Por Marcos Araújo
[…] as palavras se propõem aos homens como coisas a decifrar. […] – Michel Foucault
Desde a criação pelos sumérios da escrita pictórica em cavernas, cerca de 8.000 anos a.C., a linguagem tem sido o maior recurso evolutivo-civilizatório da humanidade. É ela a base da comunicação, entendimento e cultura de todos os povos e nações, especialmente nesses tempos de internet e novas tecnologias.
O poder simbólico da linguagem é referendado no milenar dito popular “a palavra tem poder”. Aliás, a afirmação do poder da palavra tem uma justificativa histórica judaico-cristã, porque Jesus foi intitulado como “o verbo encarnado de Deus”; o cumprimento da “palavra de Deus” (v. João 1:1-2); “a palavra de Deus se tornou homem e habitou entre nós” (João 1:14).
Enfatizando o valor da palavra, o cineasta alemão Wim Wenders gravou um documentário chamado “Papa Francisco, Um homem de palavra”. O filme é uma obra sobre as palavras fundamentais que as ideias do Papa Francisco permitem promover: gentileza, inclusão, humorismo, solidariedade, laços familiares, paz, proteção do ambiente, sobriedade e justiça.
Segundo o filósofo francês Michel Foucault, “Na sua primeira forma, quando foi dada aos homens por Deus, a linguagem era um sinal das coisas absolutamente certo e transparente, pois que se lhes assemelhava. Os nomes eram colocados sobre o que eles designavam, assim como a força está escrita no corpo do leão, a realeza no olhar da águia, a influência dos planetas marcada na fronte dos homens: pela forma da similitude.” (Foucault, As palavras e as coisas, 2002, p. 90).Para melhor estudar o sentido da palavra, a ciência linguística tem divisões (semântica, sintaxe, morfologia, fonética …) visando identificar formação, origem, estrutura, signo etc. A Semântica, por exemplo, cuida do estudo do significado das palavras, enquanto a Etimologia estuda a origem delas.
Contudo, nem sempre a palavra expressa contextualmente o mesmo significado na linguagem. Seu sentido pode se perder ao longo do tempo, destoando seu uso e valor da vivência social e comportamental. Para contextualizar com o presente, trago à lembrança as palavras “Quaresma” e “Quarentena”. As duas foram desconstruídas do seu sentido semântico ao longo da história.
A Quaresma, instituída pelos primeiros cristãos, denomina o período de 40 dias entre o Carnaval (Quarta-feira de Cinzas) e a Páscoa. Nesse período, os católicos são convidados ao jejum, oração e caridade, se preparando para a ressurreição de Jesus. O número de quarenta dias tem um significado simbólico-bíblico: quarenta são os dias do dilúvio; da permanência de Moisés no Monte Sinai; das tentações de Jesus…
Quarentena, por seu turno, significava o período de quarenta dias em que todos os barcos deveriam ser isolados antes que passageiros e tripulantes pudessem desembarcar durante a epidemia da peste negra nos séculos 14 e 15.
Ainda que tenham significados históricos diferentes, as duas palavras (quaresma e quarentena) têm o mesmo radical etimológico. A primeira, vem do latim “quadragésima”, 40 dias. A segunda, do Italiano “Quarantina”, conjunto de quarenta, ou do latim “quadraginta”, quarenta.
Outra comunicação simbólico-histórica das duas palavras vem do resultado de suas práticas: tanto a Quaresma como a Quarentena foram instituídas para a purificação do corpo e a salvação do homem.
A Quaresma, como prática obrigatória, vem do século IV, mas, desde sempre, os cristãos se preparavam para a Páscoa com oração intensa, jejum e penitência. Já foi um tempo profundo na Igreja católica de oração, penitência e caridade. Foi perdendo seu sentido e sua vivência com o tempo.
O jejum passou a ser de abstinências pontuais com finalidades até estéticas e de dietas (doces, álcool, refrigerantes, guloseimas etc). O momento de oração da “Semana Santa” foi adaptado, virou um grande feriadão, com público reduzidíssimo nas igrejas e superlotações em pontos turísticos e lugares da moda. A caridade, bem simbolizada pela Campanha da Fraternidade, criação da igreja brasileira pelo bispo acariense Dom Eugênio de Araújo Sales, foi sequencialmente esvaziada em sentido e práticas.
