Quando Henrique terminou de dar as cartas, Fernando gelou. Tinha recebido um rei, uma dama, um valete e um dez, todos do mesmo naipe. A quinta carta não teve coragem de olhar. E preferiu não vê-la de imediato.
Zé Leite foi o primeiro a apostar e disse apenas que jogava.
Fernando continuava sem coragem de olhar a quinta carta. Queria prologar o prazer que a perspectiva de estar de posse de um Royal Street Flash de mão lhe dava.
O Luís dobrou a parada colocando várias fichas na mesa.
Fernando sentiu-se tentado a olhar a quinta carta. Era a sua vez de falar. Tinha cinco cartas na mão, fechadas. Mas só tinha visto quatro.
– As suas duas fichas, Zé Leite, as quatro do Luís e mais oito minhas.
O ar superior de falar procurava transmitir aos outros jogadores a certeza de que era senhor da situação.
Henrique, emérito jogador de pôquer, não disse uma só palavra. Apenas colocou sobre a mesa mais vinte e oito fichas. E não olhou para ninguém.
Zé Leite resolveu abandonar as cartas. Preferiu perdeu duas fichas a investir mais.
Luís pensou, pensou, finalmente completou as fichas para continuar na disputa. Não mais dobraria, mas também não abandonaria.
Fernando sentiu-se tentado a olhar a quinta carta. Chegou mesmo a abrir lentamente o baralho. Mas ao chegar na quarta carta, parou. Além do mais sabia que se ela não fosse o ás de ouros, o que completaria o Royal Street Flash, poderia ser um nove de ouros, o que formaria um Street. E mesmo que não fosse um ás ou um nove de ouros, poderia muito bem ser uma carta do naipe de ouros, o que lhe daria ainda um bom jogo. Havia ainda a chance de, mesmo sendo uma carta diferente, poder arriscar pedindo uma carta e eles iriam pensar que estava com um four.
– Vai jogar senhor Fernando. Estamos esperando.
– Suas vinte e oito fichas e mais cinquenta e seis.
-Suas cinquenta e seis e mais cento e doze.
Henrique falou calmamente. Fernando e Luís trocaram um rápido olhar.
– Eu passo, disse Luís.
Fernando acendeu um cigarro. Passou a mão no queixo. Começou a abrir as cartas. Mas, novamente, parou antes de ver a quinta.
– Aí estão as cento e doze fichas.
“Como eu não redobrei, ele jamais vai imaginar que eu tenho um Royal de ouros. “
Se esta quinta carta for o ás de ouros, eu quebro o Henrique.
-Vai querer cartas, senhor Fernando?
Aquele senhor colocado antes do seu nome pelo Henrique deu a Fernando a certeza de que o jogo do Henrique era grande. No mínimo um flash. Tá mais para um Street.
– Vai querer cartas, SEU Fernando?
Lentamente começou a olhar a quinta carta. Aos pouco um ás negro foi surgindo. E aquele ás de espadas parecia rir dele. Agora a dúvida. Tinha em mão uma sequência máxima. Se não pedisse carta, poderia pagar para ver o jogo do Henrique. Ele poderia estar também com uma sequência ou até mesmo blefando.
-Vai querer cartas, SEU FERNANDO?!
– Uma carta, apenas uma.
– É o senhor quem aposta, SEU FERNANDO!
Veio o impulso de, sem olhar a carta, apostar duzentas fichas. Daria ao Henrique a impressão de que estava com um four.
Lembrou-se que estava jogando com o melhor jogador de pôquer do Rio Grande do Norte.
Lentamente começou a “chorar” a nova carta.
O ás vermelho começou a surgir. Quando o A ficou totalmente visível, parou. Não sabia se era de ouros. Sabia que era um ás vermelho.
– Duzentas e vinte e quatro fichas, SEU HENRIQUE!!!
Aí estão suas duzentas e vinte e quatro fichas e mais quatrocentas e quarenta e oito, seu Fernando.
Sentiu que o Henrique não tinha Royal. Disto agora tinha certeza. Voltara a aposta, mas já não pronunciava as palavras com tanta firmeza. Tinha certeza que o jogo do Henrique era um Street. Bastava o ás ser de ouros , redobrar a aposta e passar uns seis meses farreando por conta do Royal.
Começou a puxar o ás vermelho. Era preciso saber o naipe. Ouros era tudo, copas era nada. E quando o coração vermelho começou a aparecer, teve a impressão de que o seu coração subia pela boca.
– Vai pagar para ver, SEU FERNANDO?!!!
Não, não podia pagar, muito menos tentar um blefe desesperado. O tom de voz do Henrique deixava claro que tinha percebido a sua frustração.
– Não, Henrique, desta vez você ganhou. Pode levar as fichas. Mas, por gentileza, posso ver que jogo você tem?
– Estamos jogando pôquer, Fernando.
– Sei, sei, mas é que foi uma parada tão interessante…
Juntando as fichas e rindo, Henrique completou:
– Melhor não olhar, Fernando. Melhor não olhar. O pôquer, Fernando, é como a vida. Nunca queira saber como seria se não tivesse sido como foi.
INÁCIO AUGUSTO DE ALMEIDA
Certa vez, ouvi de meu padrinho de casamento, Senador Dinarte Mariz, uma frase que jamais esqueci ou esquecerei.
“Pior do que a guerra é o medo da guerra.”
Ouvir isso me tornou uma pessoa mais corajosa, às vezes, perigosamente corajosa. Não diminuiu a minha sensibilidade. Essa, não controlo. Sou folha.
Parabéns, Sr.Inácio. “Pôquer” levou- me à reflexão e às lembranças.
