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domingo - 05/03/2023 - 12:12h
História

A heroica mulher que salvou a vida de diplomata brasileiro sequestrado

Por Euler de França Belém (Jornal Opinião)

Livro mostra saga de uma mulher de muita fibra e fé (Foto: Reprodução)

Livro mostra saga de uma mulher de muita fibra e fé (Foto: Reprodução)

“Um Diplomata no Cativeiro — O Sequestro do Cônsul Aloysio Gomide Pela Guerrilha Tupamara em 1970, no Uruguai, e a Luta de Sua Mulher Para Libertá-lo” (Bella Editora, 199 páginas), da jornalista Ana Paula Alfano,

ex-“Folha de S. Paulo”, é um excelente livro. A autora relata uma história que aconteceu há quase 53 anos, mas mantém a tensão, como se estivesse escrevendo uma reportagem sobre fatos que ocorreram ontem, digamos.

Lembro-me, no início da década de 1970, de ir à banca de revista, que ficava na rodoviária antiga de Porangatu, cidade do Norte de Goiás, para comprar publicações com notícias sobre o sequestro de Aloysio Marés Dias Gomide, cônsul brasileiro no Uruguai. Eu tinha 9 anos e meu pai, Raul Belém, lia tudo sobre o assunto, o que acabou despertando minha atenção. Tanto que me lembrei de uma reportagem que dizia: “Por quem chora Ana Maria”. Trata-se de uma lembrança falha. Porque o nome da mulher do diplomata era Maria Apparecida Gomide. Ana Maria era sua cunhada.

Aloysio Gomide foi sequestrado pelo Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros (MLN-T) no dia 31 de julho de 1970, em Montevidéu, capital do Uruguai.

Quatro homens e uma mulher — entre eles Adolfo “Nepo” Wasen e Luis Heber Correa Díaz — sequestraram o cônsul em sua casa. Articulada pelos tupamara Alicia Rey Morales, entre outros, a ação foi bem-sucedida.

Apparecida decidiu questionar os guerrilheiros: “Meu marido é apenas um cônsul nada tem a ver com o governo uruguaio. Por que ele?” Um dos sequestradores disse que os tupamaros estavam sequestrando Aloysio Gomide com o objetivo de forçar o presidente do Uruguai, Jorge Pacheco Areco, a ouvi-los.

Gomide e Apparecida em destaque na revista O Cruzeiro (Foto: Reprodução)

Gomide e Apparecida em destaque na revista O Cruzeiro (Foto: Reprodução)

Em poucos minutos, os membros da Coluna 15 do MLN-T levaram Aloysio Gomide, que não conseguiu nem mesmo levar seus óculos (era míope). Saíram com o diplomata vestido de pijama. O cônsul e Apparecida eram pais de seis filhos (tiveram o sétimo em 1972).

Assustada, mas decidida, Apparecida avisou a embaixada que o marido — homem de direita, católico tradicional, mas sem militância política — havia sido sequestrado.

Policiais mostraram álbuns com fotografias de tupamaros e pediu que Apparecida dissesse se algum havia participado do sequestro. Ela reconheceu dois, mas não disse à polícia, pois os tupamaros a alertaram que, se identificasse algum deles, matariam Aloysio Gomide.

O irmão de Apparecida, Marcos Penna, sua então mulher, Ana Maria, e Erycina Dias Gomide, mãe do cônsul, foram para Montevidéu para ajudar a mulher do diplomata.

Além de Aloysio Gomide, havia sido sequestrado Dan Mitrione, especialista em segurança dos Estados Unidos. A polícia confirmou que Raúl Bidegain Greising e Fernando Garin, importantes membros do MLN-T, eram alguns dos orquestradores da ação.

Num comunicado, os tupamaros informaram que libertariam Aloysio Gomide e Dan Mitrione se o governo uruguaio libertasse os guerrilheiros presos (cerca de 150, trinta eram mulheres).

