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domingo - 23/06/2019 - 05:40h

Tríade – Reflexões sobre as conversas entre Moro e Dallagnol

Por Eduardo Cavalcanti

Quais as consequências para a operação Lava Jato e para os agentes públicos envolvidos em virtude das supostas conversas até agora divulgadas pela plataforma jornalística The Intercept Brasil entre o Procurador da República Deltan Dallagnol e o atual Ministro da Justiça Sérgio Moro?

Torna-se importante, primeiramente, explicar o porquê do necessário distanciamento do Juiz no Processo Penal. A consequência jurídica de qualquer crime é a pena. E, para este tipo de sanção jurídica (sem dúvida, a que possui a maior carga de interferência na liberdade de qualquer cidadão), exige-se determinado procedimento que respeite uma série de regras processuais. É o postulado nulla poena sine iudicio (não há pena sem o devido processo legal).

Estas normativas, inclusive, para além de constar no arquétipo estrutural descrito no Código de Processo Penal e em legislações esparsas, erigem-se, algumas delas, como regras e princípios constitucionais, posto que a Constituição Federal tratou de maneira cuidadosa de várias garantias fundamentais para a proteção do indivíduo diante da atividade própria do Estado de processar e julgar acusados de crimes. Por isto, costuma-se falar, no meio jurídico, que a praxe do processo penal é a própria Constituição aplicada.E a regra que possibilita àquele que figura no processo penal como acusado da prática de um crime parte justamente da imprescindibilidade de um julgador imparcial e distante das partes. É a máxima actus trium personarum. A chamada tríade processual. Na base da pirâmide, as partes, em igualdade processual, sustentam suas teses (acusação e defesa) perante o Juiz, que, ao final de todo o rito, pronunciar-se-á com a elaboração da sentença. Daí a exigência de distanciamento do julgador para com as partes, ou seja, acusação e defesa.

Há uma outra garantia processual insofismável. O ônus da prova cabe à acusação. O Estado-Acusação (aqui, representado pelo Ministério Público, em regra), a partir da atividade investigante dos órgãos públicos competentes, oferece ao Estado-Juiz peça processual que desencadeará os demais atos processuais até a sentença.

Cabe, portanto, ao Estado a tarefa de provar a responsabilidade criminal do suposto autor de um crime. De outro lado, figura o acusado, representado pela defesa técnica, a qual deve possuir igualdade de tratamento e de instrumentos legais e probatórios.

Deste modo, nota-se, já nesta brevíssima explicação, a necessidade do devido afastamento do Estado-Juiz perante as partes processuais.

É certo que, durante a investigação, o Estado, atuando nesta seara a chamada polícia judiciária e outros órgãos públicos competentes para tal mister, pode e deve produzir algumas provas sem o conhecimento do suposto autor do crime, pois se trata de situações em que o sigilo da informação é crucial para a investigação, como, por exemplo, interceptações telefônicas, quebra de sigilo bancário e fiscal, entre outras medidas preliminares.

Voltando ao tema delimitado neste texto, o Intercept Brasil publicou série de supostas mensagens trocadas entre Dallagnol e Moro, à época em que o atual Ministro da Justiça exercia a função de julgador de alguns dos principais processos penais e procedimentos investigativos instaurados em virtude da chamada operação Lava Jato, cujas mensagens indicam que o citado Juiz interferiu de maneira ilícita nas investigações e em atos processuais próprios do órgão público que faz às vezes do Estado-Acusação, ou seja, o Ministério Público.

Por óbvio, não se quer chegar a qualquer conclusão acerca das possíveis consequências legais em virtude das referidas mensagens, justamente porque há uma série de dúvidas que propugnam por explicações.

A primeira delas se refere justamente à autenticidade das mensagens.

Nada obstante o pronunciamento inicial de Moro acerca da veracidade das primeiras mensagens publicadas, passando a duvidar da fidedignidade das mesmas a partir da publicação de outras, a questão se cerca de dúvidas diante da possibilidade de possíveis “montagens”, “cortes” e até mesmo “junções” de diálogos, pois, mesmo verídicos tais diálogos, a colocação de certas palavras em determinados contextos pode alterar completamente o sentido.

A segunda questão, dependente da anterior, trata-se do verdadeiro alcance destas mensagens, caso realmente autênticas e após analisadas corretamente o seu inteiro teor, para a possível quebra da imparcialidade imprescindível do julgador, à época, o Juiz Moro.

O terceiro ponto se refere ainda acerca da necessidade de se analisar a legitimidade e o alcance de uma prova ilicitamente colhida, posto que existem sérias dúvidas sobre os meios realmente utilizados para se obter as supostas mensagens.

Por isto, não vejo como corretas algumas opiniões extremas divulgadas nos últimos dias por parte de certos juristas renomados. De um lado, a crítica severa, exortando o julgamento antecipado dos fatos e a punição dos agentes públicos envolvidos, com a consequente anulação de determinados julgamentos já ocorridos em ações penais. De outro, a defesa cega, minimizando os fatos e criando certo ar de conspiração política.

