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domingo - 04/04/2021 - 07:20h

Para educar uma criança é preciso toda uma aldeia (cidade educadora)

Por Zildenice Guedes

A frase que intitula o artigo e é inspiradora, é de um provérbio africano, que considera que uma criança para ser formada e educada, precisará contar com todos os espaços e tempos da aldeia. Inspirador, no mínimo. Dito isso, este artigo está baseado na Agenda 2030 (já discutida em outros momentos), especificamente no Objetivo do Desenvolvimento Sustentável 1: Cidades e Comunidades Sustentáveis.Crianças Xhosa mostram o que é ubuntu - eu sou porque nós somos -Como também discutido em outros momentos aqui, discorremos sobre os impactos da pandemia da COVID-19 em todos os aspectos da sociedade contemporânea. E no que diz respeito à educação, os desafios tem se intensificado, sobretudo, para as crianças que precisam aprender e se desenvolver em um contexto social, ambiental, econômico e cultural dos quais elas não estavam prontas, assim como os adultos e adultas que as formam.

Logo, o que trago nesse artigo tem um caráter de utopia e proposição, que tem a intenção de nos dar horizontes, sobretudo, em meio a esse momento a que a humanidade tem sido arremessada. Proponho assim, pensarmos como a cidade em sua totalidade e consideravelmente pós-pandemia precisará ser um ambiente acolhedor para o processo de ensino-aprendizagem da primeira infância a qual discorro nesse artigo.

No Brasil, a Constituição Federal em seu artigo 227 estabelece que é prioridade o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, e esse direito é dever de vários setores da sociedade, da família e do Estado. E as crianças precisam de acesso a locais livres e áreas verdes para que possam além de conhecer, se sentirem parte dos seus territórios. Trata-se de valorizar o processo de ensino-aprendizagem com e na natureza.

De acordo com a Base Nacional Curricular, as crianças têm direito a seis tipos de aprendizagem e desenvolvimento: conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se. É pensar na importância do desenvolvimento integral do indivíduo, que precisa do entorno, da cidade inteira. E a partir do momento que a criança se sente pertencer ao ambiente, essa relação incorrerá em um sentimento de responsabilidade para com a natureza que o cerca, ele é natureza, faz parte dela.

Pensando na cidade em uma perspectiva de sustentabilidade, entendemos que as responsabilidades são compartilhadas, ou seja, gestores das cidades, profissionais da saúde, da educação, cultura e esportes, além das famílias, são muito importantes para a mudança de cenário onde crianças passam grande parte de seu tempo em espaços fechados (INSTITUTO ALANA).

Logo, entendemos que o contato que as crianças têm com a natureza é fundamental para a vida no planeta Terra. É a partir desse contato que fortalece-se o sentimento de pertencimento à casa “mãe terra”. Estar ao ar livre é fundamental para o bem estar físico, emocional e psicológico, além de promover a saúde em sua dimensão mais complexa e abrangente. Trata-se ainda de educar uma geração para o autocuidado e o cuidado com as outras formas de vida.  É pensar no universo como pano de fundo. É promover a interação das crianças com o mundo ao seu entorno, com a comunidade à  qual a escola está ligada, com o mundo vivo e dinâmico que pulsa lá fora. É formar uma geração com uma perspectiva política da sua atuação no mundo e como isso impacta o universo a qual estamos ligados e nos envolve também (TIRIBA, 2018).

Todas essas práticas estão relacionadas com o “transtorno do déficit de natureza”, um termo cunhado por Richard Lov em sua obra “A última criança na natureza”. Como explica Barros (2018), não se trata de um termo médico, mas uma forma de chamar a atenção para a ausência de convívio com a natureza que acomete hoje a maioria das crianças, fato mais intensificado ainda após a pandemia da COVID-19. Assim, trata-se de problematizar a ausência de interação ao ar livre que:

Ajuda a fomentar a criatividade, a iniciativa, a autoconfiança, a capacidade de escolha, de tomar decisões e de resolver problemas, o que por sua vez contribui para o desenvolvimento integral da criança. Isso sem falar nos benefícios mais ligados aos campos da ética e da sensibilidade, como encantamento, empatia, humildade e senso de pertencimento (BARROS, 2018, p. 9).

