• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 05/01/2014 - 10:39h

Pequenas lições para 2014

Por Gaudêncio Torquato

O ano que se inicia será um dos mais competitivos das últimas décadas. Principalmente na esfera da política. As razões apontam para o esgotamento do nosso modelo de fazer política, a partir de velhas práticas de campanhas eleitorais.

O desenho é carcomido pela poeira do tempo: são raros os perfis identificados com mudanças; formas de cooptação eleitoral inspiram-se nos eixos históricos do fisiologismo e do corporativismo, sendo tênue o engajamento do eleitor pela via doutrinária; os eleitos, de forma geral, acabam se distanciando das bases, deixando de lado compromissos assumidos; a representação parlamentar, em razão do poder quase absoluto do presidencialismo, torna-se deste refém, obrigando-se a repartir com o Poder Executivo funções legislativas; em decorrência da ausência de programas doutrinários, imbricam-se interesses de lideranças e partidos, não se distinguindo diferenciais entre eles, condição essencial para qualificar o voto.

A impressão final é de que o retrato desfigurado está a merecer urgente retoque, se não em todas as nuances da moldura, ao menos em partes que ofereçam aparência asséptica ao edifício político. Fichas-sujas, por exemplo, não podem continuar no mapa eleitoral.

Os ingredientes que entrarão na composição da nova tintura hão de absorver a química de setores e categorias mais participativas, exigentes e dispostas a enfrentar a resistência de defensores de obsoleta arquitetura política. É oportuno lembrar que o corte da pirâmide social não mais se assemelha a um triângulo estático.

Os lados que o integram, a partir da base, mostram-se dispostos a sair da letargia, depois de décadas convivendo com a batelada de vírus políticos. Os movimentos sociais e a ocupação das ruas, no ano que findou, sinalizam a intenção de reencontrar o tempo perdido.

A coletividade parece descer do céu da abstração para ser uma força na paisagem, fazendo valer sua determinação, princípios e valores voltados para qualificar a vida política.

O curto dicionário abaixo poderá servir de baliza para milhares de candidatos na tentativa de aprimorar suas relações com a comunidade nacional.

Estado e Nação – O Estado, infelizmente, está bastante distante da Nação com que os cidadãos sonham. A Nação é a Pátria que acolhe os filhos, que se irmana na fé e na esperança de um futuro melhor; é o habitat onde as pessoas constroem os pilares da existência, constituem o lar, prezam antepassados, cultivam tradições. O Estado é a entidade técnico-jurídica, com seu arcabouço de Poderes, pressionada por interesses díspares e dividida por conflitos. Aproximar o Estado da Nação, formando o espírito nacional, constitui a missão basilar da política. Essa meta precisa ser o centro da agenda do homem público.

Representação – A representação política é missão, não profissão. É a lição de Aristóteles. Resgatar o verdadeiro papel da política – trabalhar pela polis – significa clarificar o papel do representante, as demandas das comunidades, as soluções para a melhoria dos padrões da vida social. A política não é um balcão de negócios. As angústias urbanas expandem-se na esteira do crescimento populacional. As periferias não constituem massa de manobra para exploração por siglas, líderes popularescos e oportunistas. Carecem de ações de efeito duradouro, não de quinquilharias e coisas improvisadas. Migalhas poderão alimentar o povo por certo tempo, nunca por todo o tempo. Um representante do povo se preocupa com metas, programas permanentes, medidas estruturantes.

Identidade – A identidade é a coluna vertebral de um político. É a soma de sua história, de seu pensamento, de suas percepções e de seus feitos. Um erro, que o tempo corrigirá, é construir a imagem incongruente com a identidade. Camadas exageradas de verniz corroem perfis. Dizer a verdade dá credibilidade. Os novos tempos condenam a hipocrisia, a simulação. Corretos são conceitos como lealdade, fidelidade, coerência, sinceridade, honestidade pessoal e senso do dever.

Discurso – O discurso deve abrigar propostas concretas, viáveis, simples. E, sobretudo, factíveis. A população dispõe de entidades que a representam. Resta ao político procurar tal universo. O povo quer um discurso sincero. Promessas mirabolantes, planos fantásticos, obras faraônicas, de tão banalizadas, já não despertam interesse. Até as monumentais arenas esportivas entram na lista de suspeições.

