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domingo - 07/06/2020 - 06:22h

Respeite-se a Coleção Mossoroense

Por Marcos Ferreira

Quando dei meus primeiros passos nessa difícil jornada da literatura, “eu era apenas um rapaz latino-americano”, um mossoroense de súbito apanhado pelo feitiço das palavras. Mas não fazia ideia do quanto penoso era (e continua sendo) subsistir como literato em Mossoró. Pois aqui, infelizmente, e desde sempre, toma-se por cultura, na esteira de insânias outras, a poluição sonora, a promíscua fuzarca dançante protagonizada por bandas de forró coprofílico na Estação das Artes, espaço este que não honra tanto, como se sugere, a memória do poeta repentista Elizeu Ventania.

Em mais um exemplo, resumem nossa expressão artística a grandiosos e pirotécnicos shows teatrais no patamar da São Vicente. Tais shows, verdade seja dita, possuem seus méritos, fazem jus aos patrocínios que obtêm. Todavia, projetos caça-níqueis, como os famigerados carnavais fora de época, abocanham consideráveis cifras do erário e de certas empresas que se vendem como sensíveis ao engrandecimento da cultura desta cidade farsesca.Enquanto isso, na Sala de Injustiça, ignora-se solenemente — tem sido assim desde os primórdios — a indiscutível importância de uma batalha abnegada, de fato louvável, em favor da nossa arte e literatura. É o que ainda nos oferece, a duras penas, a Coleção Mossoroense. Trabalho hercúleo (dane-se o lugar-comum), pensado, regido e nutrido até o seu último fôlego por um homem pertinaz, incansável, que empenhou a vida para que essa Coleção vivesse.

Mais que um mecenas, Vingt-un Rosado foi um lutador, um Dom Quixote que enfrentou todas as probabilidades de fracasso, todo o descaso, insensibilidade e mesquinhez de um Executivo e de um Legislativo que apregoam, entre outras anedotas, trabalhar pela educação, arte e cultura deste país de Mossoró.

Alquebrada, ferida de morte pela inanição financeira, a Coleção Mossoroense ultrapassa os setenta anos no limite de suas forças. Sua existência está por um fio. Isso é uma lástima, representa uma nódoa inamovível, uma vergonha para esta cidade.

É imoral que uma obra de fato imprescindível, relevante para a nossa cultura, seja tratada assim, com frieza, menosprezo. Respeite-se a Coleção Mossoroense! Respeite-se o legado e a memória de Vingt-un!

Ao contrário do que ocorre em Mossoró, mesmo em estados e cidades com menor arrecadação fiscal, vemos prefeituras e secretarias municipais e estaduais de cultura incentivando os seus escritores de forma respeitosa, efetiva. Portanto, devido a tanta insensibilidade, tanto desdém, descaso, sinto que estou malhando em ferro frio, pregando no deserto, produzindo literatura em uma terra em que os donos dos erários municipal e estadual não dão a mínima para o trabalho do homem de letras, não se interessam por assistir nem concorrer para a fomentação e relevância da literatura.

Ache ruim quem quiser, abomino esse expediente vergonhoso que os governos, empresas e organizações adotam perante a Coleção Mossoroense. Colocam em menor conta os esforços vingt-unianos que já foram empreendidos para fecundar e promover o surgimento de novos valores no universo desta província iletrada.

Vingt-un, acrescento, foi um bravo, um guerreiro.

É incrível como reuniu tanta força, tanta perseverança para carregar essa Coleção nas costas durante décadas a fio. Um homem desses, ouso asseverar, merece uma estátua monumental em praça pública. Quem sabe em algum ponto da Praça Rodolfo Fernandes (popularmente conhecida como Praça do Pax, hoje extirpada de árvores, de sombra, reduzida a concreto e cerâmica), que tem servido muito mais para depósito de fezes e recreio de pombos.

Nada contra os columbiformes.

Marcos Ferreira é escritor

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Categoria(s): Artigo / Cultura

Comentários

  1. Fernando n diz:

    Já que não existe praticamente homenagens a família Rosado na cidade , sugiro que seja erguida uma estátua um pouco maior da de Santa Rita da cidade de Santa Cruz. Pra que o dr não seja esquecido.

