Por Marcos Ferreira
Talvez pareça apologia à desistência, à prostração, à vitória da morte perante a vida, mas não se trata disso. O que venho lhe pedir é cuidado, respeito aos suicidas. Inclusive para com aqueles que se encontram em uma espécie de stand-by, só aguardando a hora H, o último ato neste imprevisível plano terreno. Peço respeito sobretudo da sua parte, a você que pensa e diz que depressão é frescura, preguiça, moleza e até falha de caráter dos suicidas em potencial.
Não provoque, não zombe, não faça pouco-caso dos suicidas nem dos indivíduos à beira do abismo. Não diga que o mundo é justo e maravilhoso apenas porque você vive confortável, ou acha que vive. Nem todos que se lamentam, que deixam escapar que estão infelizes, podem ser tachados de molengas, de mortos nas calças, fracos, pelo fato de que fulano ou cicrano vive feliz com sua miséria feito pinto no lixo. Ou se, porventura, sua vidinha está de bom tamanho e você não deseja outra coisa exceto ganhar mais dinheiro. Não. Dinheiro não é tudo, embora alguns indivíduos práticos e objetivos creiam que seja cem por cento.
Outra coisa que preciso dizer: estou de saco cheio dessa literatura caduca, fatalista, preconceituosa, que diz que os suicidas não herdarão o reino dos Céus. Para o diabo o reino dos Céus e esses escritores jurássicos, ancestrais avoengos de Matusalém, que até os dias de hoje, por meio de suas fantastiquices, trovejam maldições sobre os suicidas ao afirmarem que a estes está reservado o fogo do Inferno. Dane-se, pois, essa literatura aterradora e inverossímil.
Não classifique como covarde, mesmo que secretamente, aquele que puxou o gatilho contra si próprio, botou a corda no pescoço, abriu os pulsos, tomou veneno ou se atirou da janela de um edifício, por exemplo. Não faça isso. Não menospreze ou desdenhe das feridas invisíveis do espírito alheio, da mente enferma.
Depois, num cúmulo de hipocrisia e descaramento, não vá dizer nas redes sociais que o triste fim do Policarpo da vez lhe é motivo de tristeza, que lamenta muito, que alguém (só não você) tinha que ter notado, previsto a tragédia anunciada ou sugerida, que algo deveria ter sido feito e coisa e tal. É bom ter semancol.
— Era uma pessoa tão boa — outros dirão.
Quem é que pode afirmar que Deus deixa todos aqueles que abreviam as suas próprias vidas a cargo de Lúcifer, para que o suposto anjo caído os castigue ad aeternum? Ninguém. Se Cristo voltar, entretanto, e disser que é dessa forma, com entrevista à CNN e à Rede Globo, aí eu darei a mão à palmatória, caio de joelhos e peço perdão enquanto criatura de pouca fé. Mas, tem que ser o Salvador, o Homem de Nazaré. Não aceito outro emissário do Altíssimo.
Já com os suicidas considerados involuntários, acidentais, digamos assim, a coisa é bastante branda, tolerante e misericordiosa. Exatamente. A esses se reserva um lugarzinho especial no Paraíso, na mansão, segundo o rebanho, do Todo-Poderoso.
É quando o sujeito se suicida sem querer, enchendo a cara, o bucho e a cabeça de álcool, tomando todas, e provoca um desastre de trânsito. E nem importa se ao morrer o indivíduo tira a vida de pessoas que não tinham nada a ver com a referida farra e bebedeira de quem causou o sinistro. Não. Se a morte for sob efeito de álcool, matando a si e a terceiros, o Éden está garantido.
— Foi uma fatalidade — argumentam logo.
Às vezes, contrariando os avanços da medicina, nem os modernos psicofármacos são páreos para impedir a viagem precoce de um espírito atormentado. Por mais competente que seja o médico e que se diga que Deus está no controle, no comando. Isso é frase oca, clichê, lugar-comum. Até porque, segundo a lenda, existe o tal do livre-arbítrio, no qual Jeová supostamente não mete o bedelho. Ou seja, cada um que se vire, pois Deus não está nem aí para ninguém.
O Setembro Amarelo é o movimento emblemático de prevenção e combate ao suicídio, entretanto o calendário todo é que deveria ser amarelo. Pois não acontecem autoextermínios somente em setembro. Sem contar as ocorrências que ficam no plano das tentativas, com autolesões ou automutilações.
Uma estatística da Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que uma em cada cem mortes ocorre por suicídio. Todos os anos, ainda segundo a OMS, mais pessoas morrem em consequência disso do que devido, por exemplo, a malária, HIV, câncer de mama, ou guerras e homicídios. A taxa de autocídio é maior entre os homens.