Gomide escreve carta em tom desesperador (Foto: Reprodução)

Gomide escreve carta em tom desesperador (Foto: Reprodução)

O primeiro cativeiro de Aloysio Gomide foi na casa do tupamaro Juan Espinosa, enfermeiro do Hospital das Clínicas. O cônsul foi levado para o local sedado. Ferido, Dan Mitrione estava na mesma residência. Os guerrilheiros queriam saber o nome dos policiais uruguaios que haviam sido treinados nos Estados Unidos. Os captores da dupla disseram que o americano trabalhava para a Agency for International Development (AID) numa parceria com a polícia uruguaia. “Dan Mitrione estava no Uruguai para auxiliar o governo uruguaio no combate ao MLN-T e a outros movimentos considerados subversivos”, assinala Ana Paula Alfano. O americano teria ligação com a CIA, de acordo com Manuel Hevia Cosculluela, cubano infiltrado na agência americana.

Os sequestros de Aloysio Gomide e Dan Mitrione eram parte do Plano Satã, formulado pelo dirigente guerrilheiro Eleuterio Fernández Huidobro. Os tupamaros planejaram sequestrar personalidades estrangeiros e uruguaias — como o juiz Daniel Pereyra Manelli — com o objetivo de forçar o governo de Jorge Pacheco Areco a libertar presos.

Os tupamaros tentaram sequestrar Michael Gordon Jones e Nathan Rosenfeld, ambos da embaixada americana, e, como não conseguiram, sequestraram Claude Fly, técnico agrícola americano.

O governo uruguaio apertou o cerco contra os tupamaros, que, vistos como Robin Hood dos trópicos, eram admirados pelo povão.

O presidente Emilio Garrastazu Médici, alertado pelo embaixador brasileiro no Uruguai, Luiz Leivas Bastian Pinto, deu ordens para que “ninguém da embaixada dialogasse com os tupamaros. Caberia ao governo uruguaio, disse um telegrama do governo brasileiro, ‘tomar todas as providências para a solução do caso e a recuperação do representante brasileiro’”. O presidente do país radicalizou: não aceitava negociar com a guerrilha.

Os tupamaros divulgaram uma carta incisiva, exigindo a libertação de “todos os presos processados ou condenados por delitos políticos ou conexão com delitos políticos”. Informaram que Aloysio Gomide estava bem de saúde e que Dan Mitrione estava se recuperando.

Mujica foi do grupo guerrilheiro, chegando a ser preso (Foto: Reprodução)

Mujica foi do grupo guerrilheiro, chegando a ser preso (Foto: Reprodução)

Na sua primeira carta para Apparecida, Aloysio Gomide disse: “Estou bem, no sentido de que não me golpearam ou feriram”. E contou que havia tomado várias injeções, para ficar entorpecido.

O governo uruguaio resistia a negociar, por isso Apparecida decidiu que precisava agir para salvar o marido.

O cônsul, transferido para outro esconderijo, acreditou que seria assassinado. Um jovem apontou uma arma para Aloysio Gomide e ameaçou atirar. Porém, um guerrilheiro mais velho segurou sua mão. “A atitude mais calma e prudente do mais velho me salvou.” A partir de então, o diplomata passou a questionar menos os tupamaros. Ele era vigiado “quase sempre” por universitários.

O MLN-T conseguiu reunir entre 4 mil e 5 mil membros. Um dos guerrilheiros era José “Pepe” Mujica, que, mais tarde, se tornou presidente do Uruguai.

O que dava forças a Aloysio Gomide e a Apparecida era “a infinita confiança em Deus e em Nossa Senhora de Aparecida” (palavras da mulher do cônsul).

Hospedada na embaixada do Brasil em Montevidéu, Apparecida ia ao jardim sozinha, relatando ao irmão e à cunhada que precisava tomar ar. “Eu saía para ver se acharia o corpo do meu marido morto na grama”, anotou em suas memórias.

“Assim que as conversas com os sequestradores começaram e eu vi que o governo uruguaio nada faria, e que o brasileiro não poderia ajudar, percebi que teria de ser eu a libertá-lo. (…) Eu nunca planejei fazer tudo o que fiz, uma coisa foi levando à outra”, relata Apparecida.

Os tupamaros mataram Dan Mitrione no dia 10 de agosto de 1970. A família acreditou que o cônsul poderia ser a próxima vítima. Os tupamaros permitiram que Aloysio se inteirasse do assassinato pelo rádio. Ele ficou aterrorizado. “Tive uma sensação de medo brutal. Vi-me empurrado para a posição de próximo na fila.”

Após o sequestro de Claude Fly, a polícia uruguaia prendeu os tupamaros Edith Moraes, Asdrúbal Pereira Cabrera, Graciela Jorge, Alberto Jorge Candán Grajales, Raúl Sendic, Alicia Rey Morales, Efraín Martinez Platero, Diego Picardo e Raúl Bidegain Greising. Lucas Mansilla, o único da cúpula a escapar, refez “a direção tupamara em menos de 24 horas”.

