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domingo - 10/09/2017 - 09:14h

A paranoia da honestidade

Por François Silvestre

Somos todos honestos fugindo dos ladrões. Somos todos ladrões fugindo dos honestos. Onde reside o endereço da fuga? Em que lugar dessa terra dá pra se armar uma tenda sem endereço, fugindo de notificações, intimações, citações.

Num sopé de gruta, com pedras listadas de cinza, restos de maravalha, galhos de trapiá, piado de morcegos, cheiro de saudade, afago da solidão, barulho suave do escorrer dos restos da última neblina, escavado nas folhas secas da jitirana de um calango assustado, passos de feirantes tristes, vindos de uma feira de misérias.

A cangalha abandonada num banco de perna quebrada, restos de arreios guardados numa brecha da soleira, o trinado do cancão avisando que vai furtar, o sol se pondo escondido no fim da tarde cansada.

Em vez do jumento ruço, uma motocicleta sem registro. Em vez do roçado de milho, uma carroça de vender água. O rádio de pilha encostado enfeita um baú de couro. A televisão recebida por pagamento de conta antiga, nos tempos de uma bodega, traz o mundo até olhos e ouvidos.

Na manhã do antigo cuscuz com queijo de coalha, agora pão francês dormido com Coca-cola. Já emprestou dinheiro a juros, nos tempos de agiotagem entre pequenos. Já comprou produtos de furtos e passou alguns dias na cadeia. Precisou mudar de morada, distante da antiga cidade.

Joga no bicho toda semana, na loto, mega-sena e no baú de Silvio Santos. Mudou de lugar, mas não de vontades. Ainda sonha em ser rico.

Deu um agrado ao soldado que pediu os documentos da moto. Foi-se a grana de uma quinzena. Na garupa ele montou um pequeno engradado onde encaixa vários garrafões, desses de vinte litros, e sai pela madrugada a furtar água de caixas ou reservatórios próximos das estradas.

Leva uma mangueira grossa adaptada ao motor da motocicleta que serve de bomba de sucção. Enfia a mangueira na caixa e de lá traz a água para os garrafões. Se uma galinha ou guiné cochilar, vai junto.

Pela manhã, sai vendendo. “Olha a água mineral mais barata do lugar”.

Após a ceia, de arroz com galinha furtada, senta-se em frente à tevê e assiste aos jornais do dia. Sempre tem vizinhos, além dos dois filhos que lhe restam, pois os outros se mandaram, a terceira ou quarta mulher, todos de olhos fixos na tela. Só ele fala, apontando para a televisão e repetindo: “Só tem ladrão nesse país. E tudo solto. Olha a ruma de dinheiro qui esse fi duma égua guardou em casa”.

Cada um que aparecia no noticiário, era um monte de impropérios que seu Andrelino soltava, cobrando honestidade dos políticos. “Precisa acabar essa ladroagem”.

E pensando só com os botões, sussurra pra si mesmo: “Bicho burro. Tão fácil de esconder. ah! Se fosse cumigo”.

Té mais.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Crônica

Comentários

  1. ROBERTÃO diz:

    Eu achei, sim, que se ia investigar o tal Temer. A política venceu o bom senso. Uma presidente foi caçada, um país desmontado novamente, mais uma geração condenada à miséria de tudo por causa de um negócio que não saberemos qual é, posto que a nós resta pagar em silêncio os impostos para a manutenção dessa babel que é Brasilia.
    Para nós não haverá escola, hospital ou transporte decente. Não haverá penicilina, nem água limpa. As chuvas inundarão pra sempre as ruas sujas e sem esgoto, e as crianças nossas serão marginais, criadas no país do desamor, da cocaína, das igrejas evangélicas, do futebol a todo custo.

  2. FRANSUELDO VIEIRA DE ARAÚJO diz:

    É isso mesmo meu Caro François Silvestre, no país e na cultura do apontar o dedo dos mal feitos do outro e deliberda e macunaimicamente ocultar seus preclaros mal feitos, se encaixa deveras o processo de suposto combate à corrupção dos outros desencadeada pelos de sempre, ou seja, por àqueles que jamais deixaram escorrerlhes das mãos o poder rea.