Viver, por mais difícil que isto seja para certos elementos em certas fases da existência, sempre deve valer a pena. O problema é quando a promessa de alívio ante alguns tormentos existenciais ou psicológicos vence a nossa resiliência e capacidade de autopreservação. Aí a derrota para a Moça da Foice é praticamente certa. Imploro, todavia, que nada do que estou dizendo signifique uma fagulha de estímulo para quem quer que seja se render e entregar os pontos.
Apesar da Aids, da Covid, da sífilis e de tantos políticos escrotos, ninguém jamais deve abrir mão da inestimável dádiva que é viver, por pior que seja o problema e quem o possua. De um jeito ou de outro, entretanto, muita gente já partiu antes da suposta hora determinada pelo Criador.
Em 1961, com um Prêmio Nobel de literatura e uma condição financeira boa, Ernest Hemingway se matou com um tiro de espingarda. Virginia Woolf encheu o casaco com pedras e se afogou no rio Ouse. O romancista português Camilo Castelo Branco foi outro que tirou a própria vida. O japonês Yukio Mishima também deu cabo de si mesmo.
Na Holanda, sem nunca ter conseguido vender um quadro enquanto vivo, o conturbado pintor Vincent van Gogh, cujas telas hoje custam vários milhões, também teria se suicidado. Após o diagnóstico de um edema pulmonar, a insuperável sonetista portuguesa Florbela Espanca, na terceira tentativa, pôs um ponto final em sua história neste mundo. No Brasil, entre outros, para continuarmos com os escritores, mataram-se Raul Pompéia, Pedro Nava e Torquato Neto.
Entendo que o suicídio, assim como outras coisas, é contagiante, influente. Então, de forma lamentável, um puxa o outro, tal qual uma conversa puxa uma segunda, uma terceira e daí se segue. Dito isto, claro, evidencio o meu cuidado de não promover ou romantizar gesto tão extremo e irreparável. Não antecipemos, pois, como no soneto de Olavo Bilac, “a extrema curva do caminho extremo”.
E quanto a você, que lança pedrinhas contra os suicidas, consumados quanto em fase de execução, vê se arruma outra categoria para escarnecer. Deixe que a Moça da Foice, dentro de sua agenda infalível, cumpra essa tarefa ordinária.
Hoje, enquanto você acompanha este depoimento, alguém por aí está matando a si mesmo. São dezenas, infelizmente. E isso independe de religião, incredulidade, orientação sexual ou poder aquisitivo.
Muitos sucumbem após longos anos de luta, meia dúzia de psiquiatras e diversos tipos de antipsicóticos. Viver se torna um fardo, tudo perde a graça e o sentido, nada mais importa ou prepondera. Assim, sem lançar pedras nem provocações, respeite os suicidas.
Marcos Ferreira é escritor
A VIDA É BELA.
Tudo o mais são justificativas dos desconhecedores dos seus limites.
Não pautar a própria vida pela dos outros, nào tentar fitar os Andes quando os olhos não alcançam o morrote Mossoró.
Como disse o poeta:
QUEM ANDA COM DEUS NÃO TEM MEDO DE ASSOMBRAÇÃO.
Um bom domingo a todos.
Quem sofre de depressão e tira a própria vida é porque não acha a vida tão bela. Não sou convicto o bastante para ser ateu, prefiro guardar a esperança de que não estamos completamente sozinhos, porém não creio em toda baboseira apenas pelo fato de que alguém colocou na Bíblia. Um abraço e um ótimo domingo para você, saúde e paz.
As dificuldades se agigantam de forma proporcional ao medo.
A verdade é que as pessoas se imaginam preparadas para muito e quando bate a realidade choram por qualquer coisa . Chegam a lembrar adultos que quando crianças nunca escutaram um não.
A vida é um jogo duro.
Daí ser bela.
Viver não é esperar por milagre, mas trabalhar no sentido de estar no lugar ccerto, na hora certa e preparado para superar desafios.
Fugir da vida é prova de total despreparo e de covardia.
Sinto felicidade nas coisas simples. No nascer do sol, no canto de um pássaro, no apanhar uma goiaba, no riso de uma criança e até mesmo no pingo da chuva que cai.
Trocaria tudo isto por um prêmio sei lá do quê? NÃO!
Para mim a felicidade reside nas coisas simples.
Há tanta coisa para fazer e ser feliz que abreviar a vida é a maior estupidez que um homem pode cometer.