Grito das ruas – O grito das ruas faz-se ouvir nos espaços dos Poderes em todas as instâncias. Expressam a vontade de uma nova ordem social e política. Urge abrir os ouvidos e a mente para interpretar o significado de cada movimento. Quem não fizer esse exercício sairá do cenário. Uma linguagem comum se forma nos centros e nos fundões do País. O povo sabe distinguir oportunistas de idealistas.

Sabedoria – Sabedoria não significa vivacidade. Mescla aprendizagem, compromisso, equilíbrio, busca de conhecimentos, capacidade de convivência, racionalidade. Não é populismo. “Espertos” que procurarão vender gato por lebre poderão ser cozidos no caldeirão do voto.

Transparência – A era do esconderijo está agônica. Esconder (mal)feitos é um perigo. A corrupção, mesmo dando sinais de sobrevida, é atacada em muitas frentes. Grandes figuras foram (e continuarão a ser) punidas. Denúncias sobre negociatas agora são objeto da lupa dos sistemas de controle. O público e o privado começam a ter limites controlados.

Simplicidade – Despojamento, eis um apreciado conceito. Lembrem-se do papa Francisco. Ser simples não é pegar crianças no colo, comer cachorro-quente na esquina ou gesticular para famílias nas calçadas. A simplicidade está no ato de pensar, dizer e agir com naturalidade. Sem artimanhas nem maquiagens.

Lição final do filósofo e sociólogo José Ingenieros: “Cem políticos torpes, juntos, não valem um estadista genial”.

Gaudêncio Torquato é jornalista, consultor político e de comunicação, além de professor titular da Universidade de São Paulo (USP)

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Categoria(s): Artigo

Comentários

  1. Inácio Augusto de Almeida diz:

    “– A era do esconderijo está agônica. Esconder (mal)feitos é um perigo. A corrupção, mesmo dando sinais de sobrevida, é atacada em muitas frentes. Grandes figuras foram (e continuarão a ser) punidas. Denúncias sobre negociatas agora são objeto da lupa dos sistemas de controle. O público e o privado começam a ter limites controlados.”
    Não aplicável a um país chamado Mossoró.
    /////
    A HISTÓRIA NÃO PASSA DE UM MAR DE MENTRIAS.
    Inácio Augusto de Almeida

  2. fernando ff diz:

    Suas lições nos leva a compreender os motivos que levaram Sandra Rosado e Fatima Bezerra a se unirem na eleição passada.Medo do novo, Josivam Barbosa. Fatima com medo do surgimento de uma nova liderança dentro do PT, sua propriedade particular e Sandra com medo de alguém que viesse trazer problemas futuros dento da senzala mossoroeense.
    Só o fisiologismo é capaz d entender essas duas figura que usam e abusam dos seus.

  3. eduardo mourão diz:

    Um texto excelente. Mas irreal. Fora da realidade brasileira lamentavelmente, Está faltando sangue novo na politica do nosso país. Nao se renova de jeito nenhum. Quem é o vice presidente do BRASIL ? Quem preside o Senado federal ? Quem é o Presidente da Camara Federal ? Sem falar nas oligarquias estaduais. Repito bom texto, mas uma tremenda utopia, até pq o povão elege um presidente por 200 reais mensais. Bolsa familia. Estagnamos. A pura realidade.

    • RC 50 diz:

      Eduardo,o Bolsa Família não é só distribuição de dinheiro,vá mais fundo nos programas de proteção social do Governo Federal e você vai ver que não é bem assim,os adversários de Dilma e Lula criticam esses projetos mas compram votos em troca de 200 reais,prótese dentária,Sexta básica e outras porcarias,vá mais fundo no assunto e você vai ver o PRONATEC,MINHA CASA MINHA VIDA,desoneração fiscal e outras cositas mas!É só!

