatou o militar Robson, um dos entrevistados do livro “Borboletas e Lobisomens – Vidas, Sonhos e Mortes dos Guerrilheiros do Araguaia”.

Circunstâncias desconhecidas do conflito, como este caso, foram elucidadas pelo jornalista, historiador e professor Hugo Studart no livro lançado nesta terça-feira (17), em Brasília.

Áurea foi morta pelo militar de codinome Robson. História é contada em novo livro lançado há poucos dias (Foto: reprodução)

Studart chegou à conclusão de que 77 pessoas foram mortas no conflito: 29 guerrilheiros em confronto, 22 executados por soldados, um “justiçado” pelos guerrilheiros, 15 camponeses e 10 militares.

O jornalista se debruçou sobre o assunto por quase 10 anos, vasculhando mais de 15 mil documentos, cruzando dados oficiais e testemunhais e conversando com mais de 150 pessoas.

Durante a ditadura, um grupo de militantes do PC do B se embrenhou na floresta amazônica, entre o Pará e o Tocantins, e começou um foco de guerrilha contra o governo militar. A intenção era criar um território independente. Mais de 4 mil homens das Forças Armadas foram mobilizados para exterminar os cerca de 100 integrantes do movimento.

Áurea e Robson

Um militar, de codinome Robson, foi destacado para fuzilar a guerrilheira Áurea Eliza Pereira, de codinome Áurea. Ela havia sido capturada por homens do Exército, e estava magra e doente. Depois de três dias de interrogatório, ele acabou se apaixonando pela militante. Robson não teve o sobrenome divulgado no livro.

Quando recebeu a ordem de fuzilar Áurea, Robson titubeou. A chamou para “tomar uma cerveja e dançar a noite inteira”. Naquela momento, a guerrilheira já estava dentro de um buraco, onde ocorreria a execução. Ela chorou e pediu para que ele não lhe desse esperanças.

Robson baixou a escada para Áurea sair do buraco. Os dois se beijaram e se abraçaram, chorando. Então o militar sussurrou no ouvido dela: “agora você vai ter que descer”. Ela desceu.

Os dois se olharam nos olhos durante todo o tempo. E então ele a alvejou.

“Quando um homem sabe que é sua última refeição, ou o último beijo, ele fica comovido e aproveita. Mas quando é o último beijo de uma mulher, ela se entrega inteira. Nunca conheci uma mulher com tanto amor quanto a Áurea”, relatou o militar em depoimento ao livro. Ele diz que se apaixonou por ela e “quer acreditar” que ela se apaixonou por ele.

Leia o trecho do livro “Borboletas e Lobisomens – Vidas, Sonhos e Mortes dos Guerrilheiros do Araguaia”, de Hugo Studart:

O beijo da morte

Ainda havia um pouco mais de uma dúzia de guerrilheiros vivos. De acordo com a pesquisa, seriam eles quatorze sobreviventes, em ordem alfabética: Áurea (Áurea Eliza Pereira); Beto (Lúcio Petit da Silva); Chica (Suely Yumiko Kanayama); Daniel (Daniel Ribeiro Callado); Dina (Dinalva Conceição Teixeira); Lia (Telma Regina Cordeiro Corrêa); Lourival (Elmo Corrêa); Manoel (José Maurílio Patrício); Maria Diná (Dinaelza Santana Coqueiro); Peri (Pedro Alexandrino de Oliveira Filho); Tuca (Luiza Augusta Garlippe); Valdir (Uirassu Assis Batista); Val (Walquíria Afonso Costa) e Vítor (José Toledo de Oliveira).

Foram caçados implacavelmente por cerca de 250 homens do Exército,guiados por cerca de sessenta camponeses recrutados na área. Um a um, foram sendo abatidos. Ou presos, interrogados e executados. Áurea foi presa em fins de março, ao lado de um camponês chamado Batista, que aderira à guerrilha.

Foram ambos capturados pelo camponês Adalberto Virgulino – em troca de oitocentos cruzeiros e de um maço de cigarros, de acordo com Elio Gaspari, em A ditadura escancarada.

Batista foi enviado para Xambioá.

Militares cumpriram missão de caçada letal a guerrilheiros (Foto: reprodução)

Áurea, por sua vez, foi levada para Marabá, em local conhecido por Casa Azul, à beira do rio Itacaúnas, onde os comandantes militares instalaram-se para coordenar toda a repressão à guerrilha. Áurea carregava um bebê, uma menina de três meses. Também estava magra, extremamente debilitada, com malária, a pele tomada por pústulas de leishmaniose, há muitos meses sem menstruar.

