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domingo - 24/12/2017 - 02:22h

O palhaço do cruzamento

Por Zenóbio Oliveira

Concentrado no semáforo esperando o sinal ficar verde, nem dei fé daquele palhaço esmolambado ao lado do carro, com cara de choro, toda pintada e feia. Esperei a anedota, o gracejo, mas nenhuma sílaba, nenhum trejeito cômico, apenas a mão estendida, num gesto de súplica, a implorar minha piedade.

Longe da magia das luzes e das cores e sem a ilusão do picadeiro.

No espetáculo da sobrevivência, o palco da rua não oferece o abrigo da lona colorida, mas a causticidade de um sol a pino, ardendo no couro a quarenta graus.

O corpo já lhe nega forças para as cabriolas e piruetas e as desgraças da vida roubaram-lhe as graças do rosto, hoje marcado pelas carquilhas, que nem a maquiagem consegue mais esconder. Não tem a alegria dos palhaços das minhas lembranças, não provoca o riso, mas causa a compaixão.

Chamam-no “Queima-roda”, cognome esdrúxulo, alcunha humilhante, denotativo de baitolagem, chacota que a modernidade apelidou de bullying.

Há dias não vejo o palhaço esmolando entre os carros nas intermitências do sinal vermelho. Soube que estava hospitalizado, vítima de assalto, ferido por adolescentes, como os que alegrou em seus tempos áureos, mas ignorantes da fascinação e do encanto que envolvem esse artista circense.

Sempre dediquei minha percepção semiológica ao signo palhaço como uma representação, fiel, da alegria e do contentamento. Hoje, assusto-me quando esse mesmo signo me remete ao significado de condolência e sofrimento, manifestados no palhaço triste daquele cruzamento.

Uma generalização injusta, a contradizer a história de que a primeira impressão é a que fica.

A verdade é que esta situação comove para além do embate semiótico das minhas concepções, ensinando que alegria e tristeza nos são comuns e que até para os palhaços, a vida reserva o tempo de fazer rir e de fazer chorar.

Zenóbio Oliveira é poeta, jornalista e ex-cinegrafista da InterTV Cabugi

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Teodosio diz:

    Esse apelido de “queima-roda” era porque ele quando tinha condições, andava com um aro de pneu de bicicleta, no qual colocava fogo nas bordas e pedia para um ajudante segurar o aro com o fogo e ele pulava no centro do aro passando de um lado para outro. Realmente faz dias que também não o vejo nos sinais pedindo esmola. Ouvi duas versões sobre sua ausência, a primeira de que está hospitalizado e a segundo de que se encontra preso. Não sei qual das duas é a verdade ou se existe outra.

  2. João Silva diz:

    Há um tempo atrás ele foi preso em flagrante com drogas, foi preso como traficante, mas alegava que a droga não era dele, foi a última notícia que tive do mesmo. Conforme matéria abaixo: //fimdalinha.com.br/site/post/5487

  3. Genivan Vale diz:

    Conhecia Zenobio há anos, porém nunca tinha tido a oportunidade de conversar com o mesmo. A relação sempre foi de comprimentos formais. No lançamento do livro do jornalista Bruno Barreto tive o prazer de dividir a mesa com ele e varios outros amigos. Ouvi muitas histórias bacanas que espero estejam disponíveis em livro para deleite de todos.

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