• Cachaça San Valle - Topo - Nilton Baresi
domingo - 14/04/2024 - 08:28h

Esconderijo de silêncios V

Ilustração de Arquivo

Ilustração de Arquivo

Por François Silvestre

A chegada de novo pároco em Januária atiçou a curiosidade noturna dos habitantes. O que houvera de fato? O sacristão segurava-se na promessa feita ao padre Salomão. O novo padre, jovem, foi alvo de assédios e bajulações. Desde aquele episódio do “pastor” envolvido em falcatruas e outras sujeiras, a igreja católica de Januária havia recuperado prestígio e angariado novos praticantes.

Agora, era a igreja romana que se via no enrolado de um silêncio. Assim, no singular, como gostava Saramago. O que houvera?

Na madrugada daquele dia, uma semana após a chegado do padre Thiago, a pensão de dona Olívia recebe dois forasteiros. Dois rapazes e uma moça portando vários equipamentos de filmagens e fotos. Máquinas e tripés. Januária amanhece alvoroçada. Ao chegarem à igreja matriz, os visitantes se apresentaram ao padre.

Fariam uma reportagem sobre o padre Salomão, Antecessor do jovem pároco. Ou melhor, uma matéria sobre a vida do padre destituído naquela localidade. Posto que, sobre o próprio padre Salomão, eles é que sabiam das coisas que Januária desconhecia.

Ouvindo a explicação dos forasteiros ao padre Thiago, o sacristão resolveu contar o que sabia. Pois fora superficialmente informado por aquela comissão que viera buscar o velho padre. Tudo girava em torno do “segredo” vazado da confissão.

De tempos antigos, anos de chumbo, o padre Salomão fora capelão do Regimento de Infantaria do Exército, em Recife. E nessa condição, prestara serviços inconfessáveis aos órgãos de repressão. Dentre esses préstimos, o uso do confessionário para obter informações que repassava aos policiais, nos “inquéritos” da repressão política. Presos políticos, sob tortura, muitos deles católicos, prestavam-se “ao conforto” do confessionário. Confessor? Padre Salomão.

Como fora desmascarado comprovadamente? Conto. Um seminarista de São Paulo, preso juntamente com frades beneditinos, foi transferido para Recife, por ter sido citado num inquérito ali instaurado. Corria o boato das suspeitas sobre o confessor capelão. O seminarista, ardilosamente, pede para se confessar. E na confissão, conta ao padre Salomão que participara de uma queima de canavial, em Nazaré da Mata, nominando mês, dia, horas. Ele sabia do fato e o fato ocorrera. Colocou-se na cena do ato. Não deu outra. O padre repassa a informação.

O seminarista é interrogado sobre aquele ato terrorista, apanha pra confessar aos torturadores. Informa, contudo, que era impossível sua participação naquele dia, daquele mês, pois estava preso em São Paulo. Confrontada a informação, atestou-se que era impossível ele estar em São Paulo e Recife no mesmo dia. Ubiquidade anulada por si mesma.

Veja capítulos anteriores

Leia também: Esconderijo de silêncios I

Leia tambémEsconderijo de silêncios II

Leia tambémEsconderijo de silêncios III

Leia também: Esconderijo de silêncios IV

Porém, nem os investigadores e muito menos o padre queriam a publicidade da desmoralização. Retiram o seminarista daquele inquérito, mantendo-o no outro, e transferem o padre Salomão pros cafundós do Judas. Onde? Januária. Esconderijo de silêncios.

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Conto/Romance
segunda-feira - 01/04/2024 - 19:10h
Golpe militar

Não foi ontem, e sim hoje

Por François Silvestre

Foto captada na Web, sem identificação de autoria

Foto captada na Web, sem identificação de autoria

O golpe militar, com apoio ostensivo da imprensa e setores reacionários de civis, inclusive partidos políticos, não se consolidou dia 31 de Março (1964), ontem, mas dia Primeiro de Abril. Ontem não foi o dia de comemorar, para uns, nem condenar, para outros.

Isso tem importância? Sim e não. Até porque datas em dias ou meses não refletem corretamente o que ocorre na História. Esse golpe foi maturado desde a redemocratização, em 1946. A queda da ditadura Vargas deixou sequelas nos seus adversários de sentimentos incuráveis. Pelo motivo simples de explicação.

Todas as eleições seguidas de 1945 em diante, teve um ou mais militar da Direita, sob a liderança do general Canrobert Pereira da Costa, contra alguém getulista ou remanescente do governo ditatorial de Vargas, sob a liderança do general Newton de Estilac Leal.

Em 45, General Dutra contra Eduardo Gomes. O primeiro, ex-ministro de Getúlio, por ele apoiado. O segundo, apoiado pela direita udenista e anti-getulista. Quem venceu? O getulismo. 1950, De novo Eduardo Gomes contra o próprio Getúlio. Venceu o ex-ditador, agora transformado em democrata e líder da luta trabalhista. Em 55, O general Juarez Távora contra o getulista Juscelino Kubitschek. Venceu JK.

Em 1960, finalmente a direita vence. Jânio Quadros derrota o general Teixeira Lott. Sossega o firo? Não. Jânio renuncia, com sete meses de governo, e assume o poder João Goulart, getulista da gema. Espécie de filho político de Getúlio.

Durante todo esse período houve incontáveis tentativas de golpes. Uns esclarecidos e conhecidos, outros abafados. Mas isso é outra história.

Nos fins de Março de 1964, a milicada conspirava a céu aberto. Sob o olhar incompetente e conivente da Esquerda e do próprio Jango. Quando o general Mourão Filho mobilizou tropas em Minas, elas seriam facilmente barradas pelo Segundo Exército, de São Paulo, chefiado pelo general Amaury Kruel, compadre de Jango, que fora seu padrinho de casamento.

Em vez de Jango ir pra São Paulo, de onde barraria o golpe, foi pro Rio Grande do Sul, onde o general Ladário nada podia fazer, pois até o governo local era aliado dos golpistas. Conta-se que Kruel foi cooptado pelo embaixador americano, com uma malinha de duzentos mil dólares. Dali saiu de São Paulo e cercou o Rio.

