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domingo - 01/06/2014 - 16:36h

A patrulha labial e o patriotismo de fancaria

Por Marcos Araújo

A psicanalista francesa Françoise Dolto dedicou sua vida a estudar a importância da linguagem na vida das pessoas. Dentro do gênero linguagem, a fala se destaca por ser uma forma de expressão simbólica que agrega valor às coisas, às emoções, aos acontecimentos.

Eric Hobsbawm, que estudou o fenômeno social da formação das nações, ensina que a língua sempre foi o pilar mais importante da delimitação de uma nação. Pela identidade da língua(gem), no passado, formavam-se as nações. Certo é de que existem os que amam mais a língua do que a pátria, como é o caso do lusitano Fernando Pessoa (“Minha pátria é a língua portuguesa”), e Caetano Veloso (na canção “Língua”, ele diz “minha pátria é minha língua”).

Que maçante falar de comunicação, língua(gem), identidade cultural, nação… Porém, a abordagem do tema é necessária nessa hora em que estamos à véspera do Campeonato Mundial de Futebol, que chamamos carinhosamente de Copa do Mundo.

Em todo canto deste país, os meios de comunicação só falam nisto. E quando se liga a TV, artistas se esmeram em canções de letras ufanistas sobre o Brasil, o brasileiro e a sua prodigiosa seleção. Mensagem subliminar de patriotismo em tudo que se ouve e se vê.

Também em uníssono, jornalistas e apresentadores tem estimulado aos torcedores brasileiros que nos estádios, antes dos jogos, cantem o Hino Nacional à capela, repetindo o coro magnânimo que intimidou aos mexicanos e espanhóis na Copa das Confederações no ano passado. Pronto! Quem cantar o hino à capela dará prova do seu patriotismo!

No Brasil, até por razões legais, o patriotismo está associado à sabença da letra completa do Hino Nacional. Como nosso país é pródigo em besteira legislativa, tem até uma Lei Federal (Lei nº 5.700/71) que obriga o canto e a interpretação da letra do Hino Nacional em todos os estabelecimentos de ensino (art. 39), e a proibição para que ninguém seja admitido no Serviço Público sem que demonstre o conhecimento do Hino Nacional (art. 40). Em suma, por lei, todo servidor público só pode tomar posse se souber a letra do Hino; obrigação extensiva a todos os alunos matriculados em estabelecimentos de ensino.

Volto à francesinha Françoise Dolto. Ela diz que a linguagem é um espelho fidedigno das pessoas e da sua cultura. Na comunicação tem que haver uma estreita relação entre linguagem e cultura. Uma é expressão da outra. Se assim o é, a linguagem do Hino Nacional está dissociada do contexto cultural e social do nosso povo. Basta fazer um teste para saber quantos conhecem o significado de palavras como “raios fúlgidos”, “retumbante”, “florão”, “lábaro”, “raios vívidos”, “terra garrida”, “flâmula” etc… E haja palavrão sem assimilação cultural!

Para uma sociedade desprovida de líderes e de ídolos como a nossa, a Seleção é o melhor símbolo do nosso nacionalismo patriótico. Não foi à toa que Nelson Rodrigues em 1970 vaticinou: “a seleção é a pátria de calções e chuteiras”. Tomados momentaneamente por heróis, os jogadores cantarão com o povo o ininteligível Hino Nacional. Isso se souberem a letra…

O Hino Nacional Brasileiro é imperialista, foi criado em 1831. A composição de Joaquim Osório Duque Estrada é para ser cantada por eruditos. Na República, o Presidente Deodoro quis suprimi-lo por um de letra mais fácil, mas foi derrotado. Atendendo a megalomania do povo brasileiro, temos o hino mais complexo do mundo.

As demais nações consolidaram como seus hinos marchas populares, de letras simples. A Marseillaise (A Marselhesa) hino nacional da França, composto pelo capitão Claude de Lisle em 1792, é uma canção revolucionária de fácil recitação. God Save the Queen (Deus salve a Rainha) é uma oração transformada em hino pelos britânicos, usado em certos países da coroa britânica.

A Espanha sequer tem um hino composto. A Marcha Real, o hino nacional da Espanha, não contém letra.

