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sábado - 28/05/2011 - 18:58h

“O julgamento de Sócrates” por I. F. Stone

I. F. Stone, “Izzy”, tinha 45 anos quando deu o passo mais arriscado de sua vida, conta-nos Sérgio Augusto em “Uma pedra no caminhos dos poderosos”, apresentação da obra “O Julgamento de Sócrates”, escrita aos 77 anos pelo ícone do jornalismo, depois de aposentado e após uma jornada intelectual que o levou, na investigação acerca da liberdade de pensamento, a pesquisar as duas grandes revoluções inglesas do século XVII, a Reforma Protestante, os pensadores ousados da Idade Média, a redescoberta de Aristóteles, a Atenas da Antiguidade, e aprender o Grego Antigo.

Em 1952, Stone viu-se desempregado depois de ter granjeado fama nos Estados Unidos e Europa de mucraking, jornalista especializado em revolver casos de corrupção e abuso de autoridade trabalhando às margens das redações e desconfiando que qualquer governo tudo faz para esconder verdades incômodas, após trabalhar em vários jornais do eixo Nova Jersey – Filadélfia – Nova York, inclusive o Daily Compass e o New York Post. 

Com a indenização do Daily Compass criou uma newsletter sem nada semelhante na imprensa do mundo.

Conta-nos Sérgio Augusto: “Dispondo da lista de assinantes de três publicações para as quais havia trabalhado, assegurou de saída 5.300 leitores. O primeiro número do I. F. Stone’s Weekly chegou aos seus assinantes no dia 17 de janeiro de 1953. Pouco antes de virar quinzenal, em 1968, o alternativo mais bem informado do planeta ultrapassou a barreira dos 40 mil leitores”. 

"Qual não seria a influência de Izzy hoje, em tempos de aldeia global! Os primeiros anos foram solitários”, Stone recordaria na última edição do jornal, em dezembro de 1971.

“Meus leitores me sustentaram” – dentre eles Bertrand Russel, Albert Einstein e Eleanor Roosevelt.

O I. F. Stone’s Weekly fechou por que Izzy não tinha mais forças, vitimado por uma angina de peito.

Seu artigo de despedida foi comovente: “Tenho podido viver de acordo com minhas convicções. Politicamente, acredito que não pode existir uma sociedade decente sem liberdade de crítica: a grande tarefa do nosso tempo é uma síntese de socialismo e liberdade. Filosoficamente, creio que a vida do homem se reduz, em última análise, a uma fé – cujos fundamentos estão além de qualquer prova – e que esta fé é uma questão estética, um sentimento de harmonia e beleza. Acho que todo homem é o verdadeiro Pigmalião de si próprio. E em recriando a si próprio, bem ou mal ele recria a raça humana e o futuro”.

“O Julgamento de Sócrates” tornou-se uma obra de referência, apesar do nariz torcido de alguns membros da comunidade acadêmica. Stone fez com Sócrates o que Karl Raymund Popper fez com Platão em “A Sociedade Aberta e seus Inimigos”: demoliu sua imagem oficial.

Ao longo das páginas do seu ensaio esmaece o Sócrates “santificado” por Platão e Xenofonte a partir de um julgamento que o condenou à morte, e qual aquelas pinturas ocultas pela poeira do tempo, surge, aos poucos, um legado: todos seus seguidores concordavam em uma questão – tratavam a democracia com condescendência ou desprezo.

Disse o próprio Stone: “Nas Memoráveis, Sócrates afirma que seu princípio básico de governo é que ‘cabe ao governante dar ordens e cabe aos governados obedecer’. O que exigia não era o consentimento dos governados, mas sua submissão. Trata-se, certamente, de um princípio autoritário, rejeitado pela maioria dos gregos, e em particular pelos atenienses”.

Em um governo assim, não há espaço para a liberdade de expressão. Esta questão é o fio condutor da obra: Sócrates não quis calcar sua defesa no conceito de liberdade de expressão, tão caro aos gregos do seu tempo – está em Ésquilo, Sófocles, e, principalmente em Eurípedes, para não comprometer seu visceral e antigo desdém com a democracia, escolhendo conscientemente a imortalidade que seu martírio iria originar.

Stone: “Xenofonte afirma que Sócrates queria ser condenado, e fez o que pode no sentido de hostilizar o júri”.

Quando faleceu, em junho de 1989, I. F. Stone, “Izzy”, era uma lenda viva. Mesmo assim continuava sarcástico: “Não consigo me acostumar com o lado dos vencedores”.

Seu radicalismo, seu espírito outsider ainda inspiram muitos. Sua postura firme contra a intolerância o torna um ícone para os libertários de todos os credos. E sua história de vida o credencia a tornar-se um exemplo a ser usado pelos que ainda acreditam na espécie humana.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN (Veja clicando AQUI, o blog do autor)
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Categoria(s): Fred Mercury

Comentários

  1. François Silvestre diz:

    Beleza de texto. Parabéns ao autor e ao blog. Isso é educação sem chatice ou arrogância!

  2. Ismael Mendes diz:

    Caro Carlos Santos,
    Honório de Medeiros é produto das melhores videiras, François é certeza de respeito e “I. F. STONE, o grande mestre.
    Como certos vencedores são chatos! Ainda bem que a esperança não é um urubu pintado de verde!

  3. Laucinélio Gomes de Resende diz:

    Aos 76 anos sou também socialista libertário e a democracia até o século XXI ainda não existe em nenhum país do mundo desde a época de Sócrates, cuja agnosia socrática e uma verdade universal. Atualmente sou um cientista autodidata e vivo no ostracismo criativo em pleno ano de 2018, em virtude do meu trabalho científico não interessar ao imperialismo capitalista privado e ao imperialismo de estado chinês, mas interessar a alguns seres humanos cultos e independentes que não se submetem ao domínio ou submissão dos detentores do poder. I.F. Stone meus parabéns pela publicação de um livro que fala sobre o mais inteligente de todos os homens que eu já conheci. Lancei um livro em 2005 “20 ANOS DE BUSCA… A AUTOANÁLISE É POSSÍVEL.UMA HISTÓRIA DE VIDA”. Lagore(Pseudônimo) que é um livro para brasileiros cultos e que entendem o que leem.

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