Foi no dia primeiro de Abril que o golpe se consolidou. Com o ódio antigo de Moura Andrade contra Jango, declarando vaga a presidência da Republica, na condição de presidente do Congresso. Na hora, recebeu uma cusparada do Deputado paulista Roger Ferreira e os gritos de “Canalha..canalha”… de Tancredo Neves. Estava ali consolidado o golpe, com Jango ainda no Brasil, saindo depois para o Uruguai.

Repetição da História; Jango no Uruguai, a tragédia. Bolsonaro na Hungria, a farsa. Hoje (1º de Abril) é o dia.

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domingo - 31/03/2024 - 06:30h

Esconderijo de silêncios IV

Ilustração

Ilustração

Por François Silvestre

Januária adormeceu tranquila, naquela Sexta-Feira da Paixão. Não se pode dizer que tenha amanhecido na mesma tranquilidade no Sábado de Aleluia. O primeiro susto foi o “silêncio” do sino principal, aspeado por não existir silêncio singular.

Nenhuma badalada, nas horas do hábito. E se o hábito não faz o monge, os silêncios escondidos fazem os hábitos do lugar. Corre corre entre carolas e praticantes. Quem sabe do padre Salomão? Sumiu. Perguntas, questões, cochichos, informações desencontradas, cadê o padre Salomão?

Alguém sabia de algo, como diria Castilho da Redinha. Pois foi. Alguém sabia, seria esbanjado aos ouvidos e ventos mais um dos silêncios de Januária. O sacristão Teófilo, quase continuação do padre, que sabia de cor a missa latina, Introibo ad altare Dei, ad Deum qui laetificat juventudte mea,..(assim começava), contou o que houvera na madrugada.

Uma comissão viera e levara o padre. Grupo formado por um advogado, um padre, um agente da polícia e um parente do padre Salomão. Tudo motivado por denúncias de rompimento de preceitos sacerdotais. Teófilo ouvia tudo abismado.

Havia uma papelada que foi entregue ao padre, com os motivos daquela inconveniente visita. O padre foi informado de que não estava obrigado a segui-los, porém, caso não o fizesse, tudo seria contado à população de Januária, na manhã daquele Sábado. Aceitando ir com o grupo, para Recife, só o sacristão ficaria sabendo. E Teófilo prometeu ao amigo padre que “seria um túmulo”.

Padre Salomão partiu e deixou o Sábado de Januária aos sussurros. O sacristão Teófilo virou alvo de assédios, perguntas e até ameaças. Mas, segurou um daqueles silêncios por algum tempo…só por algum tempo. Que não há língua de ferro que não enferruje.

Leia também: Esconderijo de silêncios I

Leia também: Esconderijo de silêncios II

Leia também: Esconderijo de silêncios III

Depois, logo logo, a continuação desse ex-silêncio abatido em pleno voo… Januária tinha assunto pra desfrutar a Páscoa, mesmo com o sino silenciado.

François Silvestre é escritor

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domingo - 24/03/2024 - 07:36h

Esconderijo de silêncios III

Por François Silvestre

Ilustração da Freepik

Ilustração da Freepik

Em Januária não existem segredos, silêncios há. E se por hábito ou acaso, nunca se sabe, um silêncio cai na teia que o espera, ocorre sempre ao esconder-se do sol.

Tem sido assim, na monotonia diária dos viventes de Januária.

Seu Ramiro chegou por essas bandas há muito tempo. Sem fazer amizades, mas tratando com polidez qualquer um com quem tratasse. Comprou uma casa velha, incluindo um terreno amplo, nos arredores do lugar. Fez reforma, deixando a moradia com boa apresentação. Ele e sua filha, que também vivia isolada.

Durante os dias, pouco se via movimento por lá. Seu Ramiro saía pra pescar ou caçar, vez ou outra. Uma mulher, viúva, que morava perto deles tentou e conseguiu, na ausência do pai, aproximar-se da filha. Ao entrar na casa percebeu que não havia rádio nem televisão. Com o passar do tempo conquistou o afeto da jovem moça. Ficou sabendo que seu Ramiro não queria contato com o mundo exterior, nem por meio eletrônico. Televisão, rádio, telefone, nada.

Com essa amizade, Mayra aproveitava a ausência do pai para ver televisão na casa da viúva. Só que o fazia da janela, onde se debruçava pra divertir-se com novelas. Da posição em que estava podia ver de longe a aproximação de seu Ramiro. Dona Célia, a viúva, pôs a tevê num jeito que facilitava o acesso à jovem amiga.

Todo fim de mês, seu Ramiro viajava a Fortaleza, capital do Ceará, religiosamente. De lá trazia perfumes, roupas para Mayra, e apetrechos de caça e pesca. Rotina certa e repetida. Nesses dias, Mayra via televisão no conforto de um sofá.

Até que, numa dessas viagens, seu Ramiro não voltou. Ou melhor, voltou de madrugada, pegou dinheiro e documentos num cofre que tinha em casa, disse à filha que daria notícias. E antes do sol nascer, partiu. No mesmo táxi que o trouxera. Noticias nunca chegaram. Isto é, de seu Ramiro para Mayra. Sobre ele chegaram notícias aos borbotões.

Apareceu um grupo de tevê, em Januária. Montaram os equipamentos no terreiro da casa onde agora estava sozinha a filha de seu Ramiro. Ela foi informada dos fatos. E surpreendentemente ela era portadora de silêncios que deixaram todos tontos. Primeiro, não era filha de seu Ramiro. Fora tirada por ele de um grupo de ciganos, acampados em Pocinhos, cidade próxima de Campina Grande, Paraíba, e de lá trazida para Januária.

Tinha apenas quatorze anos. Era mulher, e não filha de seu Ramiro. Fora comprada, ou trocada. Mas, ao contar, não dizia isso. “Cigano não vende nem compra, cigano troca. Eu fui trocada por dinheiros”. Era o grupo do cigano Honorato.