No México, o hino nacional, de 1853, é uma poesia de González Bocanegra, extraída à força pela sua noiva Guadalupe Del Pino, numa rima simples e letra singela. Até a nossa vizinha Argentina tem um hino de apenas três estrofes e um coro de três palavras repetidas: “Liberdade, liberdade, liberdade”.

Enquanto isso, por aqui, cante corretamente o Hino ou você não é patriota. Ao invés do enredo “Ame-o ou deixe-o”, do regime militar, temos “cante-o (corretamente) ou você não é brasileiro”. A letra deve está sendo devidamente decorada na Granja Comary. Veremos o movimentar de lábios sem conhecimento da significação das palavras.

Nas solenidades onde são obrigatórias a execução do hino brasileiro, assisto sempre a mesma cena: os circunstantes se entreolham, patrulhando os lábios dos cantores. Os que sabem a letra, censuram pelo olhar os que não sabem. Já os que não sabem, patrulham as palavras dos lábios dos que sabem, visando repeti-las para não caírem no ridículo. E os tropeços são inevitáveis…

Nessa copa, parte do mesmo grupo que entoar o Hino nos estádios ou em locais de retransmissão, como bom “patriota” terá, horas antes,  vandalizado algumas estações de trem, incendiado ônibus, feito greve oportunista, depredado bens públicos, saqueado caminhões de carga e lojas, criticado sem base o governo, atentado e afrontado contra o nosso sentimento de nação.

Esses patriotas de fancaria certamente não conhecem a salvaguarda dos interesses públicos e nem fazem corretamente a exaltação dos valores nacionais. Não são eles os representantes reais da alma acolhedora do povo brasileiro. Pela condição de péssimos anfitriões, a imagem do Brasil ficará indelevelmente enxovalhada nas informações exportadas para todo o mundo por meio da imprensa internacional.

Por fugir das convenções imorais da mídia, na Copa não cantarei o Hino Nacional. Minha noção de pátria vai além de uma bela letra. Fico com o sentimento nacionalista de Vinicius de Morais em “Pátria Minha”:

Pátria minha… A minha pátria não é florão, nem ostenta Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Marcos Araújo é professor e advogado

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. AVELINO diz:

    Mesmo sendo um domingo é sempre muito bom observar o “tamanho do texto”, tanto para quem comenta quanto para quem publica…

  2. jb diz:

    Trecho de o “Complexo de vira-latas”
    Nelson Rodrigues
    “E só uma coisa nos atrapalha e, por vezes, invalida as nossas qualidades. Quero aludir ao que eu poderia chamar de “com plexo de vira-latas”. Estou a imaginar o espanto do leitor: — “O que vem a ser isso?” Eu explico.
    Por “complexo de vira-latas” entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores e, sobretudo, no futebol. Dizer que nós nos julgamos “os maiores” é uma cínica inverdade. Em Wembley, por que perdemos? Por que, diante do quadro inglês, louro e sardento, a equipe brasileira ganiu de humildade. Jamais foi tão evidente e, eu diria mesmo, espetacular o nosso vira-latismo. Na já citada vergonha de 50, éramos superiores aos adversários. Além disso, levávamos a vantagem do empate. Pois bem: — e perdemos da maneira mais abjeta. Por um motivo muito simples: — porque Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos.
    Eu vos digo: — o problema do escrete não é mais de futebol, nem de técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.
    O brasileiro precisa se convencer de que não é um vira-latas e que tem futebol para dar e vender, lá na Suécia. Uma vez que ele se convença disso, ponham-no para correr em campo e ele precisará de dez para segurar, como o chinês da anedota.
    Insisto: — para o escrete, ser ou não ser vira-latas, eis a questão.”

  3. AVELINO diz:

    Oportuno esse texto onde destaca que os atletas da nossa seleção brasileira de futebol desconhecem, quase por completo, a letra do nosso hino nacional. Até que a linha melódica do hino nem tanto devido a ala pagodeira da seleção está sempre levando-a no cavaco, tamborim, reco-reco e assobio…

    Destaque para seu Duque Estrada que inseriu palavras que são do total desconhecimento dos nossos milionários atletas que, oriundos das favelas, foram logo residir no exterior não dando tempo pra se familiarizar aqui e saber o que é aquilo que tá na letra do nosso hino!!!

