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domingo - 04/02/2018 - 03:20h

O enfado das mortes anunciadas

Por Paulo Linhares

Nada mais enfadonho que a linearidade das coisas, a mesmice mortalmente previsível, as bobagens do politicamente correto, a cega crença em valores que nada valem, como é o caso da justiça que, na certeira concepção do filósofo Nietzsche, é apenas uma concessão de quem detém efetivamente o poder. Como um ser-em-si a justiça não existe.

Justiça, não deixa de ser aquela ilusão de equidade, categoria conceitualmente indefinida que não raro se converte na vontade política de uma elite perversa e não menos grotesca que impõe à sociedade o seu modo de existir no mundo. É no poço da equidade que os juízes ‘encontram’ as razões de decidir que até podem transcendem o direito posto – a lei, a jurisprudência, os uso e costumes – para formar seu livre convencimento na apreciação das provas, mesmo quando estas não existem.

Lamentável que o “povo do PT”, além de outros equívocos, acreditava que a fronte áurea e o argênteo peitoral da deusa Themis reluziriam a verdade no julgamento da apelação do expresidente Lula pela 8ª Turma do TRF4, ocorrido em 24 de janeiro de 2018.

Mortal engano.

Enquanto o fatigada divindade se consumia nalgum bordel do Olimpo, de Paris, Hong Kong, Miami ou de Istambul, esses meninos traquinos, pomposamente denominados ‘desembargadores federais’, em seu nome, solenes e circunspectos, envergaram mortalmente o direito, enxovalharam a Constituição do Brasil, para impor terríveis castigos a esse retirante nordestino que um dia ousou, como um Prometeu caboclo, inverter a equação dos senhores da Casa-Grande. Querem devorar o seu fígado, sentença a sentença.

Outros processos, igualmente aleijões jurídico-processuais, estão nas retortas do Califado de Curitiba e desaguarão na mesma vala comum do caso recentemente julgado em Porto Alegre. Resultados previsíveis.

Longas e não menos enfadonhas preleções destituída de juridicidade e da lógica mais elementar, tornadas mais bizarras e desconexas à medida em que escorregavam das bocas togadas desses meninos-juízes-poderosos do Tribunal Regional Federal da Quarta Região. Mentiras ganharam foros de incontestáveis verdades; provas que eram meros simulacros de verdade passará à condição de absolutas certezas.

Sim, esse sonhador e não menos ingênuo retirante nordestino que lutou para resgatar da miséria mais de trinta milhões de brasileiros deveria pagar por tamanha ousadia. Ora, não deveriam ele e seus ‘protegidos’ esperar que o Mercado-deus lhes absolvesse, sobretudo ele, o Lula que tantas concessão fez aos poderosos da “livre iniciativa”?

Adjuva nos et redime nos! Coisa nenhuma!

A chibata da lei tergiversante deve vergastar impiedosamente o lombo de Lula até que ele se lembre de onde veio e para onde jamais poderia ter ido. A retórica implacável do meninos-togados da 8ª Turma do TRF-5 vai jogá-lo naquele círculo do inferno destinado aos ingênuos, que o poeta Dante sequer ousou descrever. E espicharam uma pena que já era ridícula em nove para pesados doze anos, para gáudio da Rede Globo e congêneres do baronato midiático, dos conservadores e idiotas de todos os matizes.

Lula na cadeia tudo se resolve? Parece que sim, pelo que se vê dessa confusão de vozes que grassa no terreno pantanoso das redes sociais.

Certo é que essas coisas anunciadas, como foi a manutenção da sentença do califa Sérgio Moro pelos juízes da 8ª Turma do TRF4, no julgamento da apelação do ex-presidente Lula, ocorrido em 24 de janeiro de 2018, não deixam de ser enfadonhas: de um ou de outro lado, todos sabiam que ‘ferrar’ uma possível candidatura presidencial do líder petista começaria com a sua condenação por um órgão colegiado de segunda instância, nos marcos da Lei da Ficha Limpa que, aliás, recebeu a sanção de Lula, à época poderoso inquilino do Palácio do Planalto.

Ele foi na onda do politicamente correto e ajudou trazer a lume uma lei que atropelou importantes direitos fundamentais, como a presunção da inocência que proíbe a prisão antes de esgotados todos os recursos processuais. Enfim, Lula fez o laço que agora querem apertar no seu pescoço.

A sentença de primeiro grau não apenas foi mantida, como ampliado o período de prisão de Lula, de nove para doze anos, em regime fechado. De um lado, pessoas indignadas com essa pouco compreensível livre convicção que ronda as cabeças dos empoderados juízes deste país e que constitui num álibi perfeito para todas as teratologia que possam parir enquanto privilegiados intérpretes e aplicadores das leis segundo suas próprias convicções.

Do outro, aqueles que, por múltiplas razões, querem ver esse cabeça-chata nordestino a espiar o grave pecado de ter sonhado com um Brasil para todos, sem miséria e com cidadania. Infelizmente, para conseguir essas coisas, ele se juntou com quem não devia. Lula e seu partido pagarão um alto preço pelas alianças espúrias que fizeram com conservadores e corruptos de todas extrações, para garantir o acesso ao poder e a governabilidade.