E Ramiro? Sumira por quê? Foi silêncio morto de história cabeluda. Um investigador angolano, ajudado por um jornalista português, fez amizade, em Fortaleza, com um professor universitário que era especialista nas lutas libertárias da África contra a exploração europeia.

Houve tempos em que rastros se faziam pelos pés no chão. Depois, rastreava-se por ondas de telégrafos, rádios e televisão. Hoje, rastros se fazem sem tocar em nada. Moveu-se, tem rastro. Se pensar alto, também. Vinham cercando seu Ramiro, nas suas idas a Fortaleza, onde ele sacava a pensão vitalícia dos mercenários. Quem fora ele? Muita coisa, todas ruins. Mercenário de exércitos clandestinos destacados na África. Angola, Moçambique, Serra Leoa, Cabo Verde.

Não se chamava Ramiro. Era Benito. Filho de pai italiano com mãe brasileira. Voltou para o Brasil e integrou-se em grupos do CCC, (Comando de Caça aos Comunistas) para perseguir, prender e matar subversivos. Operários ou estudantes que faziam oposição à Ditadura. Fez amizade com um torturador brasileiro, major do Exército, de codinome Índio, citado no Brasil Nunca Mais, da Arquidiocese de São Paulo.

Leia também: Esconderijo de silêncios I

Leia também: Esconderijo de silêncios II

Esse Índio foi quem torturou o escritor Paulo Coelho. Silêncio abatido, Januária amanhece como todos os dias. Enganando o sol e zombando da sua claridade. Porém, nem o silêncio evita rastros.

Mayra não se chamava Mayra. Era Whita, divindade cigana do amor. Conseguiu com os repórteres que a levassem de volta para Campina Grande, onde morava um irmão seu, de nome Stívan, que largara o bando e se casara com uma paraibana. Ainda demora o por do sol, com outro silêncio na espreita.

François Silvestre é escritor

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  • Art&C - PMM - 12 de Abril de 2024 - Arte Nova - Autismo
domingo - 17/03/2024 - 06:36h

Esconderijo de silêncios – II

Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

Por François Silvestre

O sol começou a desvendar Januária, que parece enfraquecer sua guarda de silêncios. Nessa tarde, o poente ficou mais aceso, menos opaco, como diria dona Zélia, diretora do grupo escolar.

Tudo começa num velório. Ou melhor, não é tudo que começa, pois antigo foi, começa a desesconder-se um silêncio de Januária. Morreu o pastor da principal igreja evangélica do lugar. Pastor Luciano, coronel da reserva do Exército.

A viúva, dona Marcelina, espera ansiosa. Os habitantes também. Será que e ele vem? Veio. Parou um carro com placa de longe. Desce um rapaz de barba rala, calça de linho, camisa de jeans. “É Artuzinho”, quase não consegue falar dona Marcelina. Abraçam-se. Ela chorando muito. Agarrava o filho, beijava-o. Ele, sisudo. Beijou-a na testa. Nem olhou para o caixão do morto. A quase totalidade dos presentes não entendia nada.

Era uma família tão unida. Pai e filho viviam juntos. Onde um, tava o outro. Caça, pescaria, igreja, qualquer lugar. Nem todos estavam surpresos. Antonieta e Zé de Titico sabiam de tudo. E este silêncio, pelo menos este, abandonou o esconderijo de Januária.

Artur viajou com os pais para Recife, onde iria submeter-se ao vestibular de medicina. Passou. Ainda veio a Januária no primeiro ano de faculdade. Depois, sumiu.

Volta no tempo, Ditadura militar, “governo Médici”. Uma sala escura e fétida, no Cais de Santa Rita, servia para “interrogatórios” do Doi-Codi, Policia Federal e policia civil do Dops. Naquela manhã, morria sob tortura um estudante alagoano, de nome Jarbas, e sua mulher, Lucinda, também torturada, acabara de dar à luz. Pouco tempo após o parto, ela também morre.

Na Faculdade de Medicina, uma solenidade para leitura de nomes revelados pela comissão da Verdade. Presos, torturados, torturadores. Artur ouve um nome. Coronel Luciano Carneiro Leão. Na relação dos torturadores. Não era nome comum. Família tradicional do Recife. Artur lembrava do seu pai dizendo isso. Comentou com amigos. E mostrou seus documentos.

Alvoroço. Ex-presos, parentes dos desaparecidos, colegas, foram à pesquisa. A data de nascimento de Artur coincidia com o dia da morte de Jarbas e Lucinda. “Seu pai é o torturador Luciano”. O mundo abaixo na cabeça de Artur. Cujo nome foi homenagem ao ditador antecessor de Médici. Artur da Costa e Silva.

Voltando a Januária, naquela semana, não foi difícil conseguir a confissão dos pais. Ameaçou exame de DNA. Prometeu silêncio caso confessassem. A mãe, incapacitada de engravidar, esperara muitos anos um filho adotivo para criar. Aconteceu.

Criado com muito esmero pelo assassino dos seus pais. O “pai” assassino, torturador, a “mãe” cúmplice do hediondo e incomparável crime. Na sala do velório, o sol despedia-se pelas frestas da vasta janela da “sagrada” igreja onde tanto falara em Cristo o coronel pastor Luciano. Artur mudou-se para Maceió, conheceu sua família, viu fotos, encontrou parentes e descobriu semelhanças. Depois, o próximo silêncio.

François Silvestre é escritor

Leia tambémEsconderijo de silêncios.

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domingo - 10/03/2024 - 09:02h

Esconderijo de silêncios

Por François Silvestreolhos negros, mulher, olhos

Januária adormece antes da despedida do sol. É o que se ouve, ou se ouvia, entre suas veredas. O sol vai se esvaindo sem muita vontade, amarelando, desesquentando, como se quisesse ouvir os sussurros que Januária não quer que ele ouça, ou veja pelas frestas da sua luminosidade esmaecida.