Meu augusto Inácio,
Você é um sujeito bem-aventurado, uma criatura abençoada, pois crê cegamente, sem questionar em nada o alfarrábio ecumênico. Que Deus lhe conserve assim, crédulo e fiel. Forte abraço e uma ótima semana para você.
Do seu leitor e admirador,
Marcos Ferreira.
Mais um belíssimo texto! Parabéns, meu nobre escritor. Bom dia para todos.
Obrigado, amiga.
Um ótimo domingo para você também.
Abraço!
Sem dúvida Caro Marcos Ferreira, essa visão do dito senso comum diariamente disposta e imposta, inclusive em vários meios de comunicação de massa, tem muito das religiões , seus dogmas, seu fundamentalismo e seus esteriótipos e maniqueísmo acerca de vida e morte, céu e inferno, salvação e não salvação eterna etc.
Especialmente nesses sombrios e OBSCURANTISTAS tempos que atualmente vivenciamos, onde, INFELIZMENTE, latente se faz a pauta do fundamentalismo religioso, da pós verdade e da tentativa permanente da desconstrução do iluminismo!
Um baraço
FRANSUELDO V. ARAUJO
OAB/RN 7318
Caro Fransueldo Vieira de Araújo,
Salvo exceções, pois é importante sempre lembrarmos que há exceções, transformaram as religiões em comércio. Todas elas. Com exceção, repito, de alguns membros desses grupos, católicos quanto protestantes. O que há de padres e pastores fazendo comércio de Deus e de Jesus Cristo neste país não é pouca coisa, sobretudo por meio de certos canais de televisão mercantilistas travestidos de canais da família.
Cordialmente,
Marcos Ferreira.
Olá, Marcos!
Boa tarde!
Interessante reflexão!
Acredito que estamos aqui nesse plano, com um propósito. Seja ele qual for, espero estar dando cabo do meu…
Abraços fraternos
Cara amiga Vanda,
Assim como você, ainda creio que existe algum propósito. Embora eu descreia de muita coisa. Mas muita mesmo. Forte abraço e uma ótima semana para você.
Marcos Ferreira.
Boa tarde, poeta!
Meu abraço, das bandas do Norte!
Dois casos de suicídios que abalaram bastante o meu ser. Uma senhora de 80 anos e uma criança de 13 anos. Só quem passa ou acompanhou de perto tais situações poderá compreender, a dor e o vazio que se apossa de um ser angustiado e sem perspectivas. É preciso muita coragem para matar a dor, que aos pouco vai se agigantando, mesmo com todo o apoio da família ou profissionais competentes. Seria tão importante, que as pessoas tivessem um pouco mais de empatia e humanidade, no trato com quem sofre de algum trauma e/ou transtorno mental. É preciso falar, e você, mais uma vez, abordou sua crônica num momento em que muitos estão passando por dificuldades, e sabedores de que não estarão sozinhos nessa batalha. Parabéns, meu amigo!
Cara poetisa Rizeuda,
Essa é uma das tragédias que mais mexem comigo. Desde sempre. E quado se trata de crianças ou pessoas já bem idosas, aí o impacto é maior. Grato por sua leitura e depoimento. Um forte abraço para você aqui das bandas do Nordeste.
Marcos Ferreira.
Marcos meu amigo, como sempre sábio e profundo nas palavras!
É bem verdade quando diz que não só setembro deveria ser amarelo, mas todos os meses do ano.
Já que é difícil penetrar a alma humana, que possamos pelo menos respeitar ou simplesmente dizer: Estou aqui! Pode contar comigo se quiser!
Prezada Ivanilza,
Nesses casos, além de ajuda profissional e tratamento medicamentoso, as palavras de positividade dos amigos e familiares são sempre muito importantes. Saber que não estamos sozinhos é essencial. Grato por sua leitura e depoimento. Forte abraço e até a próxima.
Marcos Ferreira.
Belíssimo texto.
Prezada Juli,
Bom dia.
Muito obrigado por sua leitura e opinião.
Forte abraço e até a próxima.
Marcos Ferreira.
Uma excelente reflexão. Tenho respeito por opiniões divergentes, mas questiono as opiniões “oficiais” da religião formal. Também não sou ateu, mesmo sem ter religião ou fé e também espero que exista algo mais após nossa jornada aqui, inclusive para os suicidas.
É isso, meu caro Marcos Aurélio,
Ainda não descreio totalmente da existência de um ser supremo. Só não consigo crer em uma vírgula do que está na Bíblia. Já tentei em tempos outros, porém fui derrotado por tanta fantastiquice e histórias mal contadas. Não critico, porém, aqueles que acreditam. Desde que não tentem me impor essa literatura. Forte abraço e uma ótima semana para você.
Marcos Ferreira.
