Por Inácio Rodrigues
Nos muitos anos em que estou na Polícia, participei de inúmeras audiências públicas sobre segurança por várias cidades do interior do Rio Grande do Norte. A temática e os motivos para a convocação da audiência são sempre os mesmos.
Os comerciantes – aqueles que geram riquezas, empregos e fazem a roda do mundo girar – sentem-se prejudicados pelos constantes atentados ao seu patrimônio ( leia-se arrombamentos e assaltos), e apelam aos órgãos de seguranças, clubes de serviço e sociedade mais ou menos organizadas para que providências sejam tomadas em “caráter de urgência”. Em requerimento unânime, os vereadores aprovam a convocação do Secretário de Defesa Social, do Comandante Geral da PM e do Delegado Geral.
Às vezes chamam até o Presidente do Tribunal de Justiça e o Procurador Geral de Justiça. Claro que nenhuma destas autoridades vem. É longe. E na ausência de título honorífico, não vale a pena a viagem. Ficam os representantes. Logo são chamados o Juiz, o Promotor, o Comandante da PM e o Delegado da Polícia Civil.
Daí em diante o roteiro é o mesmo, praticamente imutável: O Vereador que tomou a iniciativa da convocação da audiência abre os trabalhos, faz relato superficial sobre o tema – não poderia ser diferente, pois não entende patavinas de segurança pública – e antes de passar a palavra ao Juiz, no júbilo de ser o autor de encontro tão importante, aproveita para elogiar o Prefeito, outros Vereadores e autoridades presentes.
Na próxima campanha tentará faturar eleitoralmente com o evento.
O Juiz, geralmente um jovem cheio de boas intenções, vai ao púlpito e dá o seu recado. Enumera dificuldades. Os Policiais Militares são em número pra lá de insuficientes, a Polícia Civil praticamente não existe, e blá, blá, blá. Diz ainda que os servidores do Fórum são poucos, e por isso, não consegue julgar, punir, fazer justiça.
O Promotor, num tom mais impositivo e otimista – também jovem, na maioria das vezes mulher – relembra os mandamentos constitucionais, recomenda o cumprimento da Lei, e arremata de forma lancinante: “O Ministério Público não ficará silente quanto a esse quadro de violência e tráfico de drogas. Tomares providências”.
No próximo dia útil, a guisa de providências, o Delegado receberá uma requisição do MP para instaurar um inquérito para apurar todo o narrado na audiência pública. Pronto. O Promotor já pode dormir tranqüilo. O MP tomou as providências necessárias.
O Comandante da PM é chamado. É o mais adestrado para os embates ocasionados pelos debates públicos. Explica que conta com três viaturas nas ruas, três motos, policiamento a pé, uma equipe de inteligência e garante que dentro de alguns dias, todo o quadro de insegurança será revertido. Os bandidos e traficantes serão presos, e a sociedade ficará finalmente segura. Palmas. Palmas.
Os mais empolgados e mais interessados – os comerciantes – logo oferecem ajuda extra a do Estado. Raimundo da padaria dará dez litros por semana, João do bar prometeu vinte litros e mais três lanches, e Francisco, sócio-gerente da livraria, e também presidente da CDL, garante, na presença de todos, a manutenção nas viaturas da PM. Serão cobrados. Todos agora esperam o pronunciamento do Delegado.
Com a sua fala, aliada a do Juiz, Promotor , Comandante da PM e a de inúmeras “autoridades”, todos os problemas de segurança daquele microcosmo estarão liquidados. A Autoridade Policial é ouvida atenciosamente. Todos esperam o discurso conhecido. É mais ou menos o do jogador de futebol que é entrevistado ao final da partida, “é, o importante foi o resultado, os três pontos somados, e o professor aprovou o trabalho”.
Não poderia ser diferente.
O Delegado assinala todas as boas características investigatórias suas e da equipe, assegura que nos próximos dias chegarão reforços mandados pela Secretaria de Segurança, e, concorrendo pelos aplausos com o comandante da PM, revela de pronto, a autoria daquele crime insolúvel ocorrido há três meses. Um dos acusados já está preso. Palmas. Muitas palmas.
O Comandante da PM fica puto, pois não esperava aquele lance magistral do Delegado.
No encerramento, o Presidente da Câmara realça a produtividade do encontro, lambe os bagos dos presentes, agradece a presença de todos, e tchau! Tá tudo resolvido. Até o dia seguinte…
– COPOM, alfa 2, assalto a mão armada no centro da cidade. Cinqüenta mil subtraídos… Dois elementos armados, pardos…
Inácio Rodrigues é bacharel em Direito e Delegado Regional em Pau dos Ferros
Parabéns meu amigo, enquanto lia seu artigo, me imaginava em uma das diversas audiências públicas que participei. Relatou tudo de forma perfeita e concatenada, não esqueceu nenhum detalhe. Como dizia o Imperador Romano Vespasiano, cujo nome completo era Tito Flávio Sabino Vespasiano – em latim Titus Flavius Vespasianus: “PÃO E CIRCO PARA O POVO”. Um Abraço.