As ruelas, de calçamentos irregulares, de buracos nunca tapados, convergem todas para sua praça cor de jegue; isso mesmo, meio cinza, meio bege, onde ergue-se a igreja matriz. Três sinos. O da esquerda, inútil. Pois trincado por um raio, nunca foi recuperado. O da direita, fanho, não se usa. Resta o que divide o olhar da rua com a nave principal do templo.

Toca todo dia, às seis da tarde. Hora do Ângelus. Quando seus moradores acendem as luzes para a visita passageira de Maria. Antigamente, contam, eram faróis de manga incandescente, nas casas dos ricos, ou lamparinas nas casas dos pobres.

Mas Januária é um refúgios de silêncios. Onde eles se aboletam, se espremem, se hospedam. Não existe o silêncio. Em Januária, silêncios há. O único de todos os substantivos que só há no plural. No universo não há o silêncio. Há silêncios em Januária.

Antes do sol deitar-se no aconchego da sua poente cama, como se fosse de Procusto, aquela cama da mitologia, em que o dono da hospedaria esticava as pernas do hóspede quando menores do que a cama, ou as serrava quando maiores. É assim que o sol se deita em Januária. Tentado ouvir algum dos silêncios ali escondidos.

E os há. Na próxima semana contarei o primeiro.

François Silvestre é escritor

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domingo - 03/03/2024 - 05:28h

Os cães cariocas

Por François Silvestre

Praça de lazer exclusiva para cães no RJ-RJ, na Praça do Lido,  Copacabana (Foto: PMRJ)

Praça de lazer exclusiva para cães no RJ-RJ, na Praça do Lido, Copacabana (Foto: PMRJ)

A cidade do Rio de Janeiro tem aproximadamente sete milhões de habitantes. E talvez o dobro disso de cães. População canina maior que humana. A cidade é um estuário de miséria humana; com mendigos, assaltantes e dormidores nas calçadas.

Na madrugada ou ao amanhecer, os depósitos de lixo postos nas ruas dos prédios de classe média são revirados por estes dormidores. Quando os carros de coleta chegam, muito desse lixo resta espalhado pela rua.

Aí você talvez pergunte: “e os cães também soltos na rua”? Não. Absolutamente não. Não há cão abandonado no Rio. Pelo menos nesses bairros de classe média. Nenhum. São cães criados e bem criados. Madames que passeiam nas ruas, supermercados, praias, bares, com seu cão de colo. E mais os membros da família. Companheiro, filhos, também levando cães no colo ou pela coleira.

No final da tarde, você vê cuidadores conduzindo dezenas de cães, que serão devolvidos nos apartamentos. No bar onde você estiver, haverá sempre alguém com o seu ou seus cães. E não raro, vira um festival de latidos quando chega outrem também conduzindo mais um ou mais cães.

Porém, entretanto, mas porém, como diria Zé Limeira, você nunca verá um cão abandonado nas ruas do Rio de Janeiro. Esse lugar de abandono é propriedade dos humanos.

Aí vem, na memória, um verso meu antigo escrito num guardanapo de um barzinho no Bairro da Glória: O verso de Gil perdeu encanto,/ As pedras que cercam o Rio/ continuam belas,/ Mas a cidade cercada por elas,/ nem tanto.

François Silvestre é escritor

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quarta-feira - 28/02/2024 - 05:28h
Opinião

Povo e o fascismo pentecostal

Por François Silvestrepovo, gente, sociedade,humanidade,multidão, civilizaçõ

Um milhão de pessoas na rua, numa manifestação, não é Povo. Nem dez milhões, nem cem milhões. É Massa. Merece respeito? Sim. Mas não é povo. Povo é o conjunto de todos de um país, cada um compreendido na sua individualidade. Quando parte desse todo se junta, por qualquer motivo, seja politico, esportivo, festivo ou de qualquer outra natureza, aí não está o povo. Está a massa.

Antes do Povo está a Nação. Num país constitucionalmente organizado foi a Nação que instituiu a ordem constitucional. A Constituinte é obra da Nação. Promulgada, a Nação se afasta e entrega ao Estado a gerência das coisas do Povo. E este está na individualidade de cada um. Nas suas atividades diárias, no seu trabalho, na sua arte, no seu pensamento e na sua obra de vida. E a Pátria? Esta é o estuário simbólico que representa a Nação e acolhe o Povo. Ensinou Rui Barbosa, “A Pátria não é ninguém, são Todos”.

Quando um simulacro de cristão, empresário de negócios da fé, cultivador de riquezas amealhadas sob a enganação de ingênuos, sacripanta das escrituras bíblicas, chama um aglomerado de Povo, e diz está ali o poder supremo do Estado, não apenas confessa ignorância. Comete crime de lesa pátria.

O Brasil enfrenta esse monstrengo de “cristianismo” que nada tem a ver com Jesus Cristo. Absolutamente nada. Esse pentecostalismo escasso de cristianismo é o mesmo que Jesus expulsou do templo a chibatadas. É o mesmo farisaísmo denunciado por Cristo e por Paulo. Alertado por Lucas, por João e por Marcos.

Esse esperneio tem método. O chefe com medo da cadeia. O porta-voz, ou voz de porca, com medo de perder dinheiro, com a notória decadência da sua empresa, que ele denomina espertamente de “igreja”. Com essa denominação ele mata dois bacorinhos. Toma dinheiro dos ingênuos e sonega impostos ao Estado.

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domingo - 25/02/2024 - 08:02h

Pequeno burguês de esquerda

Foto: I Stock

Foto: I Stock

Por François Silvestre

Certa vez, um comentarista do Blog Carlos Santos, pensando me agredir, chamou-me de ex-comunista. Eu respondi confirmando, para desencanto dele. Disse, na época, que concordava com a afirmação. E que fora de fato comunista, ou pelo menos pensava que o fora.

Digo que pensava porque havia quem não me considerasse como tal. Isso mesmo. Os comunistas tradicionais, da cartilha stalinista, nunca me consideraram comunista. À exceção dos quadros do PCR. Nomes importantes da resistência democrática. Lembro agora Emmanoel Bezerra, Manoel Lisboa, Leonardo Cavalcanti, Dionary Sarmento. Os dois primeiros mortos sob tortura, os outros dois presos e torturados. Mas isso é outra história.