  4. Inácio Augusto de Almeida diz:

    A grande lição que ficou de 2013 foi que DINHEIRO E PEIA não mais resolvem nada..
    Dinheiro não resolve porque se comprar votos a justiça anula o resultado da eleição.
    Peia, muito menos, já que somente os imbecis acreditam que através da violência se possa chegar a algum lugar.
    A única coisa que resulta da violência é a revolta.
    Se peia resolvesse até hoje ainda existiriam escravos no Brasil.
    Mas muito insistem e persistem apegados a métodos totalmente ultrapassados no tempo e no espaço e chegam a lembrar personagens do Jorge Amado.
    Não entendem que a época das famílias tradicionais se orgulharem de ter um Padre, ou um Oficial do Exército ficou para trás.
    Padres, Oficiais do Exército, Médicos e Engenheiros hoje existem em todas as famílias, tradicionais ou não.
    Tornou-se corriqueiro encontrar filhos de carroceiros, lavradores e operários dentro das universidades.
    O mundo mudou, mas disto os velhos caciques da política não se deram conta.
    E tal qual o velho apache, sonham em continuarem dominando as campinas onde vagueiam os espíritos dos seus antepassados, esquecendo-se da cavalaria que sempre chega e tudo resolve em favor dos caras pálidas.
    Por não aceitarem o mundo novo, mundo que não mais permite o controle da opinião através da compra da mídia tradicional, já que a internet a tudo atropela, enclausuram-se em redomas e passam a viver num mundo de fantasia onde o tempo permanece parado e as pessoas estáticas.
    Raciocinam neste 2014 da mesma maneira que faziam em 1990, não considerando que no quartel que se passou o mundo se transformou.
    Hoje a cada quatro horas ocorre uma grande mudança.
    Coisa que há 25 anos só ocorria a cada 9 horas.
    Se voltarmos no tempo, veremos que 300 mil anos se passaram para que o homem do fogo chegasse à roda.
    Em apenas pouco mais de meio século o homem foi do aeroplano aos voos espaciais.
    Infelizmente nada disto toca os caciques tupiniquins que comandam a política no Nordeste brasileiro.
    Sonham com a predominância dos seus grupos por mil anos.
    Tal qual Hitler, que sonhou com o Reich dos mil anos, não conseguem enxergar o ocaso que chega e traz consigo o negrume da noite e a vala do esquecimento em que mergulharão para o todo e sempre.
    E com eles levarão as amarras que travam o desenvolvimento de todo um povo.
    Ainda bem.
    ////
    OS HOMENS SÃO DINÂMICOS E SE MODIFICAM NUMA VELOCIDADE IMPRESSIONANTE.
    Inácio Augusto de Almeida

  5. Naerton Soares diz:

    Um dos melhores artigos lidos.

  6. Carlos Andre diz:

    Vi hj na net:

    Dom , 05/01/2014 às 06:52
    Só 8% dos municípios arrecadam mais do que gastam.
    Rodrigo Burgarelli | Agência Estado

    SERÁ QUE DA PARA O BRASIL IR PARA FRENTE DESSE JEITO!

    E AINDA TEM PREFEITO GASTANDO EM TODO TIPO DE BESTEIRA.

    • Inácio Augusto de Almeida diz:

      Caro Carloi André
      Na Itália o governo adotou um programa de reversão e mais de mil municípios retornaram à condição de distritos, Resultou numa economia gigantesca para os cofres públicos italianos. Menos mais de mil prefeitos, menos mais de uma dezena de milhares de vereadores e várias dezenas de milhares de assessores e servidores públicos municipais.
      A economia italiana respirou aliviada.
      Há anos existe no Congresso Nacional uma PEC que trata da reversão de todo muncípio brasileiro que tenha menos de 20 eleitores e não possua renda própria para se manter.
      Só que o projeto está engavetado há mais de 10 anos.
      Não interessa aos deputados e senadores o fim dos pequenos municípios, verdadeiros currais eleitorais, onde o prefeito é o Capitão dos Votos.
      E assim a coisa continua do jeito que o diabo gosta.
      Os contribuintes?
      Os contribuintes que se lixem de pagar tantos impostos.
      Basta dizer que há dez anos quem ganhava 6 salários mínimos não pagava Imposto de Renda. Hoje, quem quem ganha pouco mais de 2,6 salários já sofre a dentada do Leão. Breve os recebedores do Bolsa Família pagarão Imposto de Renda.
      E explico:
      Para uma inflação anual de 8% a tabela do IR é corrigida em 4,5%…
      Isto não pode continuar.
      Como não pode continuar esta ruma de vilarejos com prefeitos e vereadores, etc.
      ///
      ESTÃO TRAMANDO A “TROCA” DO NOGUEIRÃO POR UM CAMPINHO DE FUTEBOL.

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