O artifício jurídico de impedir a candidatura de Lula não encerra a questão nem evita que o seu nome continue na ponta das pesquisas eleitorais, algo que se ampliará com sua quase certa prisão. Fato é que, onde quer que ele esteja terá peso na eleição presidencial deste 2018: o seu apoio poderá eleger o próximo presidente da República. Isto nenhum tribunal poderá impedir.

No mais, é torcer para que as forças vivas desta nação tupiniquim possam acertar um projeto comum que fortaleça as conquistas políticas e materiais da sociedade brasileira.

Já é tempo.

Paulo Linhares é professor e advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Lair s vale diz:

    Que venha Alvaro Dias PRESIDENTE e Meirelles ou Marina de vice . No Rn : nem Pt, nem Pdt, nem Dem e nem Psdb ou Mdb, aguardemos pois , para governador.

  2. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Bravo…Professor Paulo Linhares, evidentemente o nosso judiciário, no mais, como sempre continua judicando, deveras junto aos interesses alienígenas….!!!!

    Nesse sentido, peço vênia para transcrever artigo:
    O GOLPE DE 2016 E A CRISE DO DISCURSO JURÍDICIO

    Por Fábio de Oliveira Ribeiro

    O golpe de 2016 se distingue do de 1964 pela forma (fraude parlamentar x violência militar) e foi precedido por uma crise política diferente (judicialização da política x acirramento ideológico da guerra fria). Uma análise sumária do discurso que legitima o golpe (e as privatizações e a revogação de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários impostos aos brasileiros) demonstra que, apesar de uma certa recorrência do moralismo, o discurso que emerge dominante após a queda de Dilma Rousseff (jurídico, patrimonialista, neoliberal) também é distinto daquele que dominou o Brasil depois que João Goulart foi afastado da presidência (nacionalista, tecnocrático, anti-comunismo).

    A valorização do discurso jurídico ao discurso político fica evidente na medida em que a própria política, por força da judicialização das disputas partidárias e parlamentares, passou a ser decidida nos Tribunais, órgãos que também dizem que político deve ou não deve permanecer na vida pública. Os jornais, revistas e telejornais mimetizam o discurso jurídico e atacam ferozmente o discurso político, que se torna assim uma modalidade discursiva desvalorizada aos olhos do respeitável público. O círculo vicioso se fecha quando os próprios políticos passam a usar o discurso jurídico como se ele fosse a única modalidade discursiva autorizada, valorizada, politicamente admissível.

    Em virtude da sua banalização permanente e utilização política cotidiana, o próprio discurso jurídico se transformou. Pouco a pouco ele foi perdendo sua autoridade e se transformando numa nova espécie de tagarelice. Isto explica os abusos evidentes cometidos por Sérgio Moro, juiz que ao proferir a sentença no caso do Triplex usou dezenas de páginas para julgar a si mesmo para poder condenar Lula e que ao fazer isto ignorou documentos oficiais, deu valor a matérias jornalísticas e nem mesmo discutiu detalhadamente as alegações da defesa.


    As características desta sentença indicam que ela foi escrita para ser usada politicamente pela imprensa e não apenas para produzir efeitos jurídicos no processo. Antes disto, porém, Sérgio Moro havia utilizado o processo do Triplex para abalar profundamente o governo Dilma Rousseff: ele divulgou conversas gravadas entre a presidenta e Lula para impedir que o ex-presidente fosse nomeado Ministro.

    Heidegger afirma que existem três modalidades de alienação quotidiana do Dasein . Uma delas é justamente a tagarelice, linguagem “… cuja função de comunicar e de dizer coisas novas se perdeu. Pertencem á tagarelice as conversas banais do cotidiano, os discursos políticos e os slogans, os cumprimentos cujo sentido já se esqueceu há muito tempo, as falas convencionais.” (Marcuse – Vida e Obra, Francisco Antonio Doria, José Alvaro Editor/Paz e Terra, São Paulo, 1983, p. 78).

    Ao transformar o discurso jurídico em discurso político, ao praticar atos processuais com finalidades que não são processuais, os juízes que instrumentalizaram o golpe de 2016 rasgaram o Véu de Maya que protegia a atividade judiciária. A equivalência entre o discurso político e a tagarelice abalam profundamente a autoridade dos juízes (sem a qual eles não conseguirão mais se impor tranquilamente à sociedade).

