domingo - 12/10/2014 - 07:21h

O desprazer da conquista

Por Francisco Edilson Leite Pinto Júnior

“E eu estava tão feliz que me encolhi no canto do táxi de medo porque a felicidade dói”. (Clarice Lispector – Água viva)

Felicidade dói? O que Lispector queria dizer com isso. Confesso que, a primeira vista, não entendi. Mas, isso não me perturbava, afinal “não se dispõe de modelos para ler, nem para entender Clarice Lispector”. Suas narrativas destacam-se por deslocar-se constantemente entre as “aleluias e a agonia do ser”. E não existe nada mais angustiante do que a procura da felicidade pelo homem.

“Todos os homens procuram ser felizes”, dizia o filósofo Pascal, “isso não há exceção”. Até mesmos os suicidas, quando tentam se matar, fazem-no para escapar da infelicidade, ou seja, pelo menos para se aproximarem, tanto quanto possível, de uma certa felicidade.

A felicidade ensinava Aristóteles: “é o desejável absoluto”.

Então, por que algo tão procurado e tão desejado causa tanta dor? Recorremos a Platão: “O desejo é falta”. Só desejamos o que não temos; porém, “assim que um desejo é satisfeito, já não há falta, logo já não há desejo”. Logo já não há mais felicidade a procurar.

Vejam a história dos apaixonados: “Paixão é fome”. Paixão é falta. Porém, quando conseguimos o nosso objeto de desejo, a nossa paixão que, ás vezes, passamos a vida toda, procurando desesperadamente conquistá-la, – vivendo na esperança de que um dia a possuirmos – quando, realmente, conquistamos esse objeto tão desejado, ele se desfaz; aí viveremos a “tristeza do objeto perdido”.

Já não há mais esperança. Essa é a loucura da conquista da paixão e da loucura pela procura, desesperada, da felicidade.

Foi com Rubem Alves que aprendi o terrível verso de T. S. Eliot: “Deus, livra-me da dor da paixão não satisfeita, e da dor muito maior da paixão satisfeita”.

A paixão não satisfeita é falta, é frustração; a paixão satisfeita é tédio. Agora entendo Lispector. Agora entendo, o que a célebre frase de Schopenhauer anunciava: “A vida oscila, pois, como um pêndulo, da direita para esquerda, do sofrimento ao tédio”. Agora entendo a história do PT: “O desprazer da conquista”.

NENHUM partido no Brasil quis tanto conquistar o poder como o partido dos trabalhadores – felicidade, desesperadamente. Lembro-me de que o ano era 1989. Eu, juntamente com Alexandre Mota, Íon de Andrade e tantos outros fazíamos parte daqueles estudantes de medicina que não víamos motivos para ter medo de ser feliz. Como éramos inocentes – a busca da felicidade causa medo sim, pois causa dor.

Tentávamos a todo custo, sempre através do convencimento e do debate, aumentar as nossas fileiras de combate para persuadir a classe médica a votar naquele operário, carrancudo, que tinha dificuldade de rir, que se vestia ainda com macacão, com a barba e cabelos mal cortados, que viajava em “pau de arara”, expandindo esperanças pelo país.

Felizmente – é triste reconhecer hoje – venceu o caçador de marajá. Será que estou ficando louco? Deveria ter dito: infelizmente? Acredito que não, pois foi essa derrota, juntamente com as outras duas seguintes para FHC, que nos manteve – embora com a dor da conquista não conseguida – acesa a chama da esperança de que um dia os trabalhadores iriam governar esse país.

O ano agora é 2003. Lula após ganhar a presidência mudou: vive rindo, vestindo ternos “Giorgio Armani”, bebendo champanhe francês, adora um avião e adora o poder. Não sei pra que? Será que ele não tinha mudado antes da eleição? A paixão é cega!

A presidência – a grande paixão, desesperadamente, procurada pelo PT, uma vez conquistada, transformou a nossa esperança. Já não há mais falta. Todavia, há muita frustração: dos aposentados, dos funcionários públicos, dos desempregados, dos que um dia sonharam que esse país teria dias mais brilhantes, pois uma estrela brilharia lá no céu.

Treze anos se passaram. Já não existe mais paixão. Já não existe mais desejo. Entretanto, mais ainda do que frustração: há o tédio! Tédio de ver que a presidência não mudou de rumo, nem de rota.

Não vou cometer a insanidade, bárbara e absurda, de pedir a volta de FHC. Embora, hoje, acho que ele era menos tedioso do que Lula. Nunca pensei que um dia votaria no PSDB contra o PT. A presidente Dilma conseguiu essa façanha…

Tinha razão Lispector: “A felicidade dói!”.  A decepção também dói mais ainda…

Francisco Edilson Leite Pinto Junior é professor, médico e escritor.

* Texto republicado 11 anos depois com correção dos dois últimos parágrafos.