    Coisa totalmente diferente acontece nos Estados Unidos… Lá, desde pequenininha, toda criança americana aprende a solfejar o seu hino nacional na escola e se por acaso virar atleta, torna-se então obrigatório o saber cantá-lo!!! E observe que lá, nos EEUU, o hino nacional é cantado em Inglês, hein??? Vixe da complicação, KKKKK

  4. Antonio Augusto de Sousa diz:

    Belo texto o seu Marcos! Principalmente, por estarmos vivendo no contexto da Copa!

    Jb, parabéns por resgatar o genial Nelson Rodrigues.

    Eu gente, respeito à apinião alheia, mas tenho à minha! Se há duas coisas nesse país que merece meu respeito e amor são o Hino e a Bandeira Nacional. Joaquim Osório quando o compôs, não imaginou que 183 anos depois, ainda fôssemos um país de analfabetos e semi, quase na sua totalidade!

    Acho certo também existir lei que obrigue os alunos a aprenderem a cantar o Hino de seu país! Não acho certa é essa lei não ser respeitada! Como as que existem para impedir que se matem, corrompam ou roubem!

  5. naide maria rosado de souza diz:

    Prezado Marcos Araújo.
    De fato, nosso Hino contém palavras desconhecidas para a maioria de nosso povo. Mas, Marcos, o nosso Hino é uma declaração de amor à nossa pátria. É um Hino romântico. Fala de nossas matas, de nosso céu, de um sol de liberdade, de uma pátria amada, idolatrada, da imagem do Cruzeiro, de um futuro de grandeza, de campos floridos e bosques com vida, de uma terra adorada, de filhos corajosos. Quero dizer, é um hino sem beligerância. Comparemos com o Hino de Portugal…

    Herois do mar, nobre povo,
    Nação valente , imortal,
    Levantai hoje de novo,
    O esplendor de Portugal
    Entre as brumas da memória,
    Ó pátria sente-se a voz
    Dos teus egrégios avós,
    Que há de guiar-te à Vitória,
    ÀS ARMAS, ÀS ARMAS,
    SOBRE A TERRA SOBRE O MAR,
    ÀS ARMAS, ÀS ARMAS,
    PELA PÁTRIA LUTAR,
    CONTRA OS CANHÕES,
    MARCHAR, MARCHAR.
    É um Hino bonito, mas quase um convite à guerra. Então, embora seu texto seja de grande valor educacional, peço a licença para apreciar a beleza singela de nosso Hino. Brasil de amor eterno
    seja símbolo!

  6. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Assino embaixo e carimbo as bem colocadas palavras do Sr. ANTONIO AUGUSTO DE SOUZA.

    Apenas acrescento, que, estamos de fato, em plena campanha eleitoral, então nada mais nada menos oprotuno ressaltar, a nossa mídia muito bem coadjuvada pela desinformação de muitos e má fé de alguns poucos, sendo que estes por serem alfabetizados, saberem excrever e terem acesso as chamadas midias sociais e jornalisticas, tentam igualmente e todas as formas, por um pouiqnho de sal e pimenta nesse clima de pseudo depressão pré-copa.

    Nesse talante, mais uma vez vez oportuno ressaltar os escritos disponiblizados pelo nosso JB sobre o controvertido, mal comprendido e genial NELSON RODRIGUES que tanto semeou boas sementes e tentou ao longo de toda sua vida, incultir em nosso corações e mentes o qaunto precisávamos aprender e apreender o Barasil em suas origens e potencilaidades culturais, para que pudessemos realmente sermos não apenas um estado de agregados pátrios, mas sim uma verdadeira nação.

    A esse respeito, peço vênia apra trancrever interessante artigo DO JORNALISTA Antonio Lassance, acerca dessa cantilena disseminada pleo PIG, cantilena essa que infelizmente, sobretudo face a ignorância da maioria, perpassa, mesmo que superficialmente, corações e mentes de boa parcela de brasileiros desavisados durante o chamdo período pré-copa, se não vejmaos:

    domingo, 26 de janeiro de 2014
    “Sai pra lá Urubu”. Copa vai ser sucesso

    Fonte Nova vai lotar durante a Copa do Mundo para desespero da turma do contra o Brasil

    Por Antonio Lassance, no sítio Carta Maior

    Profetas do pânico: os grupos que patrocinam a campanha anticopa

    Existe uma campanha orquestrada contra a Copa do Mundo no Brasil. A torcida para que as coisas deem errado é pequena, mas é barulhenta e até agora tem sido muito bem sucedida em queimar o filme do evento.

