Por José Luiz da Silva
Há duas categorias de pessoas que, sobretudo no Rio Grande do Norte, merecem um debruçamento maior, uma atenção mais atenta, um enfoque mais aproximado: o inteligente e o sabido.
O inteligente é como o grão. Se não morrer, será infecundo. A fecundidade do sabido é feita na cotidianidade dos seus sonhos.
O inteligente é aritmético. Consegue sobreviver. O sabido é geométrico. Quase sempre vive sobre.
O inteligente é polivalente na ordem do conhecimento. O sabido, na ordem do aproveitamento.
O inteligente é grosseiro às vezes, mas humano, profundamente humano. O sabido se irrita, mas é sempre fino. Fino e aderente. Sobretudo ao poder. E quando eu falo em Poder, não me refiro pura e simplesmente ao Sistema. Me refiro ao poder, podendo. Feito de números. Sobretudo de números.
O inteligente pode ser desligado. O sabido, nunca.
O inteligente gosta de se encontrar com velhos amigos. O sabido prefere localizar novos. Se vão lhe render dividendos.
O inteligente é simples. O sabido é complexo. Chegar a ele, às vezes não é fácil. O mundo é dos sabidos. A vida, dos inteligentes. Na sua intensidade.
A ambição do inteligente é limitada. Porque limitada, nem consegue ser ambição. O sabido é, sobretudo, ambicioso, explicação maior do seu sucesso. O inteligente poderá ser sábio. O sabido, jamais.
A fé do inteligente é escatológica. Do sabido, circunstancial.
O inteligente não consegue ser audaz. A ousadia, porém, é o oxigênio do sabido.
O inteligente aguarda a morte como passagem; para o sabido, ela não é objetivo de cogitações.
O inteligente gosta de bibliotecas; o sabido, de computadores.
O inteligente sonha com Paris, escreve maravilhosamente sobre Paris, mas suas notas são escritas em Tibau ou na Redinha.
O sabido dorme em Lisboa, acorda em Hong-Kong e janta em Ponta Negra.
O inteligente sorri. E no sorriso se esboça a silhueta da paz. O sabido ri. E ri gostosamente.
O inteligente tem saudades; o sabido, nostalgia.
O inteligente mergulha no silêncio. O sabido vira taciturno.
O inteligente fica só, para estar com os outros; o sabido, para libertar-se deles.
O inteligente cria; o sabido amplia.
O inteligente ilumina; o sabido ofusca.
O inteligente pensa em canteiros de flores; o sabido, em projetos de reflorestamento.
O antônimo de inteligente é burro, de sabido é besta; às vezes (quem sabe) viram sinônimos.
Ser, para o inteligente é fundamental. Parecer, para o sabido é prioritário. E como vivemos no mundo das aparências, nele o inteligente não terá vez. Desde que mude os seus critérios. Aà então, aflora a crise do desencanto. É quando a mediocridade se entroniza, o supérfluo se instala e a inteligência se rende. A não ser que o inteligente se chame Unamuno, reitor imortal. Por isso, ele foi magnÃfico. Do contrário não teria sido reitor, mas feitor. E de feitores o Brasil está cheio. Sabidos, por sinal.
Sabido é Diógenes da Cunha Lima. Inteligente é Jarbas Martins.
Cascudo é inteligente. Sabida é sua entourage.
Inteligentes são Zila Mamede e Otto Guerra. Inteligente é Waldson Pinheiro. Inteligente foi Miriam Coeli. Inteligente é Padre Ônio (de Cerro Corá) e Dom Heitor (de Caicó). Inteligente foi Dom Costa (de Mossoró). Inteligente foi o pastor José Fernandes Machado. Inteligente é Anchieta Fernandes. Inteligente é Vingt-un.
O inteligente compra livros. O sabido, ações.
Para o sabido, as letras que realmente valem são letras de câmbio. Inteligente é quem trabalha para viver razoavelmente. Sabido é quem consegue que outros trabalhem para que ele viva maravilhosamente. O inteligente sua. O sabido transpira.
O inteligente acorda cedo. Para ele, Deus ajuda a quem madruga. O sabido acorda tarde. Outros madrugam por ele.
Sem o inteligente, o que seria do sabido?
Inteligentes são Manoel Rodrigues de Melo e Raimundo Nonato.
Sabido é Paulo Macedo. Também “imortal”.
Inteligente é Dorian Jorge Freire. Sabido é Canindé Queiróz.
Inteligentes são EulÃcio e Inácio Magalhães. Inteligente era Hélio Galvão.
Sabido é Valério Mesquita. Inteligentes eram José Bezerra Gomes e João Lins Caldas.
Inteligente foi Jorge Fernandes. Sabido, Sebastião.
Inteligente é Erasmo Carlos. Sabido é Roberto.
Inteligente foi Garrincha. Sua inteligência, porém, não foi além de suas pernas. Com elas, encantava. Sabido é Pelé. Transformou suas pernas em objeto de lucro. Não é a toa que a cidade de Garrincha se chama Pau Grande. E Pelé nasceu onde? Não foi em Três Corações? Ao mesmo tempo pode amar Xuxa, o Cosmos ou as audiências na Casa Branca.
Há um campo, porém, onde o número de sabidos é pródigo. Mas pelo menos hoje, eu não quero pensar nos inteligentes e sabidos quando se trata de competição eleitoral. Aqui, o sabido leva sempre vantagem.
Quem não se lembra de 74?
O inteligente não era Djalma? Sabido, porém, foi Agenor. E o povo do RN optou por quem? Pelo inteligente ou pelo sabido?
José Luiz da Silva, ex-padre, escritor (na foto, já falecido)
* Texto originalmente publicado no dia 14 de Agosto de 1983 no jornal “O Poti” e posteriormente no Blog Carlos Santos em 6 de Setembro de 2009.
Pois é, Padre Zeluiz fala com toda propriedade: homem sabido era ali, para o que desse e viesse.