O certo mesmo é que o comunismo sino soviético foi uma tragédia fantasiada de alternativa. Tragédia não apenas pela prática da violência, mas pelo delito histórico de ter ofertado ao capitalismo a bandeira das liberdades fundamentais. Presente indevido a presenteado imerecido. O capitalismo foi e sempre será o regime da exploração humana.

Toda crítica do capitalismo à violência, à opressão, e à miséria é tão somente um estuário de hipocrisia e farisaísmo. Hipócritas e exploradores da condição humana. O sinosovietismo deu ao capitalismo sobrevida e argumentos. Mas não conseguiu lhe dar vergonha.

O comunismo morreu para o capitalismo continuar matando.

Então, isso dito, reafirmo como verídica a crítica dos stalinistas sobre mim. De fato eu sou o que eles disseram que eu era. Apenas um pequeno burguês de esquerda. Ou como disse Ângelo da Costa Neto, filho de seu Luis Lino, sou um esquerdista cervegista. Não consegui até hoje enxergar dignidade humana no capitalismo.

É isso aí.

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sábado - 04/11/2023 - 04:06h
François e Vandré

Em algum lugar do presente

François Silvestre e Geraldo Vandré têm histórias (Foto 1, arquivo; Foto 2, Folha, Junho de 2023)

François Silvestre e Geraldo Vandré têm histórias (Foto 1, arquivo; Foto 2, Folha, Junho de 2023)

Eles se conheceram nos anos de chumbo, ali naquele burburinho da pauliceia desvairada. Um, já artista da canção de protesto; o outro, na redação de jornais impressos como a Gazeta do Brás.

Mas, faz uma pá de tempo que não se veem nem se falam.

Em consulta a meus búzios e bola de cristal, os sinalizadores apontam que a tecnologia do celular poderá encurtar essa distância entre o compositor/cantor Geraldo Vandré e o escritor e colaborador do Nosso Blog, François Silvestre.

Do lanterninha pro smartphone, Silvestre já conseguiu fazer transição numa boa, o que é um grande avanço.

O amor de avô, é certo, o empurrou à modernidade.

Daqui a pouco, ele e Vandré (de audição curta e reclusão por escolha pessoal) marcam um encontro para atualização da conversa, prospecção de reminiscências e inventário da própria vida e deste país. Pindorama rende muito.

Caminhando e cantando, quem sabe, né?

Fico na escuta. Ou consultarei novamente os meus búzios e bola de cristal para atualizar os fatos.

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domingo - 22/10/2023 - 06:48h

Desaforismos ao pé do chope

Por François Silvestre

Foto ilustrativa do Jornal Novo Horizonte

Foto ilustrativa do Jornal Novo Horizonte

I- Se em cada cabeça, uma sentença; em cada bunda, uma sentada.

II- Tolstói disse que “certas pessoas ao entrarem numa floresta, só veem lenha para a fogueira”. Hoje, muita gente olha para para a multidão e só vê cadáveres.

III- Marx foi o maior conhecedor e decifrador do capitalismo. Ninguém o conheceu mais do que ele. Mas, ao prever como sucedâneo salvador o comunismo, errou profundamente. Do capitalismo, que conhecia, sabia tudo. Do comunismo, que previu, sabia nada. Sobre o capitalismo, sua obra é um monumento. Sobre o comunismo, sua previsão foi um monumental equívoco.

IV- Pela boca ninguém aprende nada. Pode até ensinar; aprender, não. De aprender, os olhos e os ouvidos. Ao ler ou observar, ouvir ou escutar.

V- Mesmo um sendo e o outro saindo do mesmo lugar, não são a mesma coisa o olho e o olhar. O dono tem o olho, o olhar é o dedo duro do dono.

VI- No Brasil, o comunismo nunca teve chance de poder. Foi sempre irrelevante e minoritário. Sempre. Porém, também sempre foi usado como pretexto para golpes ou tentativas de golpes. Os espertos golpistas o usam, como espantalho, para assustar os idiotas. E estes acreditam exatamente pela idiotice que os agasalha.

VII- O fascismo existe, mas não é uma ideologia. É um atributo comportamental por deformação moral. O progressista que, na rua, defende a diversidade e, em casa, reprime os diferentes, é fascista. Seu progressismo é de mentira. Stálin e Hitler eram fascistas.

François Silvestre é escritor

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domingo - 17/09/2023 - 06:34h

A tribuna da defesa…

Por François Silvestre

Foto ilustrativa do Istockphoto

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…no processo criminal.

Não há hierarquia entre Juiz, Promotor e Advogado. Nenhuma hierarquia. Todos iguais, essenciais e indispensáveis à administração da Justiça. Mesmo que algum juiz se imagine Alá, algum promotor se ache Maomé, ambos são igualmente equiparados ao advogado. Todos mundanamente humanos. Isso é pressuposto teórico? Não. Isso é conceituação filosófica? Não. É comando legal. Disposição expressa em Lei.

Dito isso, desço da abstração e venho ao fato concreto. O julgamento dos atentados à Democracia e tentativa de Golpe de Estado. O primeiro delito, consumado. O segundo, só se configura na tentativa. Posto que, consumado, deixa de haver “delito” e o golpista passa a ser o executor da “nova ordem”. Elementar, meu caro Watson.

Filiado que fui à Escola Clássica do Direito Penal, na minha atividade de criminalista, na Tribuna da Defesa, na qual se firmam os princípios da defesa plena, presunção de inocência, dúvida favorecendo o réu e Devido Processo Legal.

Aliás, é preciso acentuar a categoria gramatical dessa palavra “devido”, nessa expressão. Não é adjetivo, como se você dissesse o regular processo legal, o normal processo legal. Não. Devido, aí, é particípio do verbo Dever. O Estado deve ao indivíduo um processo legal para investigá-lo, processá-lo, julgá-lo, condená-lo ou absolvê-lo. Dívida do Estado estabelecida em Lei.