Coincidentemente, a Campanha da Fraternidade deste ano (que passaria despercebida, como sempre, de uma maioria dos católicos), tem como tema “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso” e lema: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10, 33-34). Esta passagem bíblica, em especial, fala da parábola do “Bom Samaritano”. Relembrando a parábola, Jesus conta que um homem estava ferido e largado à beira da estrada. Passaram por ele um sacerdote e um levita, membros da elite judaica, e o ignoraram. Um samaritano, um homem sem fé e impuro para os judeus, o que faz? Viu, sentiu compaixão, misericórdia e cuidou dele.
Voltemo-nos para a história, quanto às Quarentenas humanas. Não são comuns, mas não se constituem novidades. São conhecidas desde o Século XIV. Elas sempre remetem ao mesmo princípio utilitarista: a proteção da coletividade. Sempre representaram os mesmos problemas: saúde coletiva, crise econômica, tensão entre diversos interesses, supressão de direitos individuais etc.
Nesse ponto, em tempos de coronavirus, Quaresma e Quarentena são palavras que se autocomplementam, se ressignificando. Voltando a Foucault, “Se a linguagem já não se assemelha imediatamente às coisas que denomina, nem por isso ela se apartou do mundo; continua, sob outra forma, a ser o lugar das revelações e a fazer parte do espaço em que a verdade simultaneamente se manifesta e se enuncia”.
Se a Quarentena pode ser a salvação do corpo (físico), a verdadeira Quarema pode trazer a Salvação da alma (do espírito).
Aqui no Brasil, as ordens estatais de isolamento social são também quarentenas. Descumpridas desditosamente e criticadas por muitos. As pessoas não querem ficar em casa, mas até a inação significa proteção, sendo uma prova de bom senso e solidariedade.
Desestruturado, o Poder Público (Nação, Estado e Município) não tem como cuidar dessa pandemia. Não tem recursos humanos e materiais para tanto. A sociedade civil, ao revés, em muito pode contribuir.
A salvação da Quarentena deve vir da caridade, exigência da Quaresma. É preciso ressuscitar a prática da caridade para que o corpo e a alma sejam salvos. A caridade não nasce na semântica nem na etimologia, ela nasce no coração humano que se abre para amar o outro.
Numa passagem bíblica, um doutor da lei propôs a seguinte questão a Jesus: “Mestre, qual o grande mandamento da lei?” A resposta de Jesus: “Amarás o senhor teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma, de todo o teu espírito. Esse o maior e o primeiro mandamento. Eis o segundo, que é semelhante ao primeiro: amarás o teu próximo, como a ti mesmo. E acrescentou: toda lei e os profetas se acham contidos nesses dois mandamentos.” (Lc 10, 27-29)
Como é fácil perceber, Jesus sintetizou a lei e todos os ensinos dos profetas nestes dois mandamentos: amar a Deus e ao próximo. Certamente, Jesus falava do amor como sinônimo de caridade, pois na sequência da resposta Ele narrou a parábola do bom samaritano.
São Paulo bem entendeu o propósito do Cristo de assemelhar o amor à caridade, redigindo uma linda carta aos Corintos (Capítulo 13), sendo esse um texto padrão para leitura nos matrimônios católicos. Parece-nos que “caridade” e “amor” são palavras sinônimas, de radicais etimológicos diversos.
Dizia S. Agostinho: “A Caridade uma vez nascida, cresce; uma vez crescida, fortifica-se; uma vez fortificada, aperfeiçoa-se”. A caridade é vivida no “entre” amoroso que se estabelece entre aquele que sabe receber e aquele que sabe dar sem pensar. Não há lugar certo ou definitivo entre estas duas posições, pois a caridade circula assim como a falta e a necessidade. Em um dia, podemos dar e, no outro, podemos estar precisando receber…
A caridade eleva à santidade. Em tempos de calamidade na saúde, lembremo-nos de nossa querida Santa Dulce dos Pobres, canonizada recentemente, e de Madre Tereza de Calcutá
Sabemos que faltarão nos próximos dias remédios, leitos de UTI, alimentos, empregos, tudo por causa da Quarentena. Como antídoto, que não nos falte amor e caridade com o próximo, fruto da Quaresma! Já estão fechados o comércio, escolas, igrejas, por força da Quarentena. Que não fechemos a porta do nosso coração, por onde entra a força da nossa fé n´Aquele que está sempre conosco, e que tudo pode fazer por nós, como evento e dever obrigatório da nossa Quaresma.