    Tiveram, para isso, uma mãozinha de alguns governos, como o do estado do Paraná e da prefeitura de Curitiba, que deram o pior de todos exemplos ao abandonarem seus compromissos com as obras da Arena da Baixada, praticamente comprometida como sede.

    A arrogância e o elitismo dos cartolas da Fifa também ajudaram. Aliás, a velha palavra “cartola” permanece a mais perfeita designação da arrogância e do elitismo de muitos dirigentes de futebol do mundo inteiro.

    Mas a campanha anticopa não seria nada sem o bombardeio de informação podre patrocinado pelos profetas do pânico.

    O objetivo desses falsos profetas não é prever nada, mas incendiar a opinião pública contra tudo e contra todos, inclusive contra o bom senso.

    Afinal, nada melhor do que o pânico para se assassinar o bom senso.

    Como conseguiram azedar o clima da Copa do Mundo no Brasil

    O grande problema é quando os profetas do pânico levam consigo muita gente que não é nem virulenta, nem violenta, mas que acaba entrando no clima de replicar desinformações, disseminar raiva e ódio e incutir, em si mesmas, a descrença sobre a capacidade do Brasil de dar conta do recado.

    Isso azedou o clima. Pela primeira vez em todas as copas, a principal preocupação do brasileiro não é se a nossa seleção irá ganhar ou perder a competição.

    A campanha anticopa foi tão forte e, reconheçamos, tão eficiente que provocou algo estranho. Um clima esquisito se alastrou e, justo quando a Copa é no Brasil, até agora não apareceu aquela sensação que, por aqui, sempre foi equivalente à do Carnaval.

    Se depender desses Panicopas (os profetas do pânico na Copa), essa será a mais triste de todas as copas.

    “Hello!”: já fizemos uma copa antes

    Até hoje, os países que recebem uma Copa tornam-se, por um ano, os maiores entusiastas do evento. Foi assim, inclusive, no Brasil, em 1950. Sediamos o mundial com muito menos condições do que temos agora.

    Aquela Copa nos deixou três grandes legados. O primeiro foi o Maracanã, o maior estádio do mundo – que só ficou pronto faltando poucos dias para o início dos jogos.

    O segundo, graças à derrota para o Uruguai (“El Maracanazo”), foi o eterno medo que muitos brasileiros têm de que as coisas saiam errado no final e de o Brasil dar vexame diante do mundo – o que Nélson Rodrigues apelidou de “complexo de vira-latas”, a ideia de que o brasileiro nasceu para perder, para errar, para sofrer.

    O terceiro legado, inestimável, foi a associação cada vez mais profunda entre o futebol e a imagem do país. O futebol continua sendo o principal cartão de visitas do Brasil – imbatível nesse aspecto.

    O cartunista Henfil, quando foi à China, em 1977, foi recebido com sorrisos no rosto e com a única palavra que os chineses sabiam do Português: “Pelé” (está no livro “Henfil na China”, de 1978).

    O valor dessa imagem para o Brasil, se for calculada em campanhas publicitárias para se gerar o mesmo efeito, vale uma centena de Maracanãs.

    Desinformação 1: o dinheiro da Copa vai ser gasto em estádios e em jogos de futebol, e isso não é importante

    O pior sobre a Copa é a desinformação. É da desinformação que se alimenta o festival de besteiras que são ditas contra a Copa.

    Não conheço uma única pessoa que fale dos gastos da Copa e saiba dizer quanto isso custará para o Brasil. Ou, pelo menos, quanto custarão só os estádios. Ou que tenha visto uma planilha de gastos da copa.

    A “Copa” vai consumir quase 26 bilhões de reais.

    A construção de estádios (8 bi) é cerca de 30% desse valor.

    Cerca de 70% dos gastos da Copa não são em estádios, mas em infraestrutura, serviços e formação de mão de obra.

    Os gastos com mobilidade urbana praticamente empatam com o dos estádios.

    O gastos em aeroportos (6,7 bi), somados ao que será investido pela iniciativa privada (2,8 bi até 2014) é maior que o gasto com estádios.

    O ministério que teve o maior crescimento do volume de recursos, de 2012 para 2013, não foi o dos Esportes (que cuida da Copa), mas sim a Secretaria da Aviação Civil (que cuida de aeroportos).