P Ô Q U E R
Quando Henrique terminou de dar as cartas, Fernando gelou. Tinha recebido um rei, uma dama, um valete e um dez, todos do mesmo naipe. A quinta carta não teve coragem de olhar. E preferiu não vê-la de imediato.
Zé Leite foi o primeiro a apostar e disse apenas que jogava.
Fernando continuava sem coragem de olhar a quinta carta. Queria prologar o prazer que a perspectiva de estar de posse de um Royal Street Flash de mão lhe dava.
O Luís dobrou a parada colocando várias fichas na mesa.
Fernando sentiu-se tentado a olhar a quinta carta. Era a sua vez de falar. Tinha cinco cartas na mão, fechadas. Mas só tinha visto quatro.
– As suas duas fichas, Zé Leite, as quatro do Luís e mais oito minhas.
O ar superior de falar procurava transmitir aos outros jogadores a certeza de que era senhor da situação.
Henrique, emérito jogador de pôquer, não disse uma só palavra. Apenas colocou sobre a mesa mais vinte e oito fichas. E não olhou para ninguém.
Zé Leite resolveu abandonar as cartas. Preferiu perdeu duas fichas a investir mais.
Luís pensou, pensou, finalmente completou as fichas para continuar na disputa. Não mais dobraria, mas também não abandonaria.
Fernando sentiu-se tentado a olhar a quinta carta. Chegou mesmo a abrir lentamente o baralho. Mas ao chegar na quarta carta, parou. Além do mais sabia que se ela não fosse o ás de ouros, o que completaria o Royal Street Flash, poderia ser um nove de ouros, o que formaria um Street. E mesmo que não fosse um ás ou um nove de ouros, poderia muito bem ser uma carta do naipe de ouros, o que lhe daria ainda um bom jogo. Havia ainda a chance de, mesmo sendo uma carta diferente, poder arriscar pedindo uma carta e eles iriam pensar que estava com um four.
– Vai jogar senhor Fernando. Estamos esperando.
– Suas vinte e oito fichas e mais cinquenta e seis.
-Suas cinquenta e seis e mais cento e doze.
Henrique falou calmamente. Fernando e Luís trocaram um rápido olhar.
– Eu passo, disse Luís.
Fernando acendeu um cigarro. Passou a mão no queixo. Começou a abrir as cartas. Mas, novamente, parou antes de ver a quinta.
– Aí estão as cento e doze fichas.
“Como eu não redobrei, ele jamais vai imaginar que eu tenho um Royal de ouros. “
Se esta quinta carta for o ás de ouros, eu quebro o Henrique.
-Vai querer cartas, senhor Fernando?
Aquele senhor colocado antes do seu nome pelo Henrique deu a Fernando a certeza de que o jogo do Henrique era grande. No mínimo um flash. Tá mais para um Street.
– Vai querer cartas, SEU Fernando?
Lentamente começou a olhar a quinta carta. Aos pouco um ás negro foi surgindo. E aquele ás de espadas parecia rir dele. Agora a dúvida. Tinha em mão uma sequência máxima. Se não pedisse carta, poderia pagar para ver o jogo do Henrique. Ele poderia estar também com uma sequência ou até mesmo blefando.
-Vai querer cartas, SEU FERNANDO?!
– Uma carta, apenas uma.
– É o senhor quem aposta, SEU FERNANDO!
Veio o impulso de, sem olhar a carta, apostar duzentas fichas. Daria ao Henrique a impressão de que estava com um four.
Lembrou-se que estava jogando com o melhor jogador de pôquer do Rio Grande do Norte.
Lentamente começou a “chorar” a nova carta.
O ás vermelho começou a surgir. Quando o A ficou totalmente visível, parou. Não sabia se era de ouros. Sabia que era um ás vermelho.
– Duzentas e vinte e quatro fichas, SEU HENRIQUE!!!
Aí estão suas duzentas e vinte e quatro fichas e mais quatrocentas e quarenta e oito, seu Fernando.
Sentiu que o Henrique não tinha Royal. Disto agora tinha certeza. Voltara a aposta, mas já não pronunciava as palavras com tanta firmeza. Tinha certeza que o jogo do Henrique era um Street. Bastava o ás ser de ouros , redobrar a aposta e passar uns seis meses farreando por conta do Royal.
Começou a puxar o ás vermelho. Era preciso saber o naipe. Ouros era tudo, copas era nada. E quando o coração vermelho começou a aparecer, teve a impressão de que o seu coração subia pela boca.
– Vai pagar para ver, SEU FERNANDO?!!!
Não, não podia pagar, muito menos tentar um blefe desesperado. O tom de voz do Henrique deixava claro que tinha percebido a sua frustração.
– Não, Henrique, desta vez você ganhou. Pode levar as fichas. Mas, por gentileza, posso ver que jogo você tem?
– Estamos jogando pôquer, Fernando.
– Sei, sei, mas é que foi uma parada tão interessante…
Juntando as fichas e rindo, Henrique completou:
– Melhor não olhar, Fernando. Melhor não olhar. O pôquer, Fernando, é como a vida. Nunca queira saber como seria se não tivesse sido como foi.
INÁCIO AUGUSTO DE ALMEIDA
Certa vez, ouvi de meu padrinho de casamento, Senador Dinarte Mariz, uma frase que jamais esqueci ou esquecerei.
“Pior do que a guerra é o medo da guerra.”
Ouvir isso me tornou uma pessoa mais corajosa, às vezes, perigosamente corajosa. Não diminuiu a minha sensibilidade. Essa, não controlo. Sou folha.
Parabéns, Sr.Inácio. “Pôquer” levou- me à reflexão e às lembranças.