    Nesse contexto, a conhecida e monopolista máquina udenista de propaganda (TENDO A PORTA BANDEIRA REDE GLOBO DE TELEVISÃO À FRENTE DO PROCESSO DE DESINFORÇÃO, OMISSÃO E MANIPULAÇÃO ESCANACARADA, SITIANDO A GRANDE MASSA SISTEMÁTICAMENTE VINTE E QUATRO HORAS POR DIA) como sempre, cumpriu o seu papel,lado alado como nosso indefectível , vetuisto e também golpista judiciário, quando desapeou do poder a Presidenta Dilma Roussef, e, diga-se de passagem sem nenum fiapo de prova, para colocar no comando do pais, um ladrão notório, cínico e incapaz, porém , pronto para fazer o jogo dos golpistas seja a que preço for.

    É de todos sabido, a maior e mais deletéria forma de corrupção, definitivamten funda-se na nossa histórica desigualdade, portanto, o suposto combate à corrupção, mais uma vez e em mais uma oportunidade da nossa história, serviu, e continuará servindo tão somente à meia dúzia de sempre a entoar oportuna e metodicamente o canto de sereia do que supostamnte dizem ser “COMBATE À CORRUPÇÃO.

    Um baraço

    FRANSUÊLDO VIEIRA DE ARÁUJO.
    OAB/RN. 7318.

  3. Desc. Ignaro diz:

    Perfeito.

  4. João Claudio diz:

    E o mentor de tudo continua em liberdade e se achando a alma viva mais honesta do brasil.

    De lascar, né não?

    Ah, quem desmontou o país não foi o Mordomo. Foi a Iolanda, o PT e o Encantador de Burros. O Mordomo era apenas vice quando a bomba explodiu.

    ISSO É FATO.

    Quanto ao ”negocio”, todos já sabem qual foi. Esqueceram de governar, pensaram apenas em si e na $eita, fizeram um pacto com os grandes empreiteiros, montaram em cima das PRO-PI-NA$ e…”cabô”.

    P.S – Nunca defendi o Mordomo, mas a verdade tem de ser dita.

  5. João Claudio diz:

    Quanto a ladroagem, ela está no sangue, faz parte do DNA de 99,99% dos brasileiros.

    A origem, os adultos já conhecem: a raça ruim (1.500 pérolas peçonhentas ) que Cabral trouxe com ele.

    As crianças ainda continuam sendo enganadas pelas ”fessôras”. Só conhecem a origem da desgraça quando se tornam adultas.

    Não mintam. Contem a verdade.

  6. jb diz:

    O Sr. Andrelino com a doblez – duplicidade de caráter – característica do falso moralista representa o brasileiro que vive pontificando contra a corrupção, mas que prosperou à custa de expedientes nada louváveis o que lembra-me isto:”O êxito comercial na nossa cidade não é complicado nem obscuro. Também não é sensacional. Os seus responsáveis souberam impor limites artificiais às suas actividades. Os seus crimes são pequenos e os seus êxitos medíocres. Se os métodos de administração municipal e comercial de New Baytown fossem estudados com cuidado,descobrir-se-ia a violação de cem regras legais e de mil regras morais. Mas não são mais que infracções menores, roubos insignificantes. Ignoram uma parte do Decálogo e observam o resto. E, logo que um destes respeitáveis cidadãos obtém o que queria ou aquilo de que tinha necessidade, volta às suas virtudes com a mesma facilidade com que muda de camisa.” John Steinbeck,em ‘O Inverno da Nossa Desesperança’
    Há algum tempo cheguei em um estabelecimento comercial e a proprietária estava indignada contra a corrupção e pra minha surpresa na mesma semana seu esposo foi preso acusado de fraudar licitação.
    Depois de atingir seus objetivos à custa de tramoias o hipócrita apresenta-se como o personagem Nick Carraway:”Todo o mundo acredita que possui pelo menso uma das virtudes cardeais, e esta é a minha:sou uma das poucas pessoas honestas que cheguei a conhecer.”F. Scott Fitzgerald, em ‘O Grande Gatsby

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