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domingo - 04/02/2018 - 07:10h

O indivíduo indivisível

Por François Silvestre

Cada pessoa é uma consciência universal. Limitada pelo seu caráter, sua instrução e suas conveniências.

E cada um carrega na finitude dos seus limites a dimensão infinita de suas pretensões. Tudo contido num invólucro de sistema, pela multiplicidade; de totum, pela individualidade e de quantum, pela energia. Da mesma forma como Teilhard de Chardin expôs a infinitude universal.

O indivíduo é finito na vida, no alcance, na visão. Mas é infinito na pretensão, nos sonhos e na autoavaliação. Seu universo íntimo, muitas vezes inconfessável, comporta todas as estrelas e ainda sobra espaço para reinventar conquistas alem da compleição espacial.

Talvez por isso, a fugir de sua insignificância, o indivíduo engana-se propositadamente da sua mortalidade. Ao crer no espírito, faz muito mais um exercício de vaidade e soberba do que um gesto de contrição.

Tem uma alma porque é importante e não pode morrer. Mas faz uma concessão.

Um ser superior criou a todos e todos, por ele, serão julgados. E esse ser superior é o guardião de cada um. E cada um se julga o protegido preferencial.

Em todos os lugares e em todos os credos. Na Gurguéia do Piauí, num vilarejo do Nepal ou num edifício dos Emirados Árabes. Claro que na Gurguéia haja mais fantasmas e aparições, pois as almas têm mais tempo livres e mais gente desocupada para vê-las. No Nepal, também. Já nos Emirados, elas nem são notadas.

Mas não se pode viver sem crer. Os deuses são inevitáveis, necessários e imortais. Todos eles. Quando o indivíduo se diz ateu, já está professando um deus. Aquele que ele nega.

Deus existe, mesmo que não exista. Seja como criador do Universo ou criatura da desesperada angústia humana. O deus hebraico, persa, orixá da África ou Tupã do Brasil. Não há homem sem deus. Nem angústia sem sofrimento.

Deus paira impotente no Universo finito da Terra. Cuida do resto e deixa a Terra aos cuidados dos patifes. Tudo sob sua criação.

E negar é uma forma de atestar. Quando o indivíduo nega uma opinião, ele atesta a opinião negada. Até a mentira é uma forma de homenagear a verdade. Ou como disse o Poeta “a mentira é uma verdade que se esqueceu de acontecer”.

O caráter tem cabresto; o desejo, não. Na compleição do caráter a deformação se dá pela ganância. De poder ou de dinheiro. O desejo independe da vontade.

Pois se é o indivíduo uma consciência universal, o que chamamos de sociedade é a soma disso. Ordenada ou não. Institucionalizada pela lei ou bagunçada pelos egos.

O Brasil vive sob o império da mediocridade individual, cuja soma produz o apequenamento do caráter coletivo. Na cabine onde comandam poderes e órgãos, cada um se exibe no seu pedestal de estultice. Consciências universais menores do que as nozes.

Té mais.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Naide Maria Rosado de Souza diz:

    François Silvestre. Não posso mais elogiar. Ficaria cansativa, mas posso pescar e registrar . ” Mas não se pode viver sem crer. Os deuses são inevitáveis, necessários e imortais. todos eles. Quando o indivíduo se diz ateu, já está professando um deus. Aquele que nega.”
    “Deus existe, mesmo que não exista. Seja como criador do universo ou criatura da desesperada angústia humana.”
    Ou criatura da desesperada angústia humana… é para ser lido em púlpito. Talvez, no desespero, recorramos a Deus, nossa paz, nossa esperança. Nosso refúgio, na desgraça.
    Certa vez, perguntei a alguém a quem admirava profundamente. – Qual a sua religião? Você é evangélico? Vejo-o sempre com eles.
    R- Não, gosto de estar com eles porque são muito acolhedores.
    – Você é católico?
    R – Não em exagero. Aprecio e respeito.
    – Por que então colocou seus filhos em escolas católicas?
    – Porque , além do ensino, ajudam na formação do caráter. É bom que tenham uma religião.
    François, só faltou ele dizer: Deus é a criatura da desesperada angústia humana. A resposta ficaria completa.

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