Ponto pacífico. Voltando ao julgamento dos atos terroristas do maior rebanho de jumentos bípedes de que se tem notícia nesses tempos de aridez intelectual. Mais precários mentais do que os próprios acusados, só os seus advogados de “defesa”. Não atacam qualquer ponto da acusação, nada.

Fazem discurso tosco, beirando a cretinice, e nenhuma tese que ajude, pelo menos, a minorar o grau das penas. Uma lástima, que deixaria abismado qualquer rábula esperto dos que havia, e bons, no sertão de antigamente. Na comparação com estes de agora, Quintino Cunha seria um Nicola Malatesta.

Quer ver uma tese de favorecimento? A produção de prova contra si. É ruim pra defesa? Não. É ótimo. É ruim pro réu, mas é ótima para a defesa. Vejamos. O que é a confissão? É o ato de assumir o delito. Qual a sua consequência? Atenuar a pena do réu, pelo argumento da colaboração com a Justiça. Reduz custo processual, facilita a decisão do juiz e esvazia o argumento do recurso. Qual a consequência da prova produzida contra si? A mesma da confissão. Facilita a decisão, reduz custo processual. Ora, se guarda consequências iguais, merece atenuantes iguais. E não agravamento. Nenhum jegue, desses da defesa, até agora, atentou pra isso. Com o mérito de que o produtor de prova contra si, não se via como praticante do delito.

Mas isso é cacoete de advogado de defesa. A certeza, no julgamento criminal, é um céu azul completo. Qualquer nesga de nuvem é dúvida. E na dúvida, o benefício é do réu. Nessa tese há uma atenuante de fácil compreensão. Se não absolutória, com certeza atenuante. Redutora de pena.

Taí. Da tragédia do Calvário, pobres diabos arrastam suas cruzes, defendidos por falsários e fariseus, na repetição da farsa, que os imolarão no alto de um Gólgota de mentira.

François Silvestre é escritor

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  • Art&C 25 anos - Institucional - 19-12-2023
domingo - 10/09/2023 - 04:34h

O país da piada que…

Por François Silvestreesquerda e direita em Brasília, congresso nacional

..qualquer um apronta!

Quando se formou, de antanho, uma divisão ideológica no Brasil, pós independência, a política dividiu-se entre Conservadores e Liberais. Tudo antagonicamente de outrora como se fosse um daguerreótipo de agora. Como aquela informação de um português, após a invasão napoleônica em Portugal, com a fuga covarde da corte portuguesa para o Brasil, “tudo como dantes no quartel de Abrantes”.

Foi a resposta dada, quando alguém perguntou o que havia mudado.

Pois bem. Nossa primeira divisão foi essa, apelidados os conservadores de Saquaremas e os liberais de Luzias. Dos conservadores, o apelido veio das reuniões do partido na cidade Fluminense, do mesmo nome. Saquarema. Dos liberais, o apelido remontava à revolta liberal de Santa Luzia, vila mineira, em 1842.

Até durante a regência do Padre Feijó, essa era a moeda ideológica de duas faces. Ou da mesma face. Depois veio a divisão de progressistas e regressistas. Também ficou tudo “como dantes no quartel de Abrantes”.

Francisco de Holanda, Visconde de Albuquerque, político pernambucano, cravou a máxima insubstituível: “Nada se parece mais com um Saquarema do que um Luzia no poder”.

Perfeito e atual. Hoje temos esquerda e direita. Temos mesmo? De discurso, bem distintos. De palavreado, também. Opostos, e na fachada, antagônicos. Mas, porém, entretanto, mas porém, há muita diferença? Hein, Visconde? Vejo não.

Na maluquice das ruas, são diferentes. Os de cá, da planície, são diferentes. Uns idiotas invocam um deus dos pilantras. Uma pátria nas nuvens. Uma família de castos. Doentes morais. Outros, fanáticos ou não, contestam e professam uma democracia de opinião. Não é democrata se não pensa como eu.

Ambos os lados de uma moeda idiotizada. Há diferença no trato com as liberdades fundamentais? Sim. Posto que os idiotas do fanatismo fascista oferecem essa diferença. O bolsonarismo está fora do contexto, incomparável no abismo da estupidez. Chega a salvar Plinio Salgado.

A verdade? Taí. O poder. Saquaremas e Luzias. Semi quase idênticos. Qual a diferença no quartel de Abrantes? Havia o orçamento escroto e secreto. Agora mudou o que? Deixou de ser secreto. Continua escroto. Com minhas desculpas à orquídea, que significa pequeno testículo.

Nada se parece mais com a direita do que a esquerda no poder. Se me permite o Visconde esse plágio. Fui jornalista, tempos de chumbo. Porém, luzia de opinião e esquerda de coração.

François Silvestre é escritor

 

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domingo - 03/09/2023 - 10:30h

Sopé da ladeira do Cumbe

Por François Silvestre

Foto ilustrativa

Foto ilustrativa

Era um pequenino sítio, ali posto. Subindo a ladeira, no alto do Cumbe, via-se o talhe da serra de Portalegre. E ao se espalhar os olhos estendia-se a vasta estepe muito distante, para o olhar de criança, da paisagem do sertão ali exposta.

Mas o assunto é o sítio, de dimensões raquíticas, como já dito. Uma casa de cinco cômodos, piso de barro batido, à exceção da sala maior, biblioteca do dono, tijolada e bem cuidada. Uma baixada com mangueiras, jaqueiras, cajueiros, laranjeiras e trapiás, desaguada numa pequena lagoa, que aguava também outros sítios vizinhos.

O dono? O padre Alexandrino Suassuna de Alencar. Nesse sítio eu vivi minha primeira infância. Oito anos. Desmamado da minha mãe, aos três meses de idade, fui criado por uma cabocla que o padre trouxe de Serra Talhada para esse fim. O padre Alexandrino, cujo nome era uma homenagem a Alexandrino Suassuna, pai de João Suassuna, que foi governador da Paraíba, e avô de Saulo, Humberto, João, Marcos, Selma e Ariano Suassuna.

