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domingo - 30/08/2020 - 08:44h

Política e sociedade – o poder da participação

Por Zildenice Guedes

Comumente somos levados a pensar que a nossa vida está dissociada da política. Frases como “eu votei na última eleição, mas não acompanho o trabalho do meu candidato porque não entendo e não gosto de me envolver com política” fazem parte do nosso cotidiano. Então, lhes pergunto, a partir de qual momento, a nossa vida foi dissociada da política? Se você refletir comigo, desde o momento em que acordamos ao momento em que retornamos para casa no fim do dia, nossa vida cotidiana no campo ou na cidade apresenta uma demanda surpreendente de serviços públicos. Serviços esses que estão totalmente relacionados a gestão pública nas três esferas, o município, o estado ou mesmo a União.

Essas instâncias são em sua maioria, públicas, ocupadas muitas vezes por cargos políticos e têm o papel de regular, normatizar e possibilitar a dinâmica da vida cotidiana. Pois bem, mesmo com toda essa demanda, existe essa certeza praticamente absoluta em boa parte da população, de que não precisa da política, não precisa se envolver, e por aí vai.Vamos aprofundar um pouco mais a discussão. Somos de uma democracia representativa. O que quer dizer que escolhemos nossos representantes. Escolhemos aqueles e aquelas que tomarão decisões nos representando, e o voto é o instrumento que possibilita o funcionamento dessa democracia. E como regime democrático, somos relativamente jovem.

É importante considerar que a democracia existe há mais de 2.500 anos. Discorrer sobre um conceito tão enraizado na história das sociedades não é algo fácil, sobretudo, se considerarmos que tal qual conhecemos hoje, ela existe há dois séculos. Se considerarmos ainda, que por democracia entendemos o direito de todas as pessoas ao voto, nos defrontamos com a falta de acesso das mulheres a esse direito. Logo, nos defrontamos com o fato, de que a democracia além de ser encontrada de formas distintas em diversos países, ele apresenta-se como um elemento novo. Sim, muitos países migraram para a democracia há menos de três décadas.

No Brasil, a primeira eleição aconteceu em 1532, permitida apenas aos “homens bons”, que deveriam ser de família nobre, ter dinheiro e propriedades, e participar também da vida civil e militar da época. Fica evidente que apenas poucos tinham o direito ao voto.

E porque defender e acreditar na democracia? Para Dahl (2000, p. 48), é importante considerar cinco critérios que segundo ele, são fundamentais para a democracia:

– Participação efetiva. Antes de ser adotada uma política pela associação, todos os membros devem ter oportunidades iguais e efetivas para fazer os outros membros conhecerem suas opiniões sobre qual deveria ser esta política.

– Igualdade de voto. Quando chegar o momento em que a decisão sobre a política for tomada, todos os membros devem ter oportunidades iguais e efetivas de voto e todos os votos devem ser contados como iguais.

– Entendimento esclarecido. Dentro de limites razoáveis de tempo, cada membro deve ter oportunidades iguais e efetivas de aprender sobre as políticas alternativas importantes e suas prováveis conseqüências.

– Controle do programa de planejamento. Os membros devem ter a oportunidade exclusiva para decidir como e, se preferirem, quais as questões que devem ser colocadas no planejamento. Assim, o processo democrático exigido pelos três critérios anteriores jamais é encerrado.

Dito isso, Dahl (2000, p. 54)  nos coloca algumas questões que são pertinentes. Ora, se temos esses critérios, é possível que haja um modelo perfeito de associação em que eles vem sendo aplicados, e que portanto, podem ser considerados modelos uns para os outros? Para o autor, é possível que não encontremos um modelo perfeito em que se configure como baluarte para os outros países e nações. No entanto, esses critérios, nos servem como “orientação para a moldagem e a remoldagem de instituições políticas”. Para o autor não alcançamos ainda enquanto sociedade, um modelo perfeito de democracia.

Em relação à democracia representativa, temos evidenciado nos últimos anos um aumento de descrédito das pessoas em relação a política. Isso se deve, sobretudo, a crise de legitimidade da política que evidenciamos quando as pessoas não se identificam, acreditam ou respeitam os seus representantes, percebemos ainda, um grande vazio de liderança, o que enfraquece a democracia representativa, e assim “O valor das eleições é diminuído quando cidadãos não têm fé nos líderes que elegem (p. 189)”.

É importante ressaltar que esse sentimento é movido muitas vezes pelas representações ou associações que se faz da política a atores específicos, sem considerar que a política está para além de quadros específicos. E vemos ainda que no Brasil em decorrência da forte polarização, esse sentimento se intensificou.

Vale a pena lembrar que Tocqueville considera que há uma conexão entre os costumes de uma sociedade e suas práticas políticas. Nesse sentido, é Putnam (2008) que vem nos lembrar que se a democracia de um país está em declínio, isso claramente é um reflexo do engajamento ou falta, por parte da sociedade.

Segundo a obra de Putnam, após analisar de uma forma complexa a experiência da democracia nos estados italianos, o autor ressalta que os estados com maior engajamento cívico, maior participação, menor corrupção, mais acesso aos serviços públicos, menor prática de relações clientelistas e patriacarlistas para com os políticos, eram não coincidentemente, mais democráticos. Além de serem economicamente mais desenvolvidos.

Invariavelmente, dessa mudança decorreu também renovações nas formações dos quadros políticos. Houve maior adesão aos partidos políticos, maior qualificação dos que passaram a compor os quadros políticos, houve melhora na representatividade. Além de um efeito muito positivo que foi a despolarização ideológica identificada tanto entre partidos de direita, quanto partidos de esquerda.

O que ficou em bastante evidência, foi que as mudanças que são mais efetivas, sobretudo, em âmbito local, são aquelas em a sociedade participa e se engaja mais como responsáveis do que como simples beneficiários dos serviços:

Na comunidade cívica[1], a cidadania implica direitos e deveres iguais para todos. Tal comunidade se mantém unida por relações horizontais de reciprocidade e cooperação, e não por relações verticais de autoridade e dependência. Os cidadãos interagem como iguais, e não como patronos e clientes ou como governantes e requerentes. […] Tal comunidade será tanto mais cívica quanto mais a política se aproximar do ideal de igualdade política entre cidadãos que seguem as regras de reciprocidade e participam do governo (PUTNAM, 2006, p.102).

Nas cidades brasileiras há muitos desafios a serem superados, sem dúvida. Um deles é de envolvimento da população na política para além da polarização, com a promoção de diálogo e a defesa da política enquanto um caminho efetivo para promoção do desenvolvimento. É o entendimento de que com a democracia, participação efetiva, controle social por parte da população, as velhas práticas sofrerão constrangimento, e assim, pode-se difundir uma outra cultura política em que a pessoa humana se sinta pertencer ao seu território, a sua cidade, a seu bairro, e assim, se reconheça enquanto promotor da mudança e da transformação que todos nós precisamos, pois como afirma Putnam (2006, p. 176) “Num mundo onde existem dilemas do prisioneiro, as comunidades cooperativas permitirão aos indivíduos racionais superarem os dilemas coletivos” .

Zildenice Guedes é professora-doutora em Ciências Sociais pela UFRN


[1] Esse conceito será explicado no próximo artigo

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Evanice Fernandes diz:

    Um artigo tão importante, principalmente para o momento atual, onde vamos escolher os nossos representantes. Espero que um grande número de seguidores deste blog tão informativo, venha realmente ler e refletir.@Zildenice guedes, obrigada.

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