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Prezado Fernando, boa tarde.
      Vejo agora seu comentário neste espaço e acho justo e oportuno respondê-lo, tanto em atenção ao seu ponto de vista (com o qual concordo parcialmente) quanto por atenção aos leitores deste prestigiado Blogue. Pois bem. Julgo pertinente sua observação (irônica, e a ironia é uma sutileza argumentativa que me agrada) sobre a enxurrada de homenagens a tantos membros da família Rosado em Mossoró e até fora dela. Em muitos momentos, inclusive livro, também bati nessa tecla. E não foi um Control-C, Control-V. Consigo pensar sozinho, “fora da caixa”, como se diz. Propus a história da “estátua” para Vingt-un por acreditar que ele, ao contrário de certos Rosados espertalhões da política, fez por merecer. Como escritor, quando eu não tinha possibilidade alguma de me expressar enquanto aspirante a literato, poeta, etc., Vingt-un reconheceu meu quase microscópico talento à época e me abriu as portas da Coleção Mossoroense, a ponto de me auxiliar financeiramente para editar meu primeiro livro. Então, prezado Fernando, não posso generalizar e negar as qualidades e méritos que esse homem apresentou ao longo de sua jornada à frente da Coleção e em favor, especialmente, das letras mossoroenses. Não fui o único que contou com o apoio dele naqueles começos no manejar da escrita. Quanto ao detalhe da “estátua”, suponho que foi precisamente este o motivo da sua bem-vinda crítica. Assim mesmo, confiando no seu bom senso e sensibilidade, você há de convir que Vingt-un, que não era político, não ao menos no âmbito partidário, merece consideração e reconhecimento. Por todo o trabalho que realizou durante décadas à frente da Coleção, entre outras coisas que estimularam a nossa literatura..
      Cordialmente,
      Marcos Ferreira.

  2. Fernando n diz:

    Na praça do pax , evidentemente.

  3. Lauro diz:

    Lembro-me sobre um texto de Dix-sept Sobrinho acerca de um escorpião. Esse texto do Marcos Ferreira me fez lembrar do artigo de Dix-sept. Os tempos mudam. Os discursos também. Segue o exercício na Terra da Liberdade e dos discursos.

    • Victor diz:

      A vida é assim, Lauro. Em Heráclito: “as águas não as mesmas, as pessoas não são as mesmas”. O amadurecimento permite-nos olhar para trás e reconstruir pontes. Não tenho procuração do autor, nem conheço o texto de Dix-sept ao qual você se refere, mas imagino do que se trate. Deve-se sempre reconhecer e valorizar as mãos estendidas para a paz.

  4. Fontes diz:

    O texto de Marcos Ferreira é um texto de um verdadeiro escritor. Mossoró precisa valorizar Marcos Ferreira o mais rápido possível. É inadmissível que um escritor do porte dele fique no anonimato. Um grande poeta, ensaísta, crítico literário e cronista. Marcos, que abrilhantou as páginas de O Mossoroense, precisa de reconhecimento de todos, inclusive da Prefeitura Municipal. A valorização dos escritores locais é precária. Ninguém fala de autores locais. Simplesmente eles parecem que não existem e esse texto de Marcos, nosso Machado de Assis, deve chegar a todos, para que essa venda caia dos olhos da administração municipal. É inconcebível que uma cidade como Mossoró negligencie seus autores. Com toda razão nosso Machado de Assis. É preciso valorizar os escritores. E melhor divulgá-los. Parabéns, Marcos, pelo texto, apesar de eu não entender algumas palavras aí, porque meu repertório é parco, mas “tá valendo”!

    • Marcos Ferreira de Sousa diz:

      Meu caro Fontes, boa tarde.
      Fico feliz que tenha compreendido (apesar do risco que corri enaltecendo o trabalho de um membro da família Rosado em favor de nossa literatura) o intuito do meu artigo. Quanto à sua visão acerca do meu trabalho e história nesta silenciosa oficina das palavras, sinto-me agradecido, gratificado. São depoimentos como este seu que nos levam a confiar que a literatura é um sonho possível e que vale a pena. Portanto, deixo-lhe um forte abraço e a minha gratidão.
      Atenciosamente, Marcos Ferreira.

  5. Rob diz:

    As universiades nao deverism reclamar e cuidar do acervo? Chame-se a ufersa cuja dívida com o Sr. Rosado é inegável

  6. Cai o César Muniz diz:

    Três das minhas paixões em um só texto: Marcos Ferreira, um dos maiores escritores desta “terra de Santa Luzia”. Tão grande quanto esquecido; a Coleção Mossoroense, esta que foi durante muito tempo minha casa e minha causa. Tão esquecida por esta elite borra-botas de Mossoró, que não vejo onde alimentam as suas “CUlturas”, por fim, Vingt-un Rosado, que não tem culpa pelo seu sobrenome, mas que honrou sim, Mossoró e sua história. Apesar do tom irônico do amigo aí acima, defendo a estátua de Vingt-un em praça pública. Mossoró perdeu muito quando perdeu Vingt-un. Faz uma falta danada à cultura e, principalmente às letras desta cidade e do próprio Estado.

  7. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Vingt-un Rosado foi o maior incentivador da cultura Mossoroense. Viveu para os livros e pelos livros na esperança de trazê -los a todos num impulso ardente ao conhecimento. Essa foi a sua luta. Incentivava a escrita e a leitura. Magnânimo, jamais norteou seu ideal buscando benefício próprio. A moeda não lhe atraía, o saber sim. A Coleção Mossoroense é a alma do 21⁰ dos Rosados. Mais importante do que uma estátua, sugerida ironicamente ou não. Há quem não conheça Vingt-un Rosado. Perde por desconhecer. Por outro lado, me levanto quando vejo críticas à uma família que tanto fez por essa cidade… e tem mais. Mesmo que todos os Rosados não merecessem elogios, conheço alguns que por si só, jamais poderiam ser esquecidos, basta que olhem para o rio Mossoró. Para bom entendedor meia palavra basta. E, finalmente, diante de meu tio Vingt-un Rosado, eu ficaria de joelhos.
    Parabéns, Marcos Ferreira por trazer à tona a sobrevivência da Coleção Mossoroense. Salve!