De acordo com a ONU, estima-se que em 2050 mais de 80% das pessoas morarão no espaço urbano. Dito isso, é urgente pensar em cidades que contem com um modo de vida e desenvolvimento pautados pela sustentabilidade ambiental, social e econômica.

Os efeitos da urbanização comumente estão mais relacionados ao distanciamento da natureza, redução de áreas naturais, bem como falta de segurança e qualidade dos espaços públicos que acabam por muitas vezes, obrigando as crianças a ficar em um espaço escolar entre muros. Segundo Barros:

Atentos a isso, um número significativo de especialistas, educadores e pais no mundo todo, assim como no Brasil, vêm se dedicando a entender o que está adoecendo e tornando as crianças nervosas, agitadas, infelizes e com dificuldades de aprendizagem e convivência na escola.Um conjunto consistente de evidências científicas, em sua maior parte geradas fora do Brasil, sugere que um dos fatores seja o distanciamento entre as crianças e a natureza. Isso porque ambientes ricos em natureza, incluindo as escolas com pátios e áreas verdes, as praças e parques e os espaços livres e abertos para o brincar, ajudam na promoção da saúde física e mental e no desenvolvimento de habilidades cognitivas, sociais, motoras e emocionais (BARROS, 2018, p. 10).

Dito isso, precisamos avançar na compreensão de que a educação escolar está ligada ao espaço formal e não formal de ensino, pois a criança que é aluna é também filha, irmã, vizinha, ou seja, é também uma criança cidadã. É pensar que as escolas sejam espaços de vida, biodiversidade e interação ecossistêmica.

O futuro que construímos está relacionado à nossa capacidade imaginativa, de ação e transformação da realidade. E se começarmos a imaginar cidades vivas, pulsantes e seguras em que as crianças se sintam pertencer aos seus territórios e se sintam também responsáveis por cuidar “dessa casa”? Que não seja difícil imaginarmos, nem tão pouco arregaçar as mangas e começar no agora construir uma sociedade sustentável.

Há muitas experiências boas para nos inspirarmos, e no próximo artigo eu apresentarei essas experiências de desemparedamento das crianças que tem causado efeitos muito positivos em seus processos de desenvolvimento e aprendizagem.

Referências

BARROS, M.I.A. (org.). Desemparedamento da Infância: A escola como lugar de encontro com a natureza. Rio de Janeiro, 2018.   

TIRIBA, L. Prefácio.  In: Desemparedamento da Infância: A escola como lugar de encontro com a natureza. Rio de Janeiro, 2018.  

Zildenice Guedes é doutora em Ciências Sociais e gerente executiva de Educação Ambiental na PMM

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    Parece até um conto de fadas.
    Crianças brincando ao ar livre, tendo contato com a natureza e sentindo-se livres, tal qual pássaros que têm como limite o espaço sem fim.
    Vamos para a nossa realidade.
    Nas escolas públicas de Mossoró crianças famintas já chegam perguntando às tias pela merenda, mesmo sabendo que esta merenda se resume a duas bolachas e um copo de refresco feito com um aromatizante barato. Dinheiro para uma merenda escolar de qualidade o MEC mandou. Tanto mandou que no cardápio da merenda escolar colocam verduras, legumes, frutas, peixes, carnes, queijos etc.
    Como esperar de crianças com dentes estragados e sem avaliação oftalmológica um bom rendimento escolar?
    Brincar ao ar livre?
    Em praças destruídas ou em parques onde o mato cobre o que devia ser a relva e a segurança inexiste?
    Temos crianças que terminam o ensino fundamental sem saber multiplicar ou interpretar um texto. Sequer entendem porque a raposa sai dizendo que não gosta de uva.
    Sobre uniforme escolar escreverei em outra oportunidade.

    • Inácio Augusto de Almeida diz:

      POR FALAR EM MERENDA ESCOLAR.
      O IFRN já fez várias entregas de alimentos a pais de alunos utilizando para isto recursos da merenda escolar.
      O governo do estado, por uma vez, fez também entrega de alimentos a pais de alunos.
      Quando as escolas municipais vão distribuir alimentos com pais de alunos utilizando os recursos da merenda escolar?
      Será que Mossoró não recebeu verba para merenda escolar?
      Cadê os vereadores de Mossoró?

  2. Naerton Soares diz:

    Parabéns pelo excelente artigo.

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