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domingo - 18/11/2012 - 07:02h

As armadilhas do egoísmo social

Por Honório de Medeiros

Quando se dispôs a estudar medicina para, formado, morar na África e cuidar dos miseráveis, Albert Schweitzer já era famoso na Europa inteira como um dos maiores intérpretes de Bach.

Terminado o curso, fundou um hospital no Gabão e, durante o restante de sua vida, enfrentando toda a sorte de adversidades, se doou por inteiro a mais nobre das missões: salvar vidas humanas.

Ele, mais que ninguém, tornou possível acreditarmos na espécie humana, principalmente porque suas ações não foram estimuladas por um projeto político ou vocação religiosa, mas, sim, e somente, pela nobreza de sua alma e pureza de intenções.

Longe de nós acreditarmos que temos o mesmo estofo moral de Albert Schweitzer. Quando muito, se possível, podemos apresentar a virtude de tentarmos ser honestos no dia‑a‑dia. Não é muita coisa, mas, dentro dos nossos limites, é o possível.

Entretanto, parece que até mesmo essa tentativa de honestidade está desaparecendo lentamente do nosso cotidiano.

Basta fazermos um pequeno exame de consciência e a constatação salta aos olhos. Por exemplo: quantas vezes não desrespeitamos as regras do trânsito? Quantas vezes não furamos filas, desrespeitando o direito de quem nos antecedeu? Quantas vezes não aceitamos o jogo do guarda‑de‑trânsito corrupto, e lhe damos a “bola” que ele deseja?

Alguém poderia argumentar que tais infrações são muito pequenas, “o importante é ser honesto no essencial”, e que tudo isso faz parte da sordidez que é, hoje, a vida em sociedade. Ledo engano.

Esses exemplos são reveladores de uma doença social: vivemos hoje em uma sociedade egoísta, narcisista, fútil, enfim totalmente construída a partir de valores negativos: o honesto passa por tolo, o altruísta é visto como excêntrico e, ao contrário, aquele que leva vantagem em tudo é esperto e o mundo, por derradeiro, pertenceria aos cínicos, aos amorais.

Já não existe, por exemplo, nas Universidades, o “espírito” de grandeza que caracterizava os estudantes de antigamente. Fazia‑se direito para lutar pela justiça, e medicina para curar. Hoje, a meta é a profissionalização, no mais curto espaço de tempo e o enriquecimento imediato.

Somos todos “alpinistas sociais” e nos medimos e avaliamos pelo que temos, e não pelo que somos. Esta é a realidade de uma época.

O que não dizer, por exemplo, dos nossos homens públicos? Se analisarmos os candidatos que postulam, nas eleições, esse ou aquele cargo, a qual conclusão chegaremos?

E o resultado de nossa conduta nos agride diariamente: somos vítimas de nossa omissão, colhemos aquilo que semeamos.

Que fazer? Cruzar os braços? Fazer parte, também, da multidão de indigentes morais? Ou dar, pelo menos, na medida de nossa capacidade, pequenos passos para tentar construir um mundo melhor?

Vale salientar que essa opção apresentada diariamente a cada um de nós envolve nosso presente e o futuro de nossos filhos.

Então, a título de exemplo, não deveríamos escolher nossos candidatos a partir de critérios tais como honestidade, competência, amor à coisa pública? Não deveríamos analisar, por exemplo, a conduta passada de cada um deles? Se foi honesto; se prestou algum serviço relevante à comunidade e o fez sem interesse imediato; se foi coerente ideologicamente…

É evidente que, assim como Diógenes, o Cínico, que na Grécia antiga procurava nas ruas de Atenas um homem totalmente honesto, e não o encontrava, possivelmente também não acharemos algum que esteja de acordo com nossa esperança. Mas talvez encontremos um ou outro que tenha pelo menos uma qualidade essencial: não ser corrupto.

Desprezemos, também, os arrivistas, os carreiristas, aqueles reconhecidamente incompetentes e, principalmente, os desonestos ‑ a eles, o ostracismo político. Assim, valorizando nosso voto estamos, mesmo que de forma imperceptível, dando um pequeno‑grande passo para a construção de um mundo melhor.

E, mesmo que seja difícil a luta diária que travamos conosco para sermos um pouco melhor do que éramos ontem, convém ir em frente, pelo menos por dois motivos: somos nós, através de nossas ações e omissões, que construímos o futuro que nossos filhos herdarão; por outro lado, assim agindo, talvez não tenhamos tanta vergonha (para os que a sentem) de sermos tão diferentes de Albert Schweitzer.

Honório de Medeiros é professor, escritor e ex-secretário da Prefeitura do Natal e do Estado do RN

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. José Lima Dias Júnior diz:

    Prezado Carlos,

    Parabenizo pelo brilhante artigo do professor Honório Medeiros exposto em seu blog. A cada postagem sua fico surpreso com a qualidade do conteúdo e das informações.

