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domingo - 17/05/2020 - 09:38h

Lockdown e direito de ir e vir

Por Odemirton Filho

A disseminação do novo coronavírus em todo o país fez alguns gestores de estados e municípios decretarem o chamado lockdown (bloqueio total), isto é, a proibição das pessoas circularem, salvo por imperiosa necessidade, e o fechamento do comércio e atividades não essenciais.

Diante desse bloqueio total, há uma discussão no meio jurídico se os decretos que impedem a livre circulação de pessoas afrontam o direito de ir e vir, assegurado constitucionalmente.

Segundo a Constituição Federal (CF) é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens. (Art. 5º, XV).Assim, há quem sustente que a proibição de circulação das pessoas somente pode ser decretada diante do estado de defesa ou do estado de sítio, medidas previstas na CF, e que podem ser editadas pelo presidente da República, após autorização do Congresso Nacional.

Expliquemos, em linhas gerais, os dois institutos jurídicos.

O estado de defesa poderá ser decretado com restrições aos direitos de: reunião, ainda que exercida no seio das associações; sigilo de correspondência; sigilo de comunicação telegráfica e telefônica e ocupação e uso temporário de bens e serviços públicos, na hipótese de calamidade pública, respondendo a União pelos danos e custos decorrentes. (Art.136).

Já o estado de sítio poderá ser decretado nos casos de comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa e declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira, havendo restrições a alguns direitos, entre eles, a obrigação de permanência em localidade determinada. (Art. 137).

Perceba-se que o estado de defesa e estado de sítio são medidas extremas, configurando-se um verdadeiro estado de exceção, uma vez que suprime, mesmo que temporariamente, direitos e garantias fundamentais.

Por outro lado, os decretos editados por alguns governantes têm o objetivo de evitar a aglomeração e a circulação de pessoas, bem como o não funcionamento de atividades não essenciais, a fim de diminuir a propagação do vírus.

Ressalte-se que, conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF), a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm competência comum para cuidar da saúde, tendo os decretos por esses editados plena validade. (Art. 23, II da CF).

Sobre o bloqueio total, o professor Pedro Serrano afirmou que: “embora a Constituição só autorize expressamente a restrição dos direitos de ir e vir e de reunião nos estados de defesa e de sítio, não é necessário decretar um deles para instituir o lockdown, porque tais regimes excepcionais se aplicam melhor a situações de violência e comprometimento da ordem pública, e não são necessários em crises sanitárias”.

Segundo o professor, estaríamos diante de uma “legalidade extraordinária”, que não se confunde com o estado de exceção.

No mesmo sentido, o jurista Lenio Streck assevera que “restrições a direitos são próprias e comuns das e nas democracias. Liberdades de ir e vir são a todo momento restringidas. Eventos cívicos, desportivos e coisas do gênero fazem com que as pessoas possam ser impedidas de circular por determinados lugares”.

De se notar que nenhum direito é absoluto e, no caso específico, colocando-se na balança o direito à vida e à saúde e o direito de ir e vir, deve-se aplicar o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade quando há dois valores em conflito, decidindo qual deverá prevalecer nesse momento de pandemia.

Ou seja, deve-se levar em conta o fato de milhões de pessoas precisarem sair, diariamente, para trabalhar, a fim de garantir o seu sustento e de sua família. Por outro lado, é de considerar as mortes que estão ocorrendo no Brasil em razão da Covid-19, além do iminente colapso do sistema de saúde, conforme afirmam os especialistas.

Portanto, apesar de existir divergência doutrinária acerca da constitucionalidade do bloqueio total, os governadores e prefeitos são competentes para decretar o lockdown, conforme entendimento do STF, de acordo com os critérios que entendam pertinentes, aptos a justificarem a edição do ato.

Odemirton Filho é bacharel em Direito e oficial de Justiça

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Carlos Andre Gomes de Araujo lima diz:

    É essencial o direito a trabalhar para se conquistar o sustento para ter direito à Vida?

    Uma base científica sem comprovação pode embasar uma medida juridica de lockdown?

    E o que dizer dos países que não utilizaram tal medida e obtiveram o mesmo efeito prático?

    E o STF é uma instituição confiável para suprimir direitos e deveres, Inclusive o de dar direito a decretar estado de sítio e de segurança a governadores e a Prefeitos que não tem esse direito constitucional?

    O STF legalizou por canetada a anarquia a constituição de governadores e prefeitos ao poder Central, isso é sadio para uma nação democrática?

