Por Marcelo Alves
Por estes dias, meu Instagram foi invadido pela propaganda de um advogado vaidoso (para não dizer cafona), do qual nunca tinha ouvido falar, dando dicas bizarras, que resvalam numa prostituição da advocacia (com todo respeito aos bons advogados e às boas prostitutas), de como ter sucesso na profissão. A velha ética dos bons causídicos deve estar se revirando no túmulo.
Como ensina Eduardo C. B. Bittar, em “Curso de ética jurídica: ética geral e profissional” (Editora Saraiva, 2016), “assim como toda profissão, a profissão jurídica encontra seus mandamentos basilares estruturados em princípios gerais de atuação, de acordo com as especificidades dessa atividade social e de acordo com os efeitos dessa atividade em meio às demais. Ao conjunto de regras e princípios que regem as atividades profissionais do direito se chama deontologia forense”.
Sinceramente, não acho que esse tipo de comportamento/dica “instagramável” – que vai desde como se maquiar a como captar agressivamente inocentes clientes – esteja dentro dos ditames da tal deontologia. E é, claramente, mais um mau uso dos meios de comunicação, no caso de uma rede social badalada, em detrimento, entre outras coisas, da imagem de uma profissão essencial ao funcionamento da Justiça e à sociedade como um todo.
Aquilo que aparece nos meios de comunicação de massa, nas grandes redes sociais em grau até maior (dados os misteriosos algoritmos), é agressivamente invasivo para o espectador/usuário, tenha ou não ele formação jurídica. É muito mais invasivo do que qualquer estudo jurídico-sociológico em livro ou artigo científico.
O cidadão médio tem muito mais contato com operadores jurídicos ficcionais e “instagramáveis” – incluindo-se aqui as personagens literárias, de filmes, de telenovelas ou mesmo o papangu do meu Instagram – do que com profissionais reais. E a imagem que esse cidadão faz da lei, do direito, da justiça, dos juízes, dos promotores, dos advogados etc. é formada muito mais através dessa ficção e/ou das redes sociais (que, pelo visto, não deixa de ser uma forma de ficção) do que a partir de experiências diretas pessoais.
Embora não seja por temperamento um saudosista, acho que devemos invejar o tempo em que, no grande cinema, tínhamos os advogados protagonistas de “Anatomia de um Crime” (“Anatomy of a Murder”, 1959) e de “O Sol é para Todos” (“To Kill a Mockingbird”, 1962), interpretados por Jimmy Stewart (1908-1997) e Gregory Peck (1916-2003), respectivamente. Protótipos de advogados defensores de um idealismo moral e ético, lutando contra o sistema vigente.
Falando especificamente de “To Kill a Mockingbird” – que foi adaptado para o cinema a partir do romance homônimo de 1960, vencedor do prêmio Pulitzer de 1961, da escritora norte-americana Harper Lee (1926-2016) –, no que toca às suas personagens “jurídicas”, ele foca no advogado generoso e idealista Atticus Finch (papel pelo qual Gregory Peck ganhou o Oscar em 1963). Essa personagem fictícia é provavelmente o advogado mais famoso da literatura e do cinema. E é também, sobretudo a partir da telona, aquele que mais contribuiu para melhorar a imagem da classe, não raramente malvista.
No Brasil, onde a profissão de advogado (e, em certa medida, as demais profissões do direito) possui, na ficção e na realidade do dia a dia, conceito pouco lisonjeiro, isso faz muita falta. Malvisto, o advogado (representativo aqui do conjunto das profissões jurídicas) é quase sempre tido como um bacharel não vocacionado, preguiçoso, despreparado, incompetente e até mesmo desonesto.
Em regra, o direito ou a justiça pouco importam para ele; o interesse legítimo do cliente também não. O que vale é o benefício, sobretudo financeiro, que suas peripécias “jurídicas” vão lhe dar. E o uso cafona – para não dizer antiético – do Instagram não ajuda. Certeza!
E volto à lição de Eduardo Bittar: “O jurista, na acepção mais larga que o termo possa comportar, ou seja, o operador do direito, em sua consciência ético-profissional, deve se orientar para que sua atuação esteja de conformidade com a realidade social na qual se insere. Seja o juiz, seja o promotor, seja o advogado, seja o pesquisador, seja o professor de direito… Devem estar preocupados não somente com o caráter formular das normas jurídicas, com o seu aspecto formal e estrutural, mas sobretudo com os desdobramentos práticos de suas prescrições (efeitos sociais, culturais, políticos, econômicos, ambientais…)”. Apenas acrescentando: com ou sem Photoshop!
Marcelo Alves Dias de Souza é procurador Regional da República e doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL
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