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domingo - 10/08/2014 - 08:12h

A verdade é (uma virtude) um hábito…

Por Francisco Edilson Leite Pinto Júnior

“Em mundo que se fez deserto temos sede de encontrar companheiros” (Saint-Exupéry)

A Copa passou, deixando várias lições, sendo esta a mais importante: fora do trabalho em equipe, não há salvação. Guimarães Rosa entendia tanto disso que colocou no seu Grande Sertão – Veredas: “O capinar é sozinho… a colheita é comum”. O danado é como criar o hábito de trabalhar em equipe, se desde o início da nossa formação educacional somos treinados a trabalhar sozinhos? E um hábito não se muda da noite para o dia…

Vejam o que um hábito é capaz de fazer. Inicio da Copa. Todos aqui em casa decidimos: assistiríamos aos jogos do Brasil, mas nada de camisa, de estresse, de torcida apaixonada, afinal, os desmantelos no pré-copa, onde a nação foi terrivelmente subtraída em tenebrosas transações, estava (e ainda está) doendo muito na alma, e no bolso, de todos nós. No entanto, a cada jogo, acontecia algo interessante.

Bastava a seleção entrar, e o hino começar a soar em nossos ouvidos que tudo mudava. E de torcedor indiferente, passávamos a torcedor apaixonado. Dizem que a alma é uma música: a melodia do hino nacional trazia a lembrança do passado, onde éramos acostumados a torcer, sem colocar a política entre nós e a seleção… a música trazia o velho hábito e “quando um hábito surge, o cérebro para de participar das decisões”.

Quem assumia a função de pensar, naquele momento, era o coração…

Então, se Shakespeare fosse vivo, com certeza ele mudaria a frase: somos feitos dos nossos sonhos; para: somos feitos dos nossos hábitos. E hábitos esses que nem sempre são saudáveis, por isso que o escritor Fernando Teixeira tem razão ao pedir:

“Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo de travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos”.

Os viciados em jogos, drogas, sexo, etc., etc. deveriam utilizar esse texto como um mantra diário…

Existem artigos científicos – acho até modestos esses números-, mostrando que mais de 40% das nossas ações diárias não são decisões de fato, mas sim de hábitos. Eu tenho um conhecido que vive um relacionamento bem estranho com a sua namorada: a cada três meses, eles pegam uma grande briga e passam 15 dias sem se falarem.

Outro dia, ele me confidenciou: “faltavam 12 horas para completarem os 90 dias. E nada de briga. Era uma paz que chegava a incomodar. Então, peguei o telefone e, sem mais nem menos, disse que ela não era a mulher da minha vida. E desliguei. Amanhã, será o décimo quinto dia sem nos falarmos. E eu já ensaiei o discurso de desculpas, para ela”…

O fato é que mudar um hábito não é fácil! “Os hábitos nunca desaparecem. Estão codificados nas estruturas do nosso cérebro, e essa é uma enorme vantagem para nós, pois seria terrível se tivéssemos que reaprender a dirigir depois de cada viagem de férias”.

Entretanto, tem o outro lado da moeda. O que pode parecer uma vantagem, pode transformar-se em um perigo enorme. Os nazistas tanto sabiam disso que basearam toda a sua política em: “uma mentira dita 100 vezes, torna-se verdade”. A Verdade – que deveria ser uma virtude-, é de fato um hábito… Acreditamos no que nos acostumamos a acreditar…

E para um mundo cheio de mentiras é assim que se caminha a humanidade. E engana-se quem pensa que, no mundo globalizado, temos as informações verdadeiramente verdadeiras… Lemos não a verdade, mas sim a verdade que alguém quer nos vender… É terrível admitir que Mark Zuckerberg (Fundador do Facebook) tenha razão ao dizer: “A morte de um esquilo na frente da sua casa pode ser mais relevante para os seus interesses imediatos do que a morte de pessoas na África”…

E, hoje, baseado nos nossos hábitos, as empresas direcionam o seu marketing para o indivíduo e não para o coletivo. É o marketing geneticamente induzido. Assim, se eu colocar a palavra vinho no Google, terei como resposta uma série de sites bem diferentes da mesma busca realizada por outra pessoa.

Desde 2009, o Google faz busca PERSONALIZADAS para todos. Cada um já tem o seu Google individual. “Um mundo construído a partir do que é familiar é um mundo no qual não temos nada a aprender”…

Dizem que “a democracia exige que os cidadãos enxerguem as coisas pelo ponto de vista dos outros; em vez disso, estamos cada vez mais fechados em nossas próprias bolhas”. Criamos links, que são pontes invisíveis e, mesmo assim, elas estão se desmoronando… O WhatsApp que o diga, afinal, estamos tão perto dos distantes; tão longe dos que estão próximos…

É preciso, portanto, que algumas questões sejam imediatamente respondidas: se continuaremos com cada um por si, Deus será por quem? Se ficarmos cada um no seu mundo – sem haver necessidade do trabalho em equipe, mas sim de “times” dependentes de um único individuo-, quantos 7×1 ainda teremos que enfrentar?!

Francisco Edilson Leite Pinto Júnior é professor, médico e escritor

 

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Francisco diz:

    Excelente texto,esse Dr. deveria nos brindar mais com suas obras.

  2. naide maria rosado de souza diz:

    Preciso repetir. Meu pequeno texto desapareceu.
    Prof. Dr. Francisco Edilson.
    Brilhante o seu artigo. Estamos, sim, ” cada vez mais fechados em nossas bolhas”. A tecnologia deixou-nos “perto de pessoas distantes” e incapazes de vermos as próximas. Verdade. Não sei se por causa da fratura no meu pé, e o fato de não poder mudar bruscamente de lugar, acho, agora, insuportável estar ao lado de alguém mergulhado num celular. Parece que estou ao lado de um drone, um robô, algo não humano.
    A individualidade prospera numa coletividade em derrocada. Como, se unidos somos mais fortes?
    A análise feita sobre o hábito foi primorosa.
    Parabéns.

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