Aqui, vale lembrar lição jurídica própria do Direito Penal. Não há compensação de culpas. É uma regra basilar. Não se pode querer excluir o crime porque a prática da conduta criminosa somente ocorreu em virtude de parcela de culpa da vítima ou de terceiro. Assim, cada envolvido responderá por seus atos na medida de sua culpa.

No Brasil, pode-se observar, nos últimos anos, espécie de compensação sistemática e ideológica de culpa. E isto se nota com maior destaque quando se trata de atos de corrupção. Há, sem dúvida alguma, imensa concordância do brasileiro quando se trata em extirpar a corrupção do cenário social, mesmo não querendo saber qual a cota de contribuição individual para que isto ocorra.

Assim, diante do protagonismo de fatos graves e imensuráveis de corrupção que marcaram e continuam em evidência no Brasil, há certa tendência popular de quebra ou disponibilidade de garantias e direitos fundamentais assegurados na Constituição, caso isto sirva para o enfrentamento deste grande mal social. É a ideia de que, se há tanta corrupção, deve-se escusar certas práticas ilícitas para se tentar diminuí-la. Portanto, nota-se, sob a luz do sol, diária guerra ideológica e política na microfísica social, mas os meandros obscuros do verdadeiro motor propulsor desta guerra poucos conhecem.

Explicando em outros termos, é a seguinte indagação popular: o Juiz Moro e o Procurador Dallagnol roubaram dinheiro público? Se não roubaram, qual o problema se uniram forças para combater a corrupção que vem devastando valores essenciais para a frágil democracia brasileira?

Advogados utilizam de artifícios piores dos que observamos nas supostas mensagens, inclusive com a nefasta prática de conluio com alguns Promotores, Procuradores, Juízes, Desembargadores e Ministros?

Se isto realmente ocorre, qual o sentido de se atacar e condenar o teor dos diálogos, caso se confirme a comprovação dos mesmos, ocorridos entre um Juiz e um Representante do Ministério Público que estavam atuando no combate a um dos maiores esquemas de corrupção já registrados na história do Brasil?

Este pensamento é a essência da compensação sistemática e ideológica de culpa. No entanto, os graves erros não podem e não devem justificar a existência de outros.

Deve-se realmente apurar todos os atos e fatos que envolvem as mensagens divulgadas pelo jornal on line. E esperar que as investigações e o julgamento futuro, que venham ocorrer, sirvam para aperfeiçoar nosso sistema de justiça e fortalecer as instituições democráticas.

Eduardo Cavalcanti é promotor de Justiça no RN, mestre em Direito pela PUC/RS e doutorando em Direito pela Universidade de Lisboa

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Stheno Amors diz:

    Essa mensagem do promotor começa até bem, más chegando próximo do final ele já se torna parcial. Também está defendendo sua classe que é a classe dos promotores que cometeram o crime junto com o Moro.

  2. Armando Ribeiro diz:

    Essa tríade abordada pelo Dr. Eduardo, eu considero, por outro lado, como os modos de uma quadrilha criminosa se defende: 1) Nega o fato. 2) justifica seu crime dizendo que rouba mas faz. 3) como não há como negar nem fez nada que justifique, acusa-se quem o acusa é quem o julga, para contornar e fabricar- se um engodo de escapulida.

  3. Inácio Rodrigues diz:

    E a equidistância das partes? E a imparcialidade do juiz? O equilíbrio entre acusação e defesa, acabou? Dr Eduardo, com todo o respeito, em nome da verdade, do ordenamento jurídico que o senhor conhece muito bem, não defenda o indefensável.

  4. Barbosa diz:

    Parabéns ao Dr Eduardo, clareza e segurança nas linhas traçadas. Não se visualiza qualquer ato ilegal na suposta conversa. Aliás, daqueles que defendem o país. Os que pensam contra, possivelmente …

  5. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Conforme se verifica, a casta dos promotores, como não poderia deixar de ser….É absolutamente corporativa, donde nos faz lembrar da frase …ESPIRITO DE CORPO QUE SE CONFUNDE COM ESPIRITO DE PORCO, claro, existem honrosa e raríssimas exceções que se contam nos dedos, se muito de duas mãos…!!!

    VEJAM A FRASE….Ora pois, se não se visualiza qualquer ato ilegal na suposta conversa ( BARBOSA, SERIA PARENTE DO JOAQUIM BARBOSA, ÀQUELE QUE FUGIU DO STF, BEM ANTES DA FUGA DO VAGABUNDO, CRIMINOSO, MENTIROSO DOENTIO E AGENTE DA CIA, CHAMADO SÉRGIO PARANHOS FLEURY DO MORO….!!!???

