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domingo - 29/12/2019 - 06:30h

Punição e prisão para quem mesmo?

Por Roncalli Guimarães

De acordo com o jurista Miguel Reale, “aos olhos do homem comum o direito é lei e ordem, o conjunto de regras obrigatórias que garantem a paz social”. Partindo desse princípio da visão do homem comum, começo a vislumbrar a necessidade da interferência de outras ciências como uma interdisciplinaridade ou multidisciplinaridade no efeito da jurisprudência.

Como cidadãos comuns costumamos enxergar a prisão de pessoas que cometem crimes como castigo, sem, no entanto, questionar os reais motivos que levaram alguém a praticar um crime, ou seja, o ambiente do indivíduo.O filósofo Michel Foucault na sua obra “Vigiar e Punir” descreve: “O que começa a se esboçar agora é uma modulação que se refere ao próprio infrator, à sua natureza, seu modo de vida e de pensar, a seu passado, à qualidade e não mais à intuição de sua vontade”.

As estatísticas são claras: a esmagadora maioria dos crimes são praticados por pessoas de classe social menos favorecidas, dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) de 2014, 61,7% dos encarcerados são pretos ou pardos, 75% tem até o ensino fundamental completo. Esses dados isolados por si só poderiam gerar discussões mais aprofundadas.

Hoje, com o avanço do conhecimento cientifico podemos perceber claramente a interferência de fatores ambientais no comportamento humano, uso de álcool e outras drogas na gravidez, núcleo familiar violento e privações sociais na infância estão entre os fatores que favorecem esse quadro.

A espécie humana não nasceu pronta como outros mamíferos. Um potrinho nasce, mama sozinho e praticamente no outro dia anda, acompanha a mãe e segue sua vida. Nós humanos somos diferentes, dependemos totalmente dos cuidados de outras pessoas para sobrevivência e somos a espécie que tem a infância mais longa e boa parte dela com essa necessidade de cuidados.

Portanto mesmo com a determinação genética, a espécie humana constrói seu comportamento também com a experiência. Não quis dizer com isso que simplesmente não vamos punir os que cometem crimes, porém precisamos de uma avaliação prospectiva das sentenças e possibilidades reais de reabilitação.

O cérebro humano está sujeito ao fenômeno da plasticidade neuronal. Isso quer dizer que pessoas podem se transformar, dependendo dos estímulos que recebe.

Hoje trabalhando com menores infratores. Percebo que suas histórias são semelhantes: miséria e hostilidade estão quase sempre presentes. A impressão que passa é que eles são punidos bem antes das sentenças judiciais; são punidos simplesmente por terem nascido.

Parafraseando o conceito do grande jurista Miguel Reale, a visão comum sobre direito deveria ser a punição justa e exemplar para quem comete crimes como tráfico de influência, peculato, rachadinhas e lavagem de dinheiro, esses sim parecem estar acima da lei e da ordem e prejudicam verdadeiramente a paz social.

Roncalli Guimarães é médico Psiquiatra do Centro de Atenção Psicossocial em Álcool e Drogas CAPS AD II – Mossoró

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    “A visão comum sobre direito deveria ser a punição justa e exemplar para quem comete crimes como tráfico de influência, peculato, rachadinhas e lavagem de dinheiro, esses sim parecem estar acima da lei e da ordem e prejudicam verdadeiramente a paz social.”
    A sociedade começa a clamar por CADEIA para praticantes de rachadinhas, peculato, corrupção.
    A sociedade não mais aceita que condenados em segunda instância por prática de corrupção possam continuar exercendo cargos eletivos, fazendo licitações e administrando verbas públicas.
    O brasileiro sabe que não dá para dizer que isto acontece a um sueco, suíço ou finlandês.
    Não dá para dizer isto em lugar nenhum. Quem pode acreditar que isto seja verdade?
    O pior é que é verdade.
    Para que servem os Conselhos de Ética das casas legislativas?
    às vezes penso que tudo não passa de um pesadelo.

  2. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Caro Roncalli Guimarães, parabéns pelo acertado, oportuno e brilhante artigo sobre um assunto que muito dão pitaco, sem que, no entanto, jamais tenham lido um minimo necessário para conhecer e opinar sobre assunto com necessário embasamento, que, ASSUNTO ESSE, na verdade diz respeito à todos nós que, independente da origem e classe social fazemos parte do contrato social.

    No caso, não esqueçamos, contrato social que, de há muito, impõe à maioria obrigações sem no entanto lhes propiciem os direitos necessários à implementação desse contrato social, haja vista nossa construção histórica sob o viés do escravismos ter nos legado um autoritarismo latente, por via de consequência, governos em que se verticalizam geralmente as visões autocráticas dessa governança, derivadas da absoluta não participação popular.

    A população carcerária composta BASICAMENTE por negros, pobres e excluídos, tão somente reflete em grande parte, esse arremedo de contrato social historicamente imposto à maioria desautorizada das discussões sócio-cultural e econômicas, e, portanto das decisões que comportam a verdadeira razão de ser desse mesmo contrato social, malferindo os mais elementares direito da maioria ignara por que excluída e excluída por que ignara….!!!

    Noutro vértice caro profissional médico da psiquiatria e estudioso da nossa triste realidade social, prepare-se pra receber nobres, delicadas e terra planistas visitas dos Burro Narianos, tentando à qualquer custo, impor à todos que conseguem realizar breves sinapses acerca do assunto, o epíteto de comunistas….!!!

    Um baraço
    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  3. Graça Barra diz:

    Muito bom texto.

  4. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Parabéns, Dr.Roncalli Guimarães. Artigo de grande cunho social. Enfatizo o último parágrafo. Excelente!

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