Tem que respeitar todo mundo, seja aquele ou esse, seja o que acha a vida bela e um inveterado tomador de remédio tarja preta, que acha que todo mundo é medido por sua régua e paranoias. Tem que respeitar o que vive simplesmente na inocente felicidade do pouco, limpando mato e mantendo a família e sem reclamar. E tem que respeitar o intelectual que só reclama, nada está bom para ele, o mundo é cinza pra ele, tudo vai de mal a pior. Menos tarja preta, por favor. E o maior escritor de Mossoró voltou, Marcos Ferreira.
Prezado Carlos Magno,
É bom saber também que você está de volta, e que notou a minha ausência nos últimos domingos. Acho que meu texto nunca estará do seu agrado, pois você não é um leitor fácil de se agradar, porém gosto de saber que tenho você acompanhando meus escritos. Escrever não é moleza, camarada. Você deveria tentar. Levando agora para o lado da poesia, gênero este no qual também me exercito, eu lhe digo que morrer de repente é fácil; difícil é viver de repente. Deixo este gracejo com você e fique em paz. Abraço e até domingo.
Marcos Ferreira.
Mateus 7-6.
Mateus 17-12
Tudo está escrito.
Basta ler e interpretar.
Só que o hábito da leitura…
E como para interpretar um texto…
Vai ver estas palavras nunca se perderam porque não são verdadeiras.
Mossoró, Mossoró, Mossoró…
Aqui não bateu palmas é acusado de fumar charuto ou maconha e até mesmo de doido.
Eu fico com o que foi escrito há milênios e permanece verdade.
Eu fico com o que disse Teresa de Calcutá, João Paulo II, Martin Luther King, Chico Xavier.
Eu fico com a certeza de que a vida é bela por testemunhar isto todos os dias e todas as noites.
Existe coisa mais linda do que estas nuvens brancas neste céu azul anil que logo mais se encherá de estrelas formando uma colcha de retalhos?
Um dia, quando eu não sei, o ser humano descobrirá que não é no TER ou no SER que a felicidade se abriga..
A felicidade está no FAZER.
Fazer o bem. E fazer o bem com amor e por amor.
Neste dia ele se convencerá que nenhum bem faz mais bem ao coração do que o bem do amor.
É fácil ser feliz.
Difícil é ser infeliz.
Quem já viveu o que eu vivi sabe, como sabe, desta verdade.
Não, meu bom Inácio,
Não creio nas lorotas do velho calhamaço.
As histórias da carochinha, de Monteiro Lobato e Miguel de Cervantes, por exemplo, têm mais verdade. Mas acredito na existência de um (ou uma) Ser Sumpremo. Só não nesse impostor das escrituras, com minúscula mesmo.
Forte abraço.
Infelizmente, como sempre digo aos mais próximos, o ser humano é muito complexo. E cada um é diferente do outro, em tudo. Até na paranoia. Li ontem, salvo engano, que o ator Alain Delon vai fazer suicídio assistido (a própria pessoa, com o auxílio de terceiros, que toma a decisão final, ingerindo uma cápsula que contenha uma substância letal) na Suíça. Bem, eu fiquei imaginando um cara como ele, famoso, rico, considerado – por muitos anos – como o homem mais lindo da Terra, querer morrer. Pesa (se é que posso usar esse termo) contra ele, e para que ele tome essa decisão, um AVC ocorrido em 2019. Marcos, a sua crônica é, antes de tudo, um alerta, mas é, também, uma reflexão a partir de uma pessoa que vive essa doença em seu dia a dia. Diria que o desabafo é legítimo. Força, amigo.
Prezado escritor Raimundo Antônio,
Só sabe onde o sapato aperta quem está com o pé dentro dele. Concordo com esse ditado. Exceto as coisas ruins, amigo, a vida segue uma maravilha. Grato por sua leitura e presença neste espaço.
Forte abraço.
Nem todo ser humano
suporta o peso da vida,
as correntes que nos prendem,
os monstros que assombram
No silêncio de foro íntimo.
Alguns, buscam uma saída,
uma porta dos fundos
para fugir do território
inóspito que sufoca.
Nada é fácil de entender…
Esse corte abrupto,
o ato extremo.
-Airton Cilon
Ninguem vive na pele de ninguém pra saber a delícia e a dor de ser e existir! Valeu poeta e escritor Marcos Ferreira
Caro poeta Cilon,
Você disse tudo, amigo: “Ninguém vive na pele de ninguém pra saber a delícia e a dor de ser e existir”.
Faço minhas as suas bem-vindas palavras. Grato pela leitura e atenção de sempre.
Forte abraço!