Em tempos de palavras vãs, fluídas e de medo, fortaleçamos nossa Quaresma, para que possamos obter a graça da salvação dessa Quarentena!
Marcos Araújo é professor e advogado
Com a maestria de sempre, hoje vc nos deu uma boa lição do que o mundo está vivenciando, por incrível que pareça através de uma minúscula partícula que a olhos nus o homem não consegue detecta-lo, a ciência só consegue ve-lo através de lentes possantes dos microscópicos. É, amigo estamos marchando a passos largos para o Apocalipse anunciado, pena que poucos crêem.
P. S. Grato por me arremeter as aulas recebidas pelos professores do Diocesano e Seminário Santa Terezinha, através de Pe. Alcir, Pe. Alfredo e Dom José Freire, dos quais recebi a noção da nossa línguamãe o latim e do nosso irreverente português.
Em um momento tormentoso e impar na história do país chamado Brasil, e que ainda ressoa e ecoa em nossos tímpanos o chamado e a quase intimação à autocrítica tão exigida e propalada com relação ao Partido dos Trabalhadores e seus eleitores. Diga-se de passagem por todos àqueles, inclusive alfabetizados, doutores e supostos indignados com a crise econômica e a corrupção que segundo eles, estava construir um País e uma Nação Terra Arrasada.
Ao lermos o artigo acima em sua larga e cínica semântica religiosa, temos uma só certeza, o autor vive num mundo à parte, onde a governança maior de um povo só está fadada merecer críticas se for de um espectro político ideológico que não da sua predileção.
Tal e qual um Pastor evangélico, o autor do artigo acima reverberado foge de uma realidade política e social que deveras ajudou a construir. Para tanto, habilmente se utiliza de um diversionismo retórico no plano religioso, mais ainda potencialmente fadado passar despercebido por quem eventualmente possa ler e analisar suas reais intenções de orador e escriba.
Quem não lembra da postura do Advogado, cidadão e professor universitário Sr. MARCOS ARAÚJO, quando da efervescente ebulição política, social e econômica ao tempo da governança do Partido dos Trabalhadores, tempo esse em que, era um dos da linha de frente, especialmente como Jurista de Plantão.
Posto que à época, era, não só partícipe direto da campanha pela imediata deposição da Presidente Dilma Vana Roussef, era só o que se podia demarcar e constatar dos largos incisivos artigos semanais escritos através deste Blog.
Denota-se que à época, o Sr. MARCOS ARAÚJO, dentre outros juristas, Promotores Públicos, Juízes etc, destacava-se como exímio investigador acerca deste e (ou) daquele crime de responsabilidade porventura cometido pela Presidenta da República: DILMA VANA ROUSSEF.
Noutro vértice, o atual mandatário do Pais que atende pelo nome; JAIR MESSIAS BOLSONARO, ATUAL PRESIDENTE DA REPÚBLICA, cuja eleição tem a digital do Sr. MARCOS ARAÚJO. Denota-se que, dia pós dia o Sr. JAIR MESSIAS BOLSONARO faz questão do cometimento claro e inconteste de vários crimes, inclusive o crime de responsabilidade.
Todavia, quando de atenta e percuciente leitura do artigo acima enumerado, não se enxerga uma palavra, uma frase mesmo que indireta, uma vírgula, um enunciado sequer acerca da nossa tormentosa, crua e trite realidade. Repise-se, para a qual o eleitor majoritário do atual Presidente, deveras contribuiu e está à contribuir mais ainda, quando tenta, através de uma hábil diversionismo retórico, deveras escamoteá-la…!!!
Nesse momento, me associo ao crivo/enunciado da frase escrita pelo grande brasileiro: GUIMARÃES ROSA.
“EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA”
Um baraço
FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARAÚJO.
OAB/RN. 7318.