Ante a intransigência do governo, que não negociava com os tupamaros, aumentou a tensão. Com receio de que matassem Aloysio Gomide, Apparecida entrou em contato com o presidente Médici e sua mulher, Scylla: “Depositamos nas mãos de Vossa Excelência o destino do meu marido”. Para manter alguma tranquilidade, tomava Valium.

Médici, no dia 7 de agosto de 1970, pressionou o presidente Pacheco Areco. Na mesma data, os tupamaros divulgaram um comunicado informando que matariam “os reféns caso” os guerrilheiros que haviam sido “presos fossem torturados”.

Apparecida decidiu ir à prisão para “falar com os sequestradores” de Aloysio Gomide. A embaixada brasileira tentou dissuadi-la. Mas ela não recuou: “Vou me plantar na porta [da penitenciária] até me receberem”. Ao perceber sua obstinação, registra Ana Paula Alfano, “a embaixada conseguiu a autorização judicial para a visita ao Presídio Central de Montevidéu”.

Apparecida faz apelo em programa de televisão de Flávio Cavalcanti (Foto: Reprodução)

Apparecida faz apelo em programa de televisão de Flávio Cavalcanti (Foto: Reprodução)

Na companhia da embaixatriz Célia Bastian Pinto e dos coronéis Leuzinger Marques Lima e Miguel Cunha Lanna, Apparecida dirigiu-se para a prisão. Recebida pela cúpula dos tupamaros, entre eles Raúl Sendic, ela disse: “Somente quero pedir-lhes que cumpram com sua palavra. Quando em minha casa, prometeram-me que nada de ruim aconteceria a meu marido. Confio em vocês”. Os guerrilheiros nada falaram.

A coragem e o posicionamento firme de Apparecida levaram os tupamaros a confiar no que dizia. “Daquele dia em diante os tupamaros exigiam falar apenas com a mulher do cônsul, mais ninguém”, escreve Ana Paula Alfano.

Numa conversa com Médici, Apparecida disse, aos prantos: “Pelo amor de Deus, presidente, mataram o Mitrione e vão fazer o mesmo com o Aloysio”. O general-presidente respondeu: “Calma, minha senhora, calma, não vai acontecer nada a seu marido”.

Um dos sequestradores ligou para Apparecida: “A vida do seu marido está em suas mãos, faça exatamente o que eu lhe disser. Vá às rádios e faça um apelo ao presidente Areco pela vida do seu marido. A vida dele está em suas mãos”.

Numa rádio, Apparecida fez um apelo ao presidente Areco: “Por amor a Deus, tenha pena do meu marido e meus filhos, atenda aos apelos dos tupamaros”. Para se acalmar, fazia tricô. O dirigente uruguaio permaneceu intransigente.

O governo brasileiro, depois de uma reunião entre Médici e o ministro das Relações Exteriores, Gibson Barboza, enviou uma mensagem ao chanceler uruguaio Jorge Peirano Facio: “Cresce o perigo de ser igualmente assassinado o cônsul Aloysio Gomide”. Pacheco Areco continuava resistindo às pressões brasileiras. No lugar de negociar, o presidente mandou intensificar as buscas aos guerrilheiros que mantinham Gomide e Claude Fly no cárcere.

Entra em cena o advogado uruguaio Victor Della Valle Bataille, casado com Marilia López, funcionária do consulado brasileiro.

Ao entrar em contato com pessoas ligadas aos tupamaros, Victor Bataille colheu a informação de que, cientes de que Pacheco Areco não libertaria os presos, os guerrilheiros agora “exigiam um resgate de 1 milhão de dólares”. O ministro Gibson Barboza disse a Apparecida que o governo brasileiro pagaria o resgate desde que os guerrilheiros doassem o dinheiro para “alguma entidade internacional, como a Cruz Vermelha”. Os esquerdistas não aceitaram a proposta.

Ao receber uma nova carta de Aloysio, Apparecida ficou ainda mais desesperada. Ele escreveu: “Na verdade, do que eu percebi, pressinto a proximidade de minha morte”.