    Nessa teia de maviosas interpretações…Que tal revogarmos todos os códigos que impõem um mínimo de disciplina axiológica aos cidadãos e profissionais, inclusive aos que investigam e julgam, mormente o Código de Processo Penal e, por que não, também nosso código de leis maior a Constituição….!!!???

    Quando porventura houver qualquer investigação ou julgamento, claro dos de sempre – só eles -, que cometem crimes e pertencem ao espectro político que chamam de esquerda e comunista, basta ligar para os garotinhos da CIA, Dalainho e o Xerife Moro Fleury da República Curitibana juntamente com seus asseclas e capachos de sempre, de pronto, eles já descrevem o tipo, a pena, julgam e determinam a prisão imediata….!!!

    Não esqueçamos que o BURRO NARIANO MOR, um misto de Pastor Picareta com Milico frustrado, se elegeu com uma Bíblia na Mão direita e um Fuzil na mão esquerda, usando e abusando da palavras DEUS, bem como na sombra de centenas de PASTORES PICARETAS, donos de Redes de Televisão e Rádio, com seus séquitos de milhões de fiés descerebelados.

    O fato necessariamente, também impõe atenta vigilância, sob pena de desembocarmos numa teocracia maluca à lá modelito guiada por centenas de JIM JONE$$$…!!!

    Nesse contexto, não há por que não ficarmos de olhos e ouvidos atentos, vez que, estamos por que estamos numa dos períodos mais obscurantista da vida nacional, onde, sobretudo, os fins justificam os meios, nem que sejamos obrigados pagar o preço de voltarmos à idade média, tando na economia quanto nos costumes…!!!

    Por fim meus Caros, apenas uma dica, jamais esperem ou tenham qualquer esperança que os do espectro político à lá extrema direita, que de fato nos governam com mão de ferro desde 1.500, investiguem seus históricos e continuados crimes, sejam de que natureza for, sobretudo os que de forma direta ou indireta possam comprometer a intocada estrutura de poder chamada Status Quo….!!!

    O nosso vetusto Judiciário, mais conhecido como Castelo de Ouro Intocável é o mais pungente e latente exemplo disso…!!!

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  6. Raimunda diz:

    Quer dizer que pra combater uma conduta criminosa pode-se utilizar de outra? Ou melhor, os meios justificam os fins? E se a impunidade numa conduta dessas tiver efeito cascata, como vai ficar o cidadão comum?

  7. Victor diz:

    Trago uma pergunta sincera ao Dr. Eduardo: se a corrupção do Lula foi tão grande, por que as provas contra ele são tão frágeis? Um triplex que presumiu-se ser dele, sem ele nunca ter se apossado de fato, e um sítio que ele usava eventualmente e que, por ter um dono (que não era o Lula), acabou por ser recentemente vendido, com autorização judicial, pelo real dono (que não é o Lula). Não custou muito e a desonestidade do Aécio foi revelada, assim como também a ligação da família Bolsonaro com a milícia e o seu apego (e dos filhos) aos salários dos assessores fantasmas. O que o Temer fez, como e o que recebeu também são claramente demonstrados. Mas. E quanto ao Lula? Onde estão os milhões de Lula e dos seus filhos?

    • Armando Ribeiro diz:

      Essa pergunta é para ser feita aos desembargadoresce ministros que confirmaram a condenação
      . O assunto é jurídico, não ideológico.

  8. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Caro Victor, não há, efetivamente não há como dialogar e muito menos indagar alguma coisa séria junto aos nazifascistas da extrema direita Udenista Tupiniquim. Mesmo porque, de fato, o que interessa pra essas figuras é a manutenção do Status Quo, seja qual for o preço necessário e que seja imposto à maioria dos excluídos nacionais historicamente, pagar desta ou daquela forma….!!!

    Como diria o saudoso Darcy Ribeiro:

    “Só há duas opções nesta vida: se resignar ou se indignar. E eu não vou me resignar nunca.”

    “O Brasil, último país a acabar com a escravidão tem um perversidade intrínseca na sua herança, que torna a nossa classe dominante enferma de desigualdade, de descaso.”

    Conforme se verifica, a primeira frase, diz respeito à quem possui um minimo de vergonha na cara e ainda não se rendeu a canalhice e a mesmice do discurso social e político – dito senso comum nacional -, disseminado dia-a- dia pela nossa monopolizada mídia de propriedade da classe mérdia Tupiniquim….!!!

    Já a segunda frase, se encaixa direitinho na ideologia manifesta e no discuso supostamente jurídico do sobredito Promotor Público….!!!

    Por fim, oportuno relembrar , não é a primeira vez que tal ocorre, bem como, jamais será a última, porquanto, tão somente, demonstra Ipssis Literis a nossa imaturidade política, que ainda nos reserva lugar de destaque adolescente no conjunto da ordem política e econômica mundial, sobretudo na lógica que impera na dinâmica da geo-politica mundial.

    Um baraço
    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

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