  8. ERIBERTO MONTEIRO diz:

    Respeitem a Coleção Mossoroense sim. Um selo editorial com 70 anos de existência e mais de 5 mil obras publicadas. Que tem no seu acervo algo em torno de 120 mil exemplares publicados pelo suor e lágrimas de muita gente. Que tem o conhecimento, a historiografia e personalidades em suas páginas como fonte de estudo e transformação de uma sociedade carente. Respeitem a Coleção Mossoroense, pela pessoa de Vingt-un Rosado. Um abnegado que deixou um legado jamais vistos nesta região. Respeitem a Coleção Mossoroense que, de pires na mão, roga pela sua subsistência. Respeitem a Coleção Mossoroense. Pela sua referência como tesouro informativo, como berço dos escritores e como representante de uma cultura que pede por uma maior valorização das suas riquezas artísticas, literárias e humanas. Respeitem a Coleção Mossoroense.

  9. Fernando n diz:

    Quando será que Mossoró vai lembrar desses : Padre Sales Cavalcante, professor Ataulfo , Raimundo Soares de Souza(preocapdo com a educação do povo mossoroense) João Batistas C .Rodrigues,professor Soares , etc? Será que não são merecedores? Tem muitos que me foge a lembrança.

    • Victor diz:

      Muito bem lembrado. O fato de existirem uns não deve desmerecer homenagens que se façam a outros. Por que não faz você o texto de reconhecimento? Tenho certeza que haveria espaço para publicação.

  10. Naerton Soares diz:

    Parabéns grande Marcos Ferreira de Sousa, infelizmente essa terra que se jacta de ser “TERRA DE CULTURA”, tanto que queria ser a Capital da Cultura, não reconhece os seus merecedores de respeito mormente no campo da verdadeira cultura, a exemplo da COLEÇÃO MOSSOROENSE que já deveria ser patrimônio da terra de Santa Luzia, então se o Poder Executivo assim não se propõe que tal a Câmara de Vereadores propor projeto para que a COLEÇÃO MOSSOROENSE passa a integrar o patrimônio de Mossoró?

  11. Lúcia de Fátima Cabral Rocha diz:

    Não tenho palavras para comentar o texto de Marcos Ferreira, o Marquinhos. Sei da importância da sua obra, por causa de Vingt-un, que deu cabimento a um ex-vigia de rua, desses que passam a noite montado numa bicicleta e de apito na boca, afugentam os ladrões de galinha que havia numa Mossoró não tão recente. Foi esse rapaz, vigilante de rua que Vingt-un deu a oportunidade de fazer sua obra chegar ao nosso conhecimento, às nossas mãos. Marquinhos é autor de um poema que Genildo Costa musicou numa canção, das mais lindas que meus ouvidos já ouviram. Vingt-un não merece uma estátua, ele é muito mais do que isso. Estátua para quê? Já sumiram com algumas, vou exemplificar duas: a de Rodolfo Fernandes, na Praça Rodolfo Fernandes, a de Manuel Duarte, na Praça de Convivência. Sumiram com as estátuas, os bustos e, milagre, encontraram a carta de Rodolfo para Lampião. Os grandes homens que deixaram seus nomes para a História da humanidade, não se imortalizaram pelo seu poder ou dinheiro, foi pelo que fizeram ter atingido tão grande público, seja através de obras sociais, apoio à ciência, artes ou algo relacionado. A memória de Vingt-un é imaterial, porque ele não deixou obras em viadutos, pontes, avenidas, prédios públicos, não, ele não construiu nada, ele simplesmente preservou a memória da região em literatura. Ele pensou nas gerações seguintes. Deixou registrado em livros os principais acontecimentos, se alguém quiser saber qualquer assunto do passado de Mossoró e região, vai ter que recorrer a Coleção Mossoroense, obra idealizada e bancada por Vingt-un. Num futuro não muito distante, duvido que outro mossoroense – inclusive da família Rosado – seja lembrado em qualquer circunstância, a não ser aquele que aos vinte anos de idade escreveu a história de Mossoró e publicou em livro financiado por sua mãe, Isaura, viúva de Seu Rosado, o patriarca da família. Se não sabem quem foi e o que fez por Mossoró, busquem na Coleção Mossoroense, sua biografia, escrita pelo maior nome da literatura potiguar, Luis da Câmara Cascudo.

  12. Q1naide maria rosado de souza diz:

    Beleza, Lúcia Rocha! Coração, antes ferido, agora, agradecido.

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