Compartilhe:
Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. Maria Valeria Bezerra diz:

    Muito interessante essa reflexão, mas vamos continuar buscando a “construção” de um Pais justo, solidário e digno em todos os sentidos! Está em nossas mãos!

  2. Inácio Rodrigues diz:

    Essa reflexão está contaminada pelo corporativismo médico e está longe de representar a verdade. Infelizmente a classe medica caminha pra se transformar na vanguarda do atraso, defendendo o próprio umbigo, e “esquecendo” as enormes, enormes mesmo, conquistas sociais. É Dr. Francisco Edilson, decepção dói mesmo…

    • RCA diz:

      Concordo com a sua opinião,Inácio. Toda a ira da classe médica tem inicio com a implantação do Programa Mais Médico o qual foi criado para atender essa população abandonada/marginalizada pelos poderes públicos; prevenindo ou solucionando os problemas de saúde da população lá nos rincões do interior, lá nas periferias dos pequenos, médios e grandes centros urbanos, vai faltar paciente doente, certamente traz prejuízo para a cadeia constituída por rede de hospitais, clinicas e cooperativas médicas, laboratórios etc. etc. Cadê o juramento de Hipócrates “manterei o mais alto respeito pela vida humana, desde sua concepção”. É MUITO TRISTE

  3. FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    Como se dessume da narrativa do texto habilmente construído, as polidas palavras do médico, escritor, professor e ser político FRANCISCO EDILSON, de forma nenhuma conseguem disfarçar o desembarque do autor nas águas do antipetismo tão comuns nesse efervescente, passional e turbulento período de campanha política/ eleitoral.

    Nesse talante, inobstante a polidez de suas colocações, frases e máximas de outros autores muito bem utilizadas, oportuno contatar que, o autor não consegue disfarçar também o preconceito e o deletério lugar comum, tão disseminado e engendrado pela nossa irresponsável, venal e golpista mídia, como se constata nas frases pinceladas e transcritas a seguir:

    “a classe médica a votar naquele operário, carrancudo, que tinha dificuldade de rir, que se vestia ainda com macacão, com a barba e cabelos mal cortados, que viajava em “pau de arara”, expandindo esperanças pelo país.”

    “Lula após ganhar a presidência mudou: vive rindo, vestindo ternos “Giorgio Armani”, bebendo champanhe francês, adora um avião e adora o poder. Não sei pra que? Será que ele não tinha mudado antes da eleição? A paixão é cega!

    Por mais que alguns ditos intelectuais não queiram admitir, o país vive e vivencia indiscutíveis mudanças sociais, políticas e econômicas que favorecem os historicamente excluídos, mudanças essas que ao fim e ao cabo, em perspectiva inevitavelmente irão atingir interesses historicamente estabelecidos e que durante séculos manteve o país dividido entre a casa grande e a senzala e, mais ainda, sem nenhuma perspectiva de que a maioria que faziam parte da base da pirâmide social, tivessem, de fato, quaisquer possibilidades reais de ascensão social.

    Nesse contexto, oportuno ressaltar o uso e abuso de parte da grande imprensa no que diz respeito a manifesta e sistemática onda do denuncismo político eleitoral que se faz, sobretudo no período de campanha eleitoral, no desiderato único de desestabilizar governos, aniquilar reputações e viabilizar de qualquer maneira o projeto da velha direta na sua volta ao poder institucional, da qual foi retirada democraticamente pelo voto a cerca de 12 (DOZE) anos.

    Nesse contexto, tivemos o escrachado e manifesto uso do Judiciário quando do indiscutível JULGAMENTO DE EXCEÇÃO a que foram submetidos alguns petistas e a cúpula do PARTIDO TRABALHADORES, no que denominaram mensalão, na realidade a chamada prática do caixa 02 (DOIS), conhecida, utilizada e de uso e do abuso por parte de todos os partidos, mais ainda eschachadamente utilizada pelo PSDB em todas as lições de que participou e, sobretudo quando da compra de votos pelo pelo PSDB, compra de votos essa, que possibilitou a mudança da Constituição da Republica e , por conseguinte a reeleição do óciologo FHC, sem que à época, o Ministério Público , O Judiciário e nossa conhecida e velam mídia golpista dessem um pio a respeito.

    Não conheço pessoalmente o missivista, e, portanto seria leviano de minha parte, afirmar que a sua crônica que manifesta decepção e desalento com o PT, os governos do PT e os destinos do país, teria a ver diretamente com a implementação do mais médicos. Não obstante grande parte da categoria médica do nosso país, continue imersa em seu conhecido e atávico espírito espírito de corpo que mais se confunde com espírito de porco à ignorar olimpicamente as demandas coletivas no campo, sobretudo da saúde preventiva em nosso país.