Um sargento da equipe de operações especiais Jiboia, codinome Robson, foi encarregado de interrogá-la e, depois, executá-la. Era louro, olhos azuis, barba e cabelos longos, como os de roqueiro. Era assim que andavam os militares da área de informações: disfarçados de universitários rebeldes. Ele já havia executado alguns guerrilheiros; Áurea seria mais uma.

Ela permaneceria entre seis e sete dias na Casa Azul. Foram três dias de interrogatório. Somente conversas amenas, garante o militar em narrativa à pesquisa. “Não havia qualquer necessidade do uso da violência”, explica.

Ele relata que tentou reanimá-la, usando uma técnica de interrogatório que busca estabelecer a empatia com a prisioneira. Ele contou sua própria história pessoal. E seus conhecimentos sobre as organizações de esquerda. Ela contou sua história. No movimento estudantil e sua história no Araguaia.

Também relatou alguns episódios específicos da guerrilha. Sobre onde estavam escondidos os camaradas, àquela altura, não havia quase nada a relatar. Já estavam quase todos mortos, e aqueles ainda vivos, perdidos na mata, dispersos uns dos outros, certamente pulando de choupana em choupana em busca de comida, tentando encontrar alguma rota de fuga.

Amor e execução

Em nenhum momento renegou suas opções ideológicas. Disse ainda que sentia muito ódio de ter sido renegada pelos próprios companheiros – referindo-se ao fato de não ter sido uma das eleitas de Osvaldão (Osvaldo Orlando da Costa).

Então veio a ordem de executar a prisioneira. Havia um buraco, de 3x3m, com 2,5 m de profundidade, dentro de uma das construções daquela instalação militar. Áurea foi levada para lá em um final de tarde. Desceu a escada de cordas para dentro da cova. Robson tergiversou, pensou em adiar a execução.

“Áurea, você quer tomar cerveja comigo e depois dançar a noite inteira em um desses botecos à beira do Itacaúnas?” – indagou.

Só então a guerrilheira chorou:

“Não me dê falsas esperanças, porque depois você não vai poder cumprir” – teria dito a guerrilheira, de acordo com as lembranças do militar.

Ainda assim ele insistiu. Baixou a escada e ela subiu, bem devagar.

Então ele perguntou:

“Você quer me dar um beijo?”

“Você faria isso por mim?” – teria respondido a guerrilheira.

Eles então se abraçaram, de acordo com o militar. Um abraço apertado, forte, longo. Ele, aos 25 anos, então lhe beijou a boca. Ela, aos 24, teria correspondido. E assim teriam ficado por muito tempo, se abraçando e se beijando, adiando ao máximo a chegada da hora da morte.

“Quando um homem sabe que é sua última refeição, ou o último beijo, ele fica comovido e aproveita. Mas quando é o último beijo de uma mulher, ela se entrega inteira. Nunca conheci uma mulher com tanto amor quanto a Áurea” – relata o militar.

Em determinado momento, o militar se afastou um pouco e disse à guerrilheira, ao pé do ouvido, algo como “agora você vai ter que descer”.

Ela então desceu a escada, resignada, bem devagar. Eis o relato do executor:

Ela ficou me olhando nos olhos, chorando. Eu não aguentei e chorei muito. Caí em prantos. Ela chorava, mas ficou firme, de pé, aguardando sua hora.

Tirei a arma e apontei pra cabeça. A gente se olhava o tempo inteiro nos olhos e chorava. Hoje tenho certeza de que me apaixonei por ela e quero acreditar que ela se apaixonou por mim. Minha vontade era fugir com a Áurea, sumir no mundo. Mas estávamos em lados opostos, ela sabia disso.

O militar chorava muito ao narrar este episódio. Num dado momento, me apontou o dedo indicador e disse: “Quando escrever sobre ela, trate-a com todo respeito, pois ela morreu com dignidade e coragem. Foi a mulher mais doce que conheci na vida.”

Áurea foi retirada do buraco por outra equipe e enterrada no novo cemitério de Marabá, cerca de 1 quilômetro distante da Casa Azul.

Saiba mais detalhes sobre a “Guerrilha do Araguaia” clicando AQUI.

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Categoria(s): Gerais / Política

Comentários

  1. iris Maia diz:

    Que triste!!

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