    Quase 2 bi serão gastos em segurança pública, formação de mão de obra e outros serviços.

    Ou seja, o maior gasto da Copa não é em estádios. Quem acha o contrário está desinformado e, provavelmente, desinformando outras pessoas.

    Desinformação 2: se deu mais atenção à Copa do que a questões mais importantes

    Os atrasos nas obras pelo menos serviram para mostrar que a organização do evento não está isenta de problemas que afetam também outras áreas. De todo modo, não dá para se dizer que a organização da Copa teve mais colher de chá que outras áreas.

    Certamente, os recursos a serem gastos em estádios seriam úteis a outras áreas. Mas se os problemas do Brasil pudessem ser resolvidos com 8 bi, já teriam sido.

    Em 2013, os recursos destinados à educação e à saúde cresceram. Em 2014, vão crescer de novo.

    Portanto, o Brasil não irá gastar menos com saúde e educação por causa da Copa. Ao contrário, vai gastar mais. Não por causa da Copa, mas independentemente dela.

    No que se refere à segurança pública, também haverá mais recursos para a área. Aqui, uma das razões é, sim, a Copa.

    Dados como esses estão disponíveis na proposta orçamentária enviada pelo Executivo e aprovada pelo Congresso (nas referências ao final está indicado onde encontrar mais detalhes).

    Se alguém quiser ajudar de verdade a melhorar a saúde e a educação do país, ao invés de protestar contra a Copa, o alvo certo é lutar pela aprovação do Plano Nacional de Educação, pelo cumprimento do piso salarial nacional dos professores, pela fixação de percentuais mais elevados e progressivos de financiamento público para a saúde e pela regulação mais firme sobre os planos de saúde.

    Se quiserem lutar contra a corrupção, sugiro protestos em frente às instâncias do Poder Judiciário, que andam deixando prescrever crimes sem o devido julgamento, e rolezinhos diante das sedes do Ministério Público em alguns estados, que andam com as gavetas cheias de processos, sem dar a eles qualquer andamento.

    Marchar em frente aos estádios, quebrar orelhões públicos e pichar veículos em concessionárias não tem nada a ver com lutar pela saúde e pela educação.

    Os estádios, que foram malhados como Judas e tratados como ícones do desperdício, geraram, até a Copa das Confederações, 24,5 mil empregos diretos. Alto lá quando alguém falar que isso não é importante.

    Será que o raciocínio contra os estádios vale para a também para a Praça da Apoteose e para todos os monumentos de Niemeyer? Vale para a estátua do Cristo Redentor? Vale para as igrejas de Ouro Preto e Mariana?

    Havia coisas mais importantes a serem feitas no Brasil, antes desses monumentos extraordinários. Mas o que não foi feito de importante deixou de ser feito porque construíram o bondinho do Pão-de-Açúcar?

    Até mesmo para o futebol, o jogo e o estádio são, para dizer a verdade, um detalhe menos importante. No fundo, estádios e jogos são apenas formas para se juntar as pessoas. Isso sim é muito importante. Mais do que alguns imaginam.

    Desinformação 3: O Brasil não está preparado para sediar o mundial e vai passar vexame

    Se o Brasil deu conta da Copa do Mundo em 1950, por que não daria conta agora?

    Se realizou a Copa das Confederações no ano passado, por que não daria conta da Copa do Mundo?

    Se recebeu muito mais gente na Jornada Mundial da Juventude, em uma só cidade, porque teria dificuldades para receber um evento com menos turistas, e espalhados em mais de uma cidade?

    O Brasil não vai dar vexame, quando o assunto for segurança, nem diante da Alemanha, que se viu rendida quando dos atentados terroristas em Munique, nos Jogos Olímpicos de Verão de 1972; nem diante dos Estados Unidos, que sofreu atentados na Maratona Internacional de Boston, no ano passado.

    O Brasil não vai dar vexame diante da Itália, quando o assunto for a maneira como tratamos estrangeiros, sejam eles europeus, americanos ou africanos.

    O Brasil não vai dar vexame diante da Inglaterra e da França, quando o assunto for racismo no futebol. Ninguém vai jogar bananas para nenhum jogador, a não ser que haja um Panicopa no meio da torcida.