    Outro fator, que em tese, poderia ter levado o articulista a essa posição seriam fatos relacionados a corrupção e desvios de conduta ética e moral por parte de membros do Partido dos Trabalhador, no que, Data Vênia, mais ainda se torna de difícil analise sua mudança de leitura quanto ao partido dos trabalhadores, porquanto é de todos sabido que a chaga da corrupção em nosso país, perpassa todos os estamentos sociais, não ficando restrita à classe política como muitos intentam disseminar, mais ainda é uma questão de ordem cultural e, por conseguinte estrutural que demanda efetiva mudança de hábitos, costumes e de de posição de governo e sociedade.

    Nessa toada, o que constata é que desde 2002, sem discurso, sem qualquer projeto consistente de mudança à não ser a volta ao entreguismo e ao neolibelês que tantas agruras, fome e miséria trouxe ao povo brasileiro, o a oposição vive de denúncias. Não tem programa, porque busca esconder suas opções, materializadas nas ações do governo Fernando Henrique Cardoso. Seu projeto tornou-se o antipetismo simplesmente. Melhor seria retomar seu papel de proposição de um caminho alternativo para o Brasil. Quanto aos seus parceiros na mídia, além da afinidade ideológica que revelam com o discurso liberal, há algo mais rasteiro no ódio que alimentam por Lula e o PT. Não só o velho preconceito elitista. O problema é que os apóstolos do mercado se condoem da perda de sua importância com o desenvolvimento de novas mídias como a Internet, e sonham com um Estado que as restrinja. Os apóstolos do mercado não se conformam que o Estado brasileiro tenha, sob Lula, distribuído as verbas de propaganda do governo para mais de 1800 veículos em todo o país (contra perto de 200 veículos até então), diminuindo a porção que os donos do poder da mais concentrada mídia de todo o planeta abocanhavam do Estado. Os apóstolos do mercado na mídia não se conformam que o país discuta um novo marco regulatório, escondendo dos brasileiros que é somente por aqui que se permite a concentração ostentada pelo setor e a irresponsabilidade generalizada na manipulação de informações. Falam de Chaves e de Cristina Kirschner… Longe disto….Se a regulamentação da mídia no Brasil fosse aquela que existe nos EUA e nos países da União Européia, o poder manipulatório de nossa mídia tinha se esboroado há tempos.

    Por último, tenho que o autor, infelizmente como grande parte da chamada dita classe média brasileira não consegue disfarçar, que, há um sentimento contrário ao partido dos trabalhadores no Brasil, não só a partir dos jornalões e do monopólio da Rede Bobo de televisão, assim como manifestado principalmente por meio das redes sociais, blogs e outros meios interativos de comunicação. No caso, mesmo a despeito da chamada cortina de fumaça que representa o moralistas discurso anti-corrupção, fica evidente que a insatisfação em relação às gestões petistas é exclusividade da população de classe média do país, que, histoiricamente acostumou-se a ficar satisfeita “não pelo que tem, mas pela diferenciação com os outros”. “Essas pessoas veem como um absurdo o porteiro chegar de carro ao trabalho e se incomodam ao ficar atrás de um agricultor ou uma empregada doméstica em uma fila de aeroporto. Acham que pobre não pode ter carro, não pode andar de avião, não pode entrar em uma universidade”.

    Nisso tudo, Datíssima Vênia à opiniões dissonantes, efetivamente estamos vivenciando, de fato, um segundo período de libertação da escravidão, portanto determinados setores da sociedade e da nossa vida social, teimam em expressar em seu dia-a-dia a raiva “raiva dos acertos” do PT. “Eu diria, repito, que o Brasil está vivendo um segundo período de fim da escravidão. O povo passou a ter valores que não tinha. Se o sentimento viesse dos nossos erros, eu até me sentiria mais confortável. Mas não é assim.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
    OAB/RN. 7318.

  4. Soares diz:

    Inácio rodrigues: você disse tudo que eu penso em relação à categoria dos médicos que se transforma de fato na “vanguarda do atraso” com seus posicionamentos movidos tão somente pelo corporativismo cego e tolo.

  5. AVELINO diz:

    Parabéns, Dr. Francisco Edilson Leite Pinto Junior, por também reconhecer e desejar junto com essa maioria de brasileiros honestos um pais liberto do jugo dessa quadrilha que se apossou do poder só para saquear o nosso Brasil!!!

  6. Francisco Carlos diz:

    Eu não conheço um “médico” que fale bem do atual Governo. E isso tem explicação: Quando mexem no bolso dos “médicos”, Eles mostram logo as suas garras. Os “Médicos”, eles tem o mesmo pensamento dos tucanos, em primeiro lugar o dinheiro, depois o dinheiro, e depois o dinheiro…

  7. Afonso Magnus diz:

    Vc nunca foi PT. E agora como médico ta explicada a sua posição.

Faça um Comentário

*


Current day month ye@r *

Home | Quem Somos | Regras | Opinião | Especial | Favoritos | Histórico | Fale Conosco
© Copyright 2011 - 2024. Todos os Direitos Reservados.