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domingo - 10/01/2021 - 08:00h

Nelson Patriota, presente!

Por Tácito Costa

“Nelson, sempre tão generoso fará muita falta…” escreveu-me hoje (quinta-feira, 7) cedo a amiga comum, poeta Marize Castro, em troca de mensagens por WhatsApp, lembrando o papel importante que ele teve em nossas vidas.

Somos da mesma turma do curso de Jornalismo da UFRN. Estávamos sempre juntos pelos corredores. A paixão pela literatura gerou uma identificação imediata e laços que perduraram pelos anos afora.

O autor e Nelson Patriota, amizade construída da faculdade à literatura (Foto: redes sociais)

O autor e Nelson Patriota, amizade construída da faculdade à literatura (Foto: redes sociais)

Nossas vidas voltariam a se cruzarem anos depois, tendo como fios, novamente, a literatura e o jornalismo. Marize foi a primeira editora do jornal O Galo, da Fundação José Augusto. Nelson foi o segundo e eu fui o primeiro editor da revista Preá, que substituiu o jornal. Nos períodos em que ele e Marize editaram O Galo eu estava na Assessoria de Imprensa da Fundação. A cumplicidade iniciada no curso de jornalismo prosseguiu durante essas épocas de trabalho na FJA.

Desembarquei no curso de jornalismo no início da década de 1980 com uma carência enorme de boa literatura. Minhas leituras iam de mal a pior. E foi Nelson quem me guiou, apresentando-me aos clássicos e lançamentos literários mais importantes. Considero-o a pessoa mais importante da minha formação cultural, e não apenas literária porque nossos papos incluíam filmes, música, artes plásticas, teatro, história, política.

Quando ele chegou ao curso de jornalismo, em 1980, já era graduado em Sociologia e editor do caderno cultural do jornal A República. Tinha uma bagagem considerável e eu estava começando minha trajetória acadêmica, a profissional ainda demoraria quatro anos para deslanchar, o que só ocorreu quando acabei o curso. Tive-o como mentor e exemplo. Tentei segui-lo, mas não cheguei nem perto. Além dos nossos temperamentos diferentes, a formação cultural dele era inalcançável para mim.

Foi o intelectual mais completo com quem convivi. Jornalista, sociólogo, crítico literário, tradutor, escritor que desconhecia fronteiras, escreveu biografias, crônicas, contos, romances e poesia, revisor, organizador de coletâneas de poesia, violonista, enxadrista, editou os cadernos culturais dos jornais A República, Diário de Natal, Tribuna do Norte e da revista RN Econômico (destes, só a TN continua aberta). Ocupava a cadeira nº 8 da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

Como editor, jamais se negou a noticiar um lançamento, escrever uma crítica a pedido do autor ou fazer uma orelha ou prefácio para quem quer que fosse. Era cultíssimo, mas acessível e humilde. De uma integridade e honorabilidade reconhecida tanto no meio jornalístico quando literário, o que vamos e convenhamos não é fácil de se obter porque são meios onde grassam inveja e vaidade.

Generosamente, o que era uma das suas marcas (para mim, a maior de todas dele), como bem lembrou Marize, em 2009 me convidou para fazer a orelha do seu livro de contos “Colóquio com um leitor kafkiano”. Tenho seus livros aqui na estante, todos autografados com enormes consideração e carinho.

Quando em 2008 fundei o site Substantivo Plural, para dar credibilidade e peso ao empreendimento, convoquei-o para assinar uma coluna. Ele e mais dois amigos escritores e muito queridos, Carlão de Souza (que falta faz!) e Carmen Vasconcelos. Todos toparam na hora. Tenho essa dívida de gratidão com os três.

Desconfio que as novas gerações de escritores e jornalistas não fazem ideia da importância de Nelson para o jornalismo e a literatura do estado. Não foi um editor de caderno de cultura qualquer. Usou os espaços dos jornais onde trabalhou para fomentar, divulgar e criticar a produção literária potiguar, trabalhos fundamentais para se ter uma literatura vigorosa e reconhecida.

O jornalismo cultural do Rio Grande do Norte dos últimos 50 anos passa, obrigatoriamente, por ele. Para mim, foi o maior nome do jornalismo cultural nessas cinco décadas a que me referi acima e um dos mais brilhantes da história do jornalismo do Rio Grande do Norte. Com sua partida, abre-se uma lacuna gigante no meu coração e na vida cultural do estado.

No livro “impressões Digitais”, volume I, editado pelo escritor Thiago Gonzaga, com entrevistas de autores potiguares, ele pergunta no final da entrevista com Nelson: “Quem é o escritor Nelson Patriota”? “Sou um leitor que me dei conta de que precisava complementar essa condição com a de escritor. Estou seguro que o hábito da leitura finda por despertar algum tipo de escritor dentro da gente. Estou assim descobrindo o tipo de escritor em que me tornei antes que eu me desse conta desse fenômeno. Precisava me tornar aquilo que eu era, em suma. Tenho a esse respeito uma utopia: um dia todos nós leitores nos tornaremos também escritores”.

Há cerca de dois meses, antes do seu estado de saúde se agravar, com ajuda do seu filho Rainer Patriota, falei com ele por telefone. Tentei animá-lo, mas sabia que se tratava de uma luta desigual. Foi a nossa despedida.

Até mais, grande Nelson! Gratidão por tudo, amigo. Descanse em paz.

Tácito Costa é jornalista e escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. David Leite diz:

    Ótimo texto, Tácito… Nelson Patriota merece. Parabéns!

  2. Vanda Maria Jacinto diz:

    Excelente texto! Interessante, saber um pouco mais sobre Nelson Patriota!
    Parabéns, Tácito!

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