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domingo - 24/05/2015 - 08:18h

Manoel Varela

Por François Silvestre

Ainda criança, eu ouvira falar de Manoel Varela. Esse sobrenome punha sonoridade na memória auditiva.

Meados dos anos Cinquenta, ao aproximar-se a campanha para o Governo do Estado, cuja disputa se deu entre Dinarte Mariz e Jocelyn Vilar, ainda se falava da campanha anterior, de 1950, disputada por Dix-Sept Rosado contra Manoel Varela.

A minha família era militante do PSD. Portanto, Dix-Sept fora o candidato dos meus parentes. E sua morte, segundo me contavam, gerou uma espécie de acabrunhamento na região.

Um tipo de frustração coletiva. Pois todos esperavam um grande governo do líder mossoroense e nada conheciam do seu sucessor, o doutor Sylvio Pedroza.

Em 1950 eu tinha três anos; não tenho desses fatos memória contemporânea, mas de informação posterior. Ouvia marchinhas da campanha “longínqua”.

Uma delas, sátira dos adversários do PSD, dizia mais ou menos assim, dando “informação” a Manoel Varela: “Rita de Manoel Jacinto/ anda pra lá e pra cá./ Com os beiços bem pintados/ vive de brinco e colar./ E já tá de canela fina,/ Manoel Varela,/ de lamber os pratos de Zé de Alencar./

Enquanto na casa dos meus Dix-Sept Rosado era o herói, eu começava a exercitar minha vocação do contra. Achava o nome Varela um achado sonoro. Certa vez disse isso ao amigo Roberto Varela, em Nascença, num porre com Odilon Ribeiro Coutinho.

Com a chegada de Eider Varela a Martins, numa campanha diferente, onde vi pela primeira vez o cinema, projetado na parede de um cartório, acometi-me de alumbramento. E o nome Varela, com aquelas fotografias se mexendo, fixou-se mais ainda.

Passa o tempo e venho conhecer Manoel Varela na faculdade de Direito. Meu professor de Economia Política. Exigente, seco, distante; sua nota máxima era seis. Advogado exímio, honesto e respeitado.

Fora comunista, na mocidade. Agora, era anticomunista radical.

Nas Quartas-Feiras, ele fazia arguição. Com a caderneta de chamada quase encostando no rosto, dizia o sobrenome do escolhido; depois chamava pelo nome completo.

Naquele dia, foi assim. “Senhor Trindade, Leonardo Trindade Cavalcanti”. Leonardo abriu os braços e respondeu: “Estou aqui”. E ele: “Basta dizer presente”.

Manoel Varela: “Senhor Trindade, o que é mercado”? Leonardo: “Mercado seria”… E ele, interrompendo: “Não meu filho, mercado é”… Leonardo: “Tudo bem. Mercado é o âmbito de atuação do comércio”. E ele: “Não, meu filho; não me venha com asneira marxista. Mercado é o lugar onde se fazem as trocas”.

Eu fui me meter. “Professor, eu acho”… Não consegui terminar, ele interrompeu: “Você não acha nada, meu filho. A hora de dizer besteira é do seu colega. Quando chegar sua vez, você diz sua besteira”.

Depois, ele aposentado, convivemos na advocacia. Descobri um homem cacto. Ríspido na casca, suave e macio no miolo.

Té mais.

François Silvestre é escritor

* Texto originalmente publicado no Novo Jornal.

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Carlos Santos diz:

    NOTA DO BLOG – Estou rindo, rindo muito, François.

    Escrevendo e rindo.

    Li e “me ri”.

    Parece que depois de você, eu seria o da besteira próxima.

    Abração.

  2. françois silvestre diz:

    A “marchinha” é na melodia do chote de gonzada “Vem Morena”.

  3. françois silvestre diz:

    Onde se lê gonzada, leia-se Gonzaga!

    • Carlos Santos diz:

      NOTA DO BLOG – Captei vossa mensagem.

      Agora, a missão prazerosa de arranchar no Bar da Galinha, saída para Governador Dix-sept Rosado, para traçar uma penosa e ainda um arroz-de-leite, regado a suco de cajarana.

      Fui!

  4. ROSANA diz:

    Alguns trechos deste texto, me lembrou ” O Alto da Compadecida” , o único filme nacional que eu suporto. Lembrei das besteiras dos personagens; é ou não é ? kkkk

  5. Marcos Pinto. diz:

    Compulsando diversos jornais da capital do estado, (Anos de 1949-1950) objetivando encontrar os liames que conduzissem a uma explicação para a retumbante vitória do mossoroense Dix-Sept Rosado ao governo do estado, deparei-me com a sutil argúcia da engenharia política urdida pelo então Deputado Estadual Dix-Huit Rosado. Os ROSADUS numerados devem o ingresso e sucesso na política potiguar graças ao cunhado Aldo Fernandes Raposo de Melo, que casou com duas irmãs deles. Aldo era primo do governador Rafael Fernandes, eleito pela bancada majoritária da Assembléia legislativa liderada pelos ex-governadores Juvenal Lamartine e José Augusto, cuja bancada somava 14 Deputados contra 11 eleitos pela oposição, inclusive dois cunhados de Tilon Gurgel – Os Drs. Felipe Guerra e Maltez Fernandes, como também o chefe de cangaceiros Benedito Saldanha. Rafael cumpriu o mandato de governador, tendo sido nomeado Interventor pelo então Presidente da República Getúlio Vargas. Rafael passava mais tempo no Rio de Janeiro, onde residia, entregando o cargo ao seu Secretario-Geral o todo poderoso Aldo Fernandes, que em 1945 conseguiu eleger o cunhado Dix-Huit Rosado Deputado Estadual. Dix-Huit passou os 4 anos urdindo intrigas numa engenharia política ardilosa, criando uma teia de ojeriza sobre o nome de Manoel Varela como candidato situacionista, apoiado pelo primo, então governador José Varela. A alegativa de Dix-Huit em romper com o governo de José Varela e criar o PR (Partido Republicano) no estado fora o álibi de que o Manoel Varela, como Chefe de Polícia do estado comandara invasão policial nas terras situadas na então Vila de São Sebastião de Mossoró, atual cidade Dix-Sept Rosado, onde Dix-Sept explorava a gipsita para produção de gesso calcinado. sob pretexto de procurar pistoleiro ali acoitado por Dix-Sept, então Prefeito de Mossoró. O certo é que os cinco meses e doze dias do governo Dix-Sept Rosado revelaram-se nos anais da história política e administrativa como o governo que nesse pouco período demitiu, por insana perseguição política, metade do funcionalismo público estadual.

  6. Marcos Pinto. diz:

    Em adendo a postagem anterior: Rafael Fernandes governou no período 29.10.1935 a 03.07.1943.

  7. françois silvestre diz:

    Marcos Pinto é um pesquisador de esmero ímpar!

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