    Marcuse viu uma ampliação da alienação da linguagem ao estudar as sociedades que emergiram do pós guerra. A alienação teria penetrado em “…regiões até então dela bem protegidas. De que maneira funciona a linguagem alienada? Seu mecanismo é o da ‘palavra-puxa-palavra’, as idéias se conduzem umas às outras sem que seja necessária a intervenção do sujeito falante. Na verdade essa linguagem nada apresenta de novo. A palavra-puxa-palavra leva por caminhos bastante conhecidos; no jargão cotidiano, ou no jargão da administração repressora, ‘comunista’ puxa quase que mecanicamente ‘subversivo’, assim como a Rádio Pequim quando afirma qualquer coisa sobre a ‘renegada camarilha revisionista soviética’ ou o Pravda quando condena os dirigentes tchecos ‘agentes do imperialismo ianque’: o texto das condenações ou dos esclarecimentos já está totalmente implícito no jargão. Governos se irritam à toa quando a maioria dos aparelhos de rádio ou de TV são desligados na hora dos programas oficiais. É que percebe-se como ‘esse ministro não vai dizer nada’ ou ‘como já sabemos tudo o que ele vai falar’.” (Marcuse – Vida e Obra, Francisco Antonio Doria, José Alvaro Editor/Paz e Terra, São Paulo, 1983, p. 260/261).

    Ao escrever o livro “Comentários a uma sentença anunciada” //jornalggn.com.br/blog/fabio-de-oliveira-ribeiro/resenha-do-livro-comentarios-a-uma-sentenca-anunciada-por-fabio-de-oliveira-ribeiro, centenas de juristas disseram algo semelhante: já sabiamos o que Sérgio Moro iria dizer e ele não tinha nada realmente jurídico a dizer. O preconceito dos juízes contra a política não conseguiu elevar a autoridade do discurso jurídico. O que ele fez foi justamente o oposto. Antes valorizado, o discurso jurídico se transformou numa linguagem ideologizada cujo conteúdo é irrelevante. A popularidade de Sérgio Moro caiu, ninguém mais quer saber o que o juiz tem a dizer, pois a modalidade discursiva que ele usa se tornou inócua.

    A crise brasileira se desenvolveu dentro de uma crise muito maior. A crise do neoliberalismo começou em 2008 nos EUA, se propagou pela Europa e ainda não chegou ao fim em virtude dos países ricos se recusam a abandonar as irracionalidades neoliberais. Nesse sentido, vale a pena lembrar as palavras de Alain Touraine:

    “A continuidade permite fazer a triagem entre o que deve ser suprimido e o que deve ser conservado do passado, mas ela somente pode ser feita pela eficácia de um sistema político capaz de evitar o tudo ou nada, sempre muito custoso. A ruptura tem por maior inconveniência aquela de fazer perder de vista a transformação a ser feita. Ela pode mesmo levar à criação de um poder absoluto que rompe os vínculos com o passado, mas ao preço da ditadura exercida por quem comanda a ruptura, seja um indivíduo, seja um partido.” (Após a crise, Alain Touraine, Editora Vozes, Petrópolis, 2011, p. 126)

    No Brasil a crise neoliberal levou ao golpe de estado para que o neoliberalismo fosse reinstalado no Brasil com ajuda do Poder Judiciário. Nesse sentido, devemos admitir a hipótese de que o golpe de 2016 está impondo ao Brasil uma ruptura muito mais profunda do que aquela que ocorreu em 1964. Ao tomar o poder usando a força bruta os militares baniram da arena política qualquer discurso que valorizasse as Reformas de Base defendidas por João Goulart. Mas isto não afetou em nada o discurso jurídico, que continuou sendo valorizado. Portanto, em 1964 a ruptura política se deu mediante a continuidade da autoridade do campo jurídico.

    Ao politizar o discurso jurídico o golpe de 2016 rebaixou sua autoridade transformando-o em tagarelice (Heidegger) ou numa linguagem alienada e inócua (Marcuse). Portanto, a ruptura que ocorreu em 2016 é terrível e transformará a crise política e econômica em crise jurídica com danos evidentes e permanentes para o Poder Judiciário, cujas decisões passarão a ser intensamente questionadas e eventualmente descumpridas.

    Está absolutamente certo o juiz que disse que o Judiciário pagará caro por ter sido atraído pelos holofotes. Todavia, o que é caro para um juiz pode e deve se tornar muito mais barato para os cidadãos. Sem querer Sérgio Moro e vários de seus colegas fizeram um favor aos brasileiros. Eles perderam de vista a transformação que não deveria ser feita no discurso jurídico. “Quando a política penetra no recinto dos tribunais, a Justiça se retira por alguma porta” (François Guizot), mas quando o discurso jurídico e o discurso político saem de mãos dadas do Tribunal ele fica vazio e o povo pode ficar tentado a fazer justiça com as próprias mãos.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  3. João Claudio diz:

    Doze é pouco.

    “Condenar sem provas é sempre inadmissível. Muito mais quem tirou o Brasil do mapa da fome e foi reconhecido pelos líderes mundiais. O erro certamento será reparado”.

    (Renan Calheiros, senador do MDB de Alagoas, no vídeo que gravou em solidariedade a Lula, confirmando que um advogado como Renan Calheiros, figura essencial para a permanência do seu estado no mapa da fome, faz com que 12 anos e um mês de cadeia pareçam pouco tempo).

    Augusto Nunes, jornalista e apresentador do programa Roda Viva.

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