Uma jornalista, aparentemente francesa, entrevistou Aloysio Gomide e Claude Fly. Suas palavras e fotografias chegaram à revista argentina “Panorama”, que repassou o material para a “Veja”. Em novembro de 1970, a revista publicou uma reportagem de capa com a história, sob o título de “Gomide na prisão do terror”.

No cárcere a “companhia” frequente de Aloysio Gomide era uma bíblia, em espanhol, da qual não se desgrudava. Lia a bíblia católica, mas, como estava sem óculos, com dificuldade.

Arrojada, Apparecida prometeu que repassaria 1 milhão de dólares aos tupamaros. Ela criou uma campanha para arrecadar dinheiro com o nome de “Só o amor constrói”, lançada em 13 de dezembro de 1970 durante uma entrevista no programa do apresentador Flávio Cavalcanti, na TV Tupi. “Consegui uma brecha para liberar meu marido. Peço ao povo brasileiro que me ajude a salvá-lo.”

Jornal noticiou execução de norte-americano nas mãos de guerrilheiros (Reprodução)

Jornal noticiou execução de norte-americano nas mãos de guerrilheiros (Reprodução)

Autorizada pelo governo da ditadura civil-militar, Apparecida também apareceu nos programas de Chacrinha e de Cidinha Campos. Ela esteve com o arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns. “Além das contas correntes abertas pelo Brasil, empresas e grupos se uniam para ajudar no resgate. Funcionários da Cervejaria Ouro Preto, em Belo Horizonte, doaram um dia de salário. O Jóquei Clube de Santos ofereceu a renda de uma corrida. Um circo no Rio de Janeiro deu toda a receita de um fim de semana”, reporta Ana Paula Alfano.

Apparecida ligou para o jogador Pelé, o craque do Santos e da Seleção Brasileira de futebol: “É você, Pelé? Aqui é Maria Apparecida Gomide. Você sabe da minha tragédia?” O jogador respondeu: “Soube sim, senhora. (…) Vou ajudar na sua campanha. Farei o depósito”.

As contas para receber o dinheiro do resgate foram abertas no Banco Nacional, dirigido por José Magalhaes Pinto, que ajudou na campanha. O presidente do Sindicato dos Bancos do Rio de Janeiro, Theóphilo de Azeredo Santos, primo de Bebela Ziemmer e Celeste Loureiro, amigas de Apparecida, ajudou nos “trâmites burocráticos”. O banqueiro chegou a ser levado ao Dops.

O país se mobilizou para ajudar Apparecida e Aloygio Gomide. Ao perceberem a envergadura da campanha, os tupamaros não gostaram, pois passava-se a impressão de que eram mercenários.

O ministro Gibson Barboza “concedeu ‘todo o seu apoio’” à campanha. “No Brasil, a luta de Apparecida a transformou em uma quase celebridade”. Se era reconhecida, os taxistas se recusavam a cobrar pela corrida.

Com roupas rasgadas e a bíblia como única “propriedade”, Aloysio Gomide foi transferido para um cativeiro na casa do tupamaro David “Chichi” Câmpora. Ele e Claude Fly dividiram o porão da residência. Aí pôde ler “Anna Kariênina”, romance de Liev Tolstói, e contos policiais.

Os sequestradores, por avaliarem Aloysio Gomide como “reacionário”, não gostavam dele. Assim como o cônsul não apreciava os tupamaros, “por considerá-los um bando de criminosos idealistas”.

Apparecida continuava com a campanha para obter dinheiro e tentou falar com Pacheco Areco, que não quis recebê-la.

Em 1971, no dia 8 de janeiro, os tupamaros sequestraram o embaixador inglês no Uruguai, Geoffrey Jackson. As garantias individuas foram suspensas por Pacheco Areco por 40 dias.

No início de janeiro de 1971, Apparecida decidiu suspender a campanha “Só o amor constrói”. Era hora de levar o dinheiro para o Uruguai. Detalhe: a mulher do cônsul só havia conseguido reunir 250 mil dólares.

Marcos Ribeiro de Azevedo e Inácia Almeida foram contatados para levar o dinheiro do resgate de Aloysio Gomide até Rivera, no Uruguai. “Os dois aguardariam um tupamaro pegar o resgate. A senha seria: ‘Nossa Senhora Aparecida nos proteja’. E Inácia responderia: ‘Estamos protegidos’.”