    O Brasil não vai dar vexame diante da Rússia, quando o assunto for respeito à diversidade e combate à homofobia.

    O Brasil não vai dar vexame diante de ninguém quando o assunto for manifestações populares, desde que os governadores de cada estado convençam seus comandantes da PM a usarem a inteligência antes do spray de pimenta e a evitar a farra das balas de borracha.

    Podem ocorrer problemas? Podem. Certamente ocorrerão. Eles ocorrem todos os dias. Por que na Copa seria diferente? A grande questão não é se haverá problemas. É de que forma nós, brasileiros, iremos lidar com tais problemas.

    Desinformação 4: os turistas estrangeiros estão com medo de vir ao Brasil

    De tanto medo do Brasil, o turismo para o Brasil cresceu 5,6% em 2013, acima da média mundial. Foi um recorde histórico (a última maior marca havia sido em 2005).

    Recebemos mais de 6 milhões de estrangeiros. Em 2014, só a Copa deve trazer meio milhão de pessoas.

    De quebra, o Brasil ainda foi colocado em primeiro lugar entre os melhores países para se visitar em 2014, conforme o prestigiado guia turístico Lonely Planet (“Best in Travel 2014”, citado nas referências ao final).

    Adivinhe qual uma das principais razões para a sugestão? Pois é, a Copa.

    Desinformação 5: a Copa é uma forma de enganar o povo e desviá-lo de seus reais problemas

    O Brasil tem de problemas que não foram causados e nem serão resolvidos pela Copa.

    O Brasil tem futebol sem precisar, para isso, fazer uma copa do mundo. E a maioria assiste aos jogos da seleção sem ir a estádios.

    Quem quiser torcer contra o Brasil que torça. Há quem não goste de futebol, é um direito a ser respeitado. Mas daí querer dar ares de “visão crítica” é piada.

    Desinformação 6: muitas coisas não ficarão prontas antes da Copa, o que é um grave problema

    É verdade, muitas coisas não ficarão prontas antes da Copa, mas isso não é um grave problema. Tem até um nome: chama-se “legado”.

    Mas, além do legado em infraestrutura para o país, a Copa provocou um outro, imaterial, mas que pode fazer uma boa diferença.

    Trata-se da medida provisória enviada por Dilma e aprovada pelo Congresso (entrará em vigor em abril deste ano), que limita o tempo de mandato de dirigentes esportivos.

    A lei ainda obrigará as entidades (não apenas de futebol) a fazer o que nunca fizeram: prestar contas, em meios eletrônicos, sobre dados econômicos e financeiros, contratos, patrocínios, direitos de imagem e outros aspectos de gestão. Os atletas também terão direito a voto e participação na direção. Seria bom se o aclamado Barcelona, de Neymar, fizesse o mesmo.

    Estresse de 2013 virou o jogo contra a Copa

    Foi o estresse de 2013 que virou o jogo contra a Copa. Principalmente quando aos protestos se misturaram os críticos mascarados e os descarados.

    Os mascarados acompanharam os protestos de perto e neles pegaram carona, quebrando e botando fogo. Os descarados ficaram bem de longe, noticiando o que não viam e nem ouviam; dando cartaz ao que não tinha cartaz; fingindo dublar a “voz das ruas”, enquanto as ruas hostilizavam as emissoras, os jornalões, as revistinhas e até as coitadas das bancas.

    O fato é que um sentimento estranho tomou conta dos brasileiros. Diferentemente de outras copas, o que mais as pessoas querem hoje saber não é a data dos jogos, nem os grupos, nem a escalação dos times de cada seleção.

    A maioria quer saber se o país irá funcionar bem e se terá paz durante a competição. Estranho.

    É quase um termômetro, ou um teste do grau de envenenamento a que uma pessoa está acometida. Pergunte a alguém sobre a Copa e ouça se ela fala dos jogos ou de algo que tenha a ver com medo. Assim se descobre se ela está empolgada ou se sentou em uma flecha envenenada deixada por um profeta do apocalipse.

    Todo mundo em pânico: esse filme de comédia a gente já viu

    Funciona assim: os profetas do pânico rogam uma praga e marcam a data para a tragédia acontecer. E esperam para ver o que acontece. Se algo “previsto” não acontece, não tem problema. A intenção era só disseminar o pânico e o baixo astral mesmo.

