• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 10/04/2016 - 10:15h

O sangue-frio de Truman Capote

Por Hélio Gurovitz

O escritor americano Truman Capote (foto) é conhecido pela obra-prima A sangue frio, o relato da chacina brutal de uma família rural do Kansas em novembro de 1959, nos Estados Unidos, e da execução dos assassinos.

Por usar técnicas literárias para narrar um caso real, o livro, tema de minha coluna desta semana na revista Época,  é considerado por alguns o primeiro romance de não ficção. Publicado em 1966, logo depois da execução dos assassinos, rendeu vários tipos de crítica ao autor.

Capote investigou ao longo de anos todos os detalhes da chacina e do processo, conquistou a confiança dos investigadores e dos dois assassinos. Foi capaz de narrar com enorme riqueza de detalhes o crime, seu impacto na cidadezinha do interior do Kansas, a condenação e a execução na forca de ambos.

Mas, como não usava gravador nem bloco de notas, foi acusado de inventar citações e de romancear a história com fatos que não correspondiam à realidade. Sua obsessão com minúcias factuais era tão grande, que esse tipo de crítica nunca prosperou muito.

O ataque mais consistente a Capote se deu no campo ético. Ele omitiu, até a publicação do livro, duas informações cruciais que poderiam ter interferido no resultado do julgamento.

Primeiro, um dos assassinos confessou apenas a ele ter sido o autor de todos os disparos que mataram as quatro pessoas da família Clutter – em sua confissão à Justiça, ele dissera ter matado apenas dois.

Segundo, Capote recolheu evidências sólidas de que esse mesmo assassino sofria de severos distúrbios mentais, mas nenhuma delas foi levada em conta no julgamento.

A questão que permanece é: foi correta a condenação à morte de ambos? A genialidade de A sangue frio está justamente em – graças ao sangue-frio do próprio autor na confecção da narrativa – permitir as duas leituras.

Para os defensores da pena de morte, a crueza do relato oferece um exemplo perfeito de caso em que ela se aplica. Para os adversários, fornece elementos que permitem atacar as falhas do sistema judicial, ao proferir uma sentença tão definitiva.

Ambos os lados precisam admitir que, apesar de suas posições irredutíveis, não há resposta simples para esse dilema.

Hélio Gurovitz é colunista da revista Època

Nota do Blog do Carlos Santos – Esse livro é fantástico. Leitura obrigatória para quem tem paixão pelo jornalismo. Romance real, que se diga.

Técnica narrativa refinada, detalhismo microscópico, estilo enxuto e abordagem que nos leva à crença de que estamos vendo um filme.

A propósito, sei de um filme baseado no livro, que confesso nunca ter visto.

Compartilhe:
Categoria(s): Artigo

Faça um Comentário

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2024. Todos os Direitos Reservados.