    Como é que se justifica se resguardar a ordem pública autorizando a anarquia a Constituição entre entre federativos?

    Doutor a cada dia que passa o judiciário e os doutores da Lei decepcionam e frustram e causa indignação com a dubiedade, tudo é interpretado conforme a conveniência.

    Esse ativismo da toga assusta muito mais do que a pandemia!!

    hoje se rasga a constituição por conta de uma gripe amanhã será por algo muito menor.

    Doutor Sinto muito mas o seu esforço não foi capaz de convencer um ignorante em Direito Constitucional.

    Decepção, decepção!!

    • Jessé de Andrade Alexandria diz:

      Os países que não utilizaram logo a medida estão lascados. Suécia. EUA. Proporcionalmente, a Suécia tem mais infectados que o Brasil, ou você acreditou na conta do Bolsonaro? Quanto ao direito ao trabalho, para garantir o sustento, esse direito deveria ser garantido pelo governo, assegurando uma renda mínima (não essa miséria de 600 reais que não chega ao bolso do trabalhador). O mesmo governo deu aos bancos, 1,2 trilhão de reais. Pouco, né? O mesmo governo deveria garantir logo uma transferência de valores emergenciais aos Estados, por exemplo. E por que o governo não garante também um auxílio emergencial para as pequenas e médias empresas? Como faz a Argentina, com a exigência de que elas não demitam! A base científica para o lockdown está aí, é só pesquisar. Hoje é o único meio eficaz de evitar o contágio e o assoberbamento do sistema de saúde de um país. Isso porque esses países, o Brasil e os EUA, por exemplo, não fizeram testes em massa, e a pandemia alcançou números assustadores. Não querer lockdown agora é apostar na contaminação de milhões. Faça as contas! Vai morrer muita gente, e isso vai cair na conta do Bozo, que deve ser denunciado no Tribunal Penal Internacional.

  2. Marcos diz:

    Sou a favor do isolamento mas não podemos esquecer que ainda existem outras doenças que estão matando eu mesmo tô precisando de um médico e mesmo cancelou atendimentos por causa da pandemia um absurdo! Quem precisa de tratamento precisa de taxi , clínica médica médica não pode fechar como fizeram em Mossoró . médico não pode ficar escondido em casa que juramento e esse que vai deixar as pessoas morrendo ou com tendo ataques de Pânico por falta de atendimento?. Se todos usarem máscaras ajudaria muito.

  3. Carlos Andre Gomes de Araujo lima diz:

    Tomar os devidos cuidados é uma coisa suprimir direitos e prender as pessoas dentro de casa além de não ter efeito prático ainda rasga Constituição

  4. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Quase uma anarquia foi constituída com divergências de conduta nos estados federados. Mas, algo é certo. Estamos numa pandemia? Sim. Já descobriram vacina para combater o vírus? Não. Passando numa peneira, no dito popular, o que temos? Apenas duas cordas para nós apegarmos: a controvertida cloroquina mais a azitromicina e o confinamento. Vale ressaltar que o confinamento não mata o vírus, apenas nos dá a chance de termos um leito, vaga deixada por alguém que teve sucesso no tratamento, ou que morreu. O confinamento é o tempo que concedemos para que isso ocorra.

  5. Carlos Andre Gomes de Araujo lima diz:

    Estamos à 57 dias de confinamento e os números só sobem, onde está o efeito prático?

    E pq nações onde não houve quarentena os números foram os mesmos?

    • Jesse de Andrade Alexandria diz:

      Quem está em confinamento, rapaz? A renda mínima não chegou a maior parte do povo pobre, que tem que buscar o seu sustento. O isolamento social é de mentirinha! Acorda! Os países que não o adotaram logo se lascaram! Espanha, Itália, EUA Suécia. Todos tiveram grande contagem e milhares de mortos! Os países com isolamento horizontal de fato estancaram a epidemia da covid-19, e mais os que testaram em massa e isolaram os infectados. Vai ler algo que valha a pena. Se ficar seguindo a tese olavista, vai se dar mal.

  6. Rocha Neto diz:

    Oi Naide Maria, faço minhas as suas colocações, estava iniciando meu comentário quando resolvi passear pelos demais, coincidentemente encontrei o queria expressar no que você escreveu. Parabéns ao autor do artigo e a vc.

  7. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Ôi, Rocha Neto, amigo, obrigada!

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