• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 06/05/2007 - 00:56h

Artigo

Pneumonia atípica por Micoplasma. A princípio, até que achei o nome bonito, afinal não é todo dia que se tem uma doença assim. Mas, à medida que o cansaço, a tosse produtiva intensa (associada com febre, com astenia e com as tonturas) não cediam vi que de bonito essa doença não tinha nada.

– É necessário repouso absoluto, alimentação com bastantes vitaminas, pois só o antibiótico não resolve. Essa foi a sentença da minha ex-aluna, pneumologista, que tive de seguir à risca.

Passadas já três semanas, em casa, sem trabalhar – (aqui abro um parêntese para realmente confirmar que abril é um mês formidável, não é mesmo? Pois se não bastasse ter que comemorar o dia da mentira, primeira parcela do imposto de renda, dia da sogra… agora tenho que listar entre as ‘benesses’ de abril, o dia da minha primeira pneumonia. Oh! Que mês maravilhoso…Pronto! fecho o parêntese)-, tendo lido alguns livros que estavam me esperando há alguns meses, vi-me sozinho e, entre uma tosse e outra, pensei: “Será que sairei desta? (parece dramático, mas atire a primeira pedra o médico que, doente, não pensou logo neste ‘inimigo(?)’ chamado morte); será que tão cedo deixarei de viver?

Morrer sem pelo menos ter visto o milésimo gol de Romário (pior é que se eu esperar por esse gol, terei de viver pelo menos igual aos 969 anos de Matusalém)? Não! Deus não fará isto comigo.

Angustiado, sozinho e quase em depressão (também tanto tempo sem trabalhar) tive que recorrer a alguns amigos. Poderia ter sido a Sócrates que, quando obrigado a tomar a cicuta, disse sabiamente: “Ter medo da morte significa imaginar que sabemos o que não sabemos, pois sobre ela ignoramos tudo, e nem mesmo sabemos se não é um grande bem para nós”.

Mas, preferi ler um livro que estava na espera há bastante tempo: “As intermitências da morte”, de José Saramago. Apesar das críticas feitas pelos intelectuais, achando que Saramago pisou na bola ao escrever este livro, eu, como adepto do poeta Manoel de Barros: “é fazendo o contrário que eu me conheço”, resolvi ler exatamente para contrariar os críticos da literatura.

E graças a Deus e a Saramago – e a seus críticos também – achei a obra fantástica. Logo a primeira frase do livro, de forma instigante, nos prende a atenção: “No dia seguinte ninguém mais morreu”.

Após as primeiras badaladas do primeiro dia do ano, em um determinado país, as pessoas, até mesmo as que já estavam com o caixão encomendado, mais pra lá do que pra cá, não morreram mais. Este fato causou nos espíritos uma perturbação enorme, pois o que parecia uma dádiva dos deuses – essas férias da morte –, provocou profundos transtornos em diversos segmentos do país.

Primeiro, foi à igreja a protestar: “Sem morte, ouça bem, senhor primeiro-ministro, sem morte não há ressurreição, e sem ressurreição não há igreja”. Os hospitais começaram a ficar abarrotados de pacientes em fase terminal, que não melhoravam nem morriam, fazendo com que os familiares tivessem que ficar em casa, com esses pacientes, ditos terminais.

As seguradoras começaram a cancelar as apólices de seguro já que ninguém morreria mais. As funerárias se revoltaram, pois não haveria mais enterros e para amenizar os seus prejuízos, solicitaram ao estado baixar uma lei obrigando que, a partir daquele dia, todos os animais domésticos que morressem, teriam que ser enterrados, conforme os homens… e os filósofos também protestaram: “A filosofia precisa tanto da morte como as religiões, se filosofamos é por saber que morremos, monsieur de Montaigner já tinha dito que filosofar é aprender a morrer”.

A história continua causando um rebuliço danado no país até que, cansada das férias, a morte volta. E volta com novidades: a partir de então, as pessoas receberiam, como aviso prévio, a confirmação da sua morte.

Isso causou um novo transtorno: as pessoas angustiadas não queriam mais receber as cartas cor de violeta, pois sabiam que era a notícia fatídica: “Cara senhora, lamento comunicar-lhe que sua vida terminará no prazo irrevogável e improrrogável de uma semana”.

Muitos tentavam se esconder, para não receber a tal carta, mas não adiantava: pois todos recebiam e ficavam desesperados, com “a espada de Dâmocles suspensa por um fio sobre suas cabeças”, vendo a contagem regressiva do seu tempo na terra. Entretanto, aconteceu uma coisa interessante, que nem a morte soube explicar… Uma das cartas enviadas para um músico, tocador de violoncelo da orquestra sinfônica do país, retornou.

A morte, surpresa e sem encontrar explicação para esse fato (o retorno da carta), reenviou-a várias vezes, sem sucesso: a carta sempre retornava. Indignada, e não mais tão poderosa e ciente de si, a morte resolveu se vestir de mulher e procurar pessoalmente o tal músico.

Então, neste momento, a obra de Saramago atinge o seu ápice: ao entrar na casa do músico e vê-lo tocando a sinfonia número 06 para violoncelo de Johann Sebastian Bach, a morte chorou compulsivamente.

A morte não resistiu à beleza da música de Bach e sentiu-se humana. Demasiadamente humana. Teve mesmo razão Nietsche ao dizer que a arte existe para que a verdade não nos destrua.

Mais razão ainda teve Dostoievski ao dizer que só a beleza salvará o mundo. E a beleza da música, ao transformar a morte em alguém com sentimentos, evitou o fim do tocador de violoncelo. Eros venceu Tânatos. E foi isto que quis mostrar Saramago: “A única coisa que não morre é o amor”.

Portanto, minha cara leitora, você que vive só buscando poder, dinheiro, posição – e não se importando que, para conseguir isso, tenha que destruir as pessoas, as amizades, etc, etc… como um Átila, o rei dos hunos –, achando que assim, será eterna, aprenda: bens materiais são efêmeros, pois a única coisa que permanecerá viva é o amor.

Tudo bem! Sei que é difícil amar, mas vou lhe dar outra dica: leia Drummond e aí você verá que amar se aprende amando.

Francisco Edílson Leite Pinto Junior – Professor, médico e escritor

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Categoria(s): Fred Mercury

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