    O que diziam os profetas do pânico sobre o Brasil em 2013? Entre outras coisas:

    Que estávamos à beira de um sério apagão elétrico.

    Que o Brasil não conseguiria cumprir sua meta de inflação e nem de superávit primário.

    Que o preço dos alimentos estava fora de controle.

    Que não se conseguiria aprontar todos os estádios para a Copa das Confederações.

    O apagão não veio e as termelétricas foram desligadas antes do previsto. A inflação ficou dentro da meta. A inflação de alimentos retrocedeu. Todos os estádios previstos para a Copa das Confederações foram entregues.

    Essas foram as profecias de 2013. Todas furadas.

    Cada ano tem suas previsões malditas mais badaladas. Em 2007 e 2008, a mesma turma do pânico dizia que o Brasil estava tendo uma grande epidemia de febre amarela. Acabou morrendo mais gente de overdose de vacina do que de febre amarela, graças aos profetas do pânico.

    Em 2009 e 2010, os agourentos diziam que o Brasil não estava preparado para enfrentar a gripe aviária e nem a gripe “suína”, o H1N1. Segundo esses especialistas em catástrofes, os brasileiros não tinham competência nem estrutura para lidar com um problema daquele tamanho. Soa parecido com o discurso anticopa, não?

    O cataclismo do H1N1 seria gravíssimo. Os videntes falavam aos quatro cantos que não se poderia pegar ônibus, metrô ou trem, tal o contágio. Não se poderia ir à escola, ao trabalho, ao supermercado. Resultado? Não houve epidemia de coisa alguma.

    Mas os profetas do pânico não se dão por vencidos. Eles são insistentes (e chatos também). Quando uma de suas profecias furadas não acontece, eles simplesmente adiam a data do juízo final, ou trocam de praga.

    Agora, atenção todos, o próximo fim do mundo é a Copa. “Imagina na Copa” é o slogan. E há muita gente boa que não só reproduz tal slogan como perde seu tempo e sua paciência acreditando nisso, pela enésima vez.

    Para enfrentar o pessoal que é ruim da cabeça ou doente do pé

    O pânico é a bomba criada pelos covardes e pulhas para abater os incautos, os ingênuos e os desinformados.

    Só existe um antídoto para se enfrentar os profetas do pânico. É combater a desinformação com dados, argumentos e, sobretudo, bom senso, a principal vítima da campanha contra a Copa.

    Informação é para ser usada. É para se fazer o enfrentamento do debate. Na escola, no trabalho, na família, na mesa de bar.

    É preciso que cada um seja mais veemente, mais incisivo e mais altivo que os profetas do pânico. Eles gostam de falar grosso? Vamos ver como se comportam se forem jogados contra a parede, desmascarados por uma informação que desmonta sua desinformação.

    As pessoas precisam tomar consciência de que deixar uma informação errada e uma opinião maldosa se disseminar é como jogar lixo na rua.

    Deixar envenenar o ambiente não é um bom caminho para melhorar o país.

    A essa altura do campeonato, faltando poucos meses para a abertura do evento, já não se trata mais de Fifa. É do Brasil que estamos falando.

    É claro que as informações deste texto só fazem sentido para aqueles para quem as palavras “Brasil” e “brasileiros” significam alguma coisa.

    Há quem por aqui nasceu, mas não nutre qualquer sentimento nacional, qualquer brasilidade; sequer acreditam que isso existe. Paciência. São os que pensam diferente que têm que mostrar que isso existe sim.

    Ter orgulho do país e torcer para que as coisas deem certo não deve ser confundido com compactuar com as mazelas que persistem e precisam ser superadas. É simplesmente tentar colocar cada coisa em seu lugar.

    Uma das maneiras de se colocar as coisas no lugar é desmascarar oportunistas que querem usar da pregação anticopa para atingir objetivos que nunca foram o de melhorar o país.

    O pior dessa campanha fúnebre não é a tentativa de se desmoralizar governos, mas a tentativa de desmoralizar o Brasil.

    É preciso enfrentar, confrontar e vencer esse debate. É preciso mostrar que esse pessoal que é profeta do pânico é ruim da cabeça ou doente do pé.

    (*) Antonio Lassance é doutor em Ciência Política e torcedor da Seleção Brasileira de Futebol desde sempre.

    Um abaraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

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