O padre Alexandrino, ordenado em São Paulo, após seminário menor em Fortaleza, foi Reitor do Seminário de Pesqueira, Pernambuco, vigário de Serra Talhada, de onde trouxe meu pai, que casou com minha mãe, irmã dele. Depois exerceu o sacerdócio em várias paróquias de Rio Grande do Norte. Caraúbas, Campo Grande, Lajes, Goianinha, Macaíba.

Essa foi sua última paróquia, ao abandonar a atividade eclesiástica para fixar-se nesse sítio do Martins. E lá estão seus últimos paramentos sacerdotais, complementos das vestes talares, num museu na casa do Ferreiro Torto. Ele batizou Valério Mesquita e obrigou os pais do batizado a se casarem na igreja católica. Aí não sei quem é currículo positivo ou negativo desse feito. “Só sei que foi assim”.

Na sala da sua biblioteca, no Sítio do Pé do Cumbe, até meus oito anos, sem referência a Cassimiro de Abreu, meus brinquedos dividiam espaço com seus livros. Bolas de borracha ou gude, carros de plástico ou de cascas de cajazeiras, se escondiam por trás de Tomás de Aquino, Aristóteles, Platão, Fustel de Coulanges, Goethe, Padre Vieira, Padre Antônio Tomaz, Antero de Quental, Santo Agostinho, Érico Veríssimo, José de Alencar e outros…muitos outros.

Ariano Suassuna, seu primo, ainda não merecia lugar ali. Eles se encontravam em Recife, nas peças encenadas nos palcos do Santa Isabel. Aos quarenta e nove anos ele morre de um infarto fulminante, embaixo de uma touceira de açaí, cortando maniva pras vacas de leite, na beira da pequenina lagoa. E eu? Fui deserdado do sítio do pé do Cumbe.

Mas isso é outra história.

François Silvestre é escritor

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  • Art&C - PMM - 12 de Abril de 2024 - Arte Nova - Autismo
domingo - 27/08/2023 - 06:30h

Zanin, um pré-camoniano

Por François Silvestre 

Zanim nasceu em Piracicaba e poderá ficar até 2050 no STF (Foto: Rodolfo Buhrer)

Zanim é o mais novo ministro do STF (Foto: Rodolfo Buhrer)

“As armas e os barões assinalados/ que da ocidental praia lusitana”… se voltam contra os votos de Zanin. Não é a revolta dos progressistas contra os conservadores, não. Até pelo motivo simples de que os adversários da liberdade nos costumes, da liberalidade nos hábitos, da defesa intransigente de toda diversidade, de credos, sexualidade, artes, não são conservadores. São reacionários. Esse é o adjetivo.

Os conservadores da nossa história ficaram lá nos tempos da disputa com os liberais. Saquaremas e Luzias. E da lição do marquês de Albuquerque, “nada se parece mais com um Saquarema do que um Luzia no poder”.

Zanin não é um conservador, é reacionário. O reacionário não é um extremista, nem intransigente, é uma analfabeto sociológico. Às vezes, analfabeto político. E o pior, geralmente analfabeto redacional. O reacionário escreve mal. Pobre de texto e precário de argumento. Costuma maltratar “a última flor do Lácio, inculta e bela”, da citação de Olavo de Bilac. “Ora (direis) ouvir estrelas”.

Pois bem. Foi inculta e bela antes de Gil Vicente e do Cancioneiro de Garcia de Resende, quando ganhou estrutura morfológica, deixando de ser algaravia acessória do galego, no Século XV. No Século seguinte, ganha espinhaço sintático com a obra de Luís Vaz de Camões. Daí foi se firmando no universo das línguas cultas. Feliciano de Castilho, Camilo castelo Branco, Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Fernando Pessoa, José Régio, Machado de Assis, Castro Alves, Olavo Bilac, Cecilia Meireles, e mais e mais e mais.

Outro pois bem. Na minha vida de atividade forense li coisas do arco da velha, como se dizia no Cumbe. Peças bem ou mal redigidas. Tudo dentro da normalidade cultural de qualquer grupo humano. Assim também na atividade literária, artística, discursiva, intelectual. Há de tudo.

“Porém, entretanto, mas porém”, não se concebe redações de sentenças, garroteando a Flor do Lácio, na Casa da última instância jurídica do país. E é o que mais se vê e se lê naquela “sublime” Corte. Os governos de Lula e Dilma foram pródigos no empanzinamento de maus redatores no Supremo Tribunal Federal. Edson Fachin, Carmen Lúcia, Dias Toffoli são maus redatores. Luiz Fux é completo em ruindade, tanto escreve mal quanto fala idem. Os dois de Bolsonaro, abaixo da crítica. O Nunes Marques é uma pilantragem jurídica.

Barroso escreve bem, até quando decide erradamente. Rosa Weber também não assassina o português. Gilmar Mendes, muito bom texto. Até quando escreve besteira. Esses são estudiosos e preparados. Aires Brito era bom escritor, literariamente poético. Alexandre de Moraes, texto bom, argumentador seguro e preparado. O Brasil deve isso a Temer.

E Zanin? Lula manteve o nível. Bom sujeito, advogado medíocre, mas insistente, leal, bom caráter. Isso basta? Pra vida, sim. Pra última palavra decisória numa corte suprema, não. Mais grave do que o Direito ferido nos seus votos, do ponto de vista cultural, é a miserabilidade redacional do novo Ministro.

Direito escasso, argumento confuso, redação sofrível. Independência decisória é uma coisa, louvável, demonstrar independência punindo a dignidade humana é outra. Uma pena!

François Silvestre é escritor

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domingo - 13/08/2023 - 06:50h

A mentira clássica…

Por François Silvestre

Foto captada na Web, sem identificação de autoria

Foto captada na Web, sem identificação de autoria

da honestidade militar.

Essa história de que os quarteis são templos de honestidade e retidão é apenas uma bela e falsa estória.

Há relatos de agressões entre militares, nos clubes do generalato reservista, sobre ladroagem, que saltam nas folhas de memorialistas da própria caserna. Basta ler as memórias de Nelson Werneck Sodré, Assis Brasil, Juarez Távora, Teixeira Lott, pra citar apenas estes.

Há um fato muito grave, que teve repercussão no período ditatorial, sobre uma questão envolvendo dona Iolanda Costa e Silva, mulher do ditador de mesmo sobrenome, que influiu na própria autoridade do General. Nas redações dos jornais a noticia corria franca, mas a censura não permitia publicação. Envolvia a primeira dama e coronéis. Costa e Silva perdeu autoridade internamente. Tanto que ao tentar revogar o AI-5, sofreu uma agressão verbal de um coronel, ao gritar “você não vai revogar porra nenhuma”.

O resultado foi um AVC e o impedimento de Costa e Silva, juntamente com o veto ao vice-presidente Pedro Aleixo. Assumiu uma junta militar, que foi denominada por Ulisses Guimarães de “os três patetas”.

Eu militava na época, quando saía da cadeia, no jornalismo em São Paulo. Freelancer no Jornal de Tarde, revista Visão, fundação da Gazeta do Brás, chefia de redação do Boletim Cambial. Frequentava as redações de vários jornais. As notícias sobre corrupção e corruptos, entre militares e políticos, eram vastas e abundantes.

Só não se podia publicar. O derrame de dinheiro na construção da Transamazônica, governo do torturador Médici, foi na mesma dimensão da quilometragem da própria rodovia. Todo mundo sabia e comentava. Entre cochichos e medo.

O que fez o general Pazuello no Ministério da Saúde? Corrupção. Se não há a denúncia preventiva, tudo teria se consumado. Com muita grana empenhada para compra de vacinas inexistentes. Essa patifaria de agora é ficha pequena nessa história. Se Bolsonaro houvesse sido eleito, nada disso seria descoberto ou punido. Nisso, a Bíblia citada pela operação da PF seria desmentida.

“Quando a política entra no quartel pela porta da frente, a disciplina sai pela porta dos fundos”. Não lembro do general que disse isso. Só não é verdade pela simples razão de que, no Brasil, a política nunca saiu dos quarteis. E por nunca ter saído, confunde-se com corrupção e golpes. São incontáveis os golpes. Entre os tentados e os consumados. É isso. Pobre e sempre jovem Democracia, posto que nunca deixam que ela amadureça.

François Silvestre é escritor

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  • Art&C 25 anos - Institucional - 19-12-2023
sexta-feira - 19/05/2023 - 13:06h
Opinião

Duelo entre duas quadrilhas

Por François Silvestre

Tudo dentro de um fórum com as mangueiras ligadas, água jorrando na lama, e o sabão escasso. Ficou de resto a sujeira de um Lava Jato moralmente decadente. Ponto. Tape o nariz, fedor, catinga, podridão, corrupção

Eram bandidos os investigados? Sim. Uns pela exuberância de provas e outros pela confissão delatada, e deletéria. Ou pelo volume indiciário e convergente, que constitui prova, segundo ensinou Hely Lopes Meireles.

Políticos corruptos confessos, exemplo de Antônio Palloci, que chegou a devolver dinheiro, nem precisa comentar. Diretores de estatais, confessos. Empresários corruptores, confessos. Os montes. Bandidagem cristalina e indiscutível. Não é opinião. São fatos. Constituiu a primeira quadrilha.

Foram bandidos os investigadores e julgadores? Sim. O uso do aparato policial, da formação de culpa ministerial e do julgamento com fins distantes do alcance da prescrição legal, com fins outros, de interesses políticos configurados, confirmados, constitui crime. E quem pratica crime em grupo configura quadrilha.

Policia Federal, por alguns agentes, instrumentalizada; Ministério Público, sob o comando de um Procurador, ao arrepio escancarado da lei, montando um aparato probatório que teve tudo para prover nulidade, como ocorreu, com chantagem, negociações entre delinquentes, uso abusivo de delações e outros métodos inconfessáveis. Tudo sob a orientação, acompanhamento, sugestões de operações e outras mumunhas do próprio Juiz julgador do feito.

Embate entre duas quadrilhas. Uma quadrilha público-privada versus outra quadrilha forense. Deu empate.

Tudo politicamente montado. O que tinham com isso Lula, Dilma, José Genoino, por exemplo? Nada. Não alcançaram Dilma, juridicamente. Politicamente a descartaram. Não encontraram Lula na Petrobras, alvo da Lava Jato, foram atrás de um triplex e de um sítio, ambos sem comprovação de propriedade.

Duas sentenças, uma do primeiro juiz, pobre de Literatura e escassa de Direito. Língua e Lei agredidas. A segunda sentença, de outra juíza, cópia da primeira, clone do primeiro juiz.

Taí o resultado. Julgamento popular com eleições, procedimentos jurídicos corretivos de rumos, tentativas frustradas de golpe, escândalos aos borbotões de “vestais” que vendiam a mentirosa carapuça de moralidade, quando, na verdade nua e crua, são apenas fariseus vendendo trapos, como sendo o manto de Cristo, e fatiando pedaços de madeira podre como sendo relíquias da Cruz.

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quinta-feira - 11/05/2023 - 09:06h
Crônica

Padre Vieira e D. Helder…

Por François Silvestre

…a repetição que não foi farsa.

Foto ilustrativa (Reprodução)

Foto ilustrativa (Reprodução)

Na abertura do Dezoito de Brumário Karl Marx retoma Hegel para lembrar que o genial pensador declarara ser repetitivo na História grandes eventos ou ilustres personagens. Porém, Marx ressalva que Hegel esquecera de afirmar outra verdade, qual seja, que na repetição o fato ou personagem é a farsa da tragédia repetida.

O Padre Antônio Vieira, pensador, orador, argumentador ferino, sábio da igreja católica, infernizava, com seus Sermões, o sossego do poder oficial da Corte, nos idos da metade do século XVII. E esse poder agiu, conseguindo da Cúria Romana