    Ao ler o artigo de Honório passei a observar que como Foucault temos que pesquisar no humano (nas pessoas) a falta, o desvio, o desconhecido procurando entender as tramas invisíveis e os silêncios da história. Temos que ter um modo de olhar que altere a todo momento as estruturas de poder. Assim, o respeito pelo outro deve ser constuido em nosso discurso e prática, e não com o objetivo de sua exclusão. O nosso discurso que exclui, separa e nega, instaura num gesto historicamente repetitivo que precisa ser avaliado, questionado e modificado, se é que precisamos evoluir. Portanto, que experiências educacionais valiosas, produzimos, ou quais vamos legar a posteridade.

    Lima Júnior

  2. Marcos Araújo diz:

    Amigos Carlos e Honório,

    É sempre um prazer ler o blog aos domingos. Primeiro, pelos escritos geniais (mas preguiçosos, nesse dia) de Carlos. Depois, porque sempre tem o mestre Honório com sua “pena de ouro”. Ninguém tem mais sensibilidade e conhecimento de causa do que Honório para escrever sobre o egoismo social, principalmente por ter sabido servir à sociedade no desempenho de elevados cargos públicos, sem servir-se do posto. Exerceu com sabedoria e dedicação funções em prol do interesse coletivo, sem encantar-se com a finitude e a transitoriedade do poder. Isso merece uma observação à parte!
    Mas, o comentário, além do elogio aos dois, era para registrar um fato: Albert Schweitzer era alemão, de família rica, que ao tornar-se pastor evangélico, fez uma opção para servir à pobreza. Em Mossoró, duas religiosas alemãs (as freiras Liselotte Elfriede Scherzinger, a Irmã Ellen, e a irmã Cristina Scherzinger), também de rica família de Augsburg, vivem desde 1971, cuidando, medicando, educando e alimentando nossas crianças, em um ambiente não muito diferente de Lambaréné, no Gabão, onde morreu Schweitzer.
    Outro exemplo que me vem a mente é o da rica Agnes Gonxha, a Madre Teresa , que deixou todo o conforto para dividir a miséria com enfermos de Calcutá.
    Resumindo: a caridade e a solidariedade são atos de fé. O egoismo social é a demonstração da descrença no homem e em Deus.
    Pena que as nossas igrejas (católicas, evangélicas, pentecostais…) esqueceram as ações sociais e estão cada dia mais voltadas para a teologia do infinito, buscando por meio da oração um Deus vertical, que está no céu, enquanto a teomorfia ensina que Deus está presente no rosto do próximo, do carente que anseia a comida, a bebida e o vestir.
    Sem contar a prática da simonia (a venda do sagrado). Abraços de bem querer e admiração

  3. Inácio Augusto de Almeida diz:

    ” Esses exemplos são reveladores de uma doença social: vivemos hoje em uma sociedade egoísta, narcisista, fútil, enfim totalmente construída a partir de valores negativos: o honesto passa por tolo, o altruísta é visto como excêntrico e, ao contrário, aquele que leva vantagem em tudo é esperto e o mundo, por derradeiro, pertenceria aos cínicos, aos amorais.”
    O professor Honório de Medeiros fez um retrato em preto e branco da nossa sociedade.
    Quando ele diz que o “honesto passa por tolo, o altruísta é visto como excêntrico” tocou fundo na sensibilidade dos que ainda inisitem e persistem em manter valores que os “inteligentes” julgam superados.
    Infelizmente o mundo é assim. Não há como mudá-lo.
    /////
    Em provérbios 16:28 encontramos:O homem perverso espalha contendas; e o difamador separa amigos íntimos.
    E a quantos não é negado o direito de defesa. São condenados por ouvir dizer. Sequer sabem porque foram condenados.
    Infelizmente o mundo é assim. Não há como mudá-lo.

  4. hermiro vieira gurgel filho diz:

    Dr. Honório,
    Somos todos “alpinistas sociais” e nos medimos e avaliamos pelo que temos, e não pelo que somos. Esta é a realidade de uma época.
    E o que eu penso – Bordão do Emery Costa/tvmossoró.

  5. naide maria rosado de souza diz:

    Carlos.
    Como é edificante ler Honório de Medeiros. Fazendo-o sempre estrutura-se uma personalidade que, com certeza, contribuirá para um futuro de melhor luz. Conheci alguém que não era corrupto, muito competente e lidava respeitosamente com a coisa pública, engrandecendo-a. Este alguém já não está entre nós. Lendo Honório, lembrei-me dele e “a saudade dele está doendo em mim”.
    Um abraço.
    Naide Rosado

Trackbacks

  1. […] o comentário, além do elogio aos dois, era para registrar um fato: Albert Schweitzer (veja AQUI) era alemão, de família rica, que ao tornar-se pastor evangélico, fez uma opção para servir à […]

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