Jorge Pacheco Areco: presidente do Uruguai em 1970 (Foto: Reprodução)

Jorge Pacheco Areco: presidente do Uruguai em 1970 (Foto: Reprodução)

De acordo com Gibson Barboza, o governo brasileiro fez “vista grossa a uma travessia à fronteira por um portador com a soma recolhida”.

Inácia Almeida e Marcos Ribeiro de Azevedo dirigiram-se para o local do encontro combinado com os tupamaros. Lá, na porta da loja Cairo, no Chuí — do lado brasileiro —, no dia 3 de fevereiro, um jovem apareceu, disse a senha e levou o dinheiro. Ao contrário do previsto, não era um tupamaro.

O diplomata brasileiro Quintino Symphoroso Deseta decidiu buscar o dinheiro, num automóvel da embaixada, com receio de que fosse apreendido pela polícia uruguaia, que estava à espreita.

Deseta levou o dinheiro para Montevidéu e não foi incomodado pela polícia. Apparecida avisou Victor Bataille que já estava com as notas em cruzeiro, a moeda brasileira, pesos argentinos e uruguaios. Havia também joias. “Entre as muitas que chegaram até nós para ajudar no resgate, duas eu não tive coragem de entregar aos tupamaros: um anel doado por dom Paulo Evaristo Arns e um pequeno terço de pérolas e ouro. Ofertei essas duas peças a Nossa Senhora, na igreja que frequentávamos no Rio de Janeiro”.

Cassado pela ditadura, o presidente Juscelino Kubitschek orientou Apparecida a revelar que não havia conseguido juntar 1 milhão de dólares só no último minuto. “Recomendou que eu não desse tempo para os tupamaros exigirem outra coisa no lugar do dinheiro que faltava, que os pegasse de surpresa”, relatou Apparecida.

Os tupamaros ficaram “danados da vida. No fim deram o ok, acho que queriam libertar Aloysio de qualquer maneira”, anota Apparecida. Porém, para não ficarem desmoralizados, o valor real do resgate não deveria ser explicitado.

Os tupamaros libertaram Aloysio Gomide no dia 21 de fevereiro de 1971, num domingo. Ele ficou 205 dias no cativeiro. Um sequestrador disse para o diplomata: “Su mujer es muy buena”. De fato, graças a Apparecida, à sua luta diária, o marido foi libertado. “Sem ela não sei qual teria sido o destino de Aloysio”, disse o advogado Victor Bataille. “Apparecida foi muito importante para o destino de Aloysio.”

A mãe do cônsul, Erycina, disse: “Quero destacar a força de vontade de minha nora, que lutou com todo seu vigor para liberar o marido”. O ministro Gibson Barbosa disse que Apparecida era uma mulher “admirável”. Nas suas memórias, o diplomata acrescentou que ela foi “a grande responsável pela libertação do marido. (…) Quem realmente salvou” a vida de Aloysio Gomide “foi Maria Apparecida”.

Ana Paula Alfano: jornalista, autora de um livro sensacional (Foto: Reprodução)

Ana Paula Alfano: jornalista, autora de um livro sensacional (Foto: Reprodução)

O presidente Emilio Médici perguntou a Aloysio Gomide: “Como é, você está estranhando a liberdade?” Apparecida respondeu pelo marido: “Não, presidente, ele está amando a liberdade”.

Aloysio Gomide se aposentou da carreira diplomática, em 1989. Ele serviu no Canadá e, como embaixador, no Haiti. Nunca mais voltou ao Uruguai.

Aloysio Gomide morreu em 2 de dezembro de 2015, aos 86 anos, e Maria Apparecida faleceu em 2 de setembro de 2019, aos 88 anos. Foram casados durante 61 anos e tiveram sete filhos.

O livro de Ana Paula Alfano, resultado de uma pesquisa bem-sucedida, contém documentos e informações originais, como cartas e fotografias. Era o livro que faltava a respeito dos turbulentos anos 1970 no Brasil e no Uruguai, notadamente sobre o sequestro do cônsul Aloysio Gomide, um homem de bem.

A jornalista relata, com mestria, a saga intimorata de Maria Apparecida para libertar o marido. Eis uma grande história — dolorosa mas bela — que valoriza uma mulher admirável, praticamente um exército de uma só pessoa.

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Categoria(s): Gerais / Política / Reportagem Especial

Comentários

  1. Honório de Medeiros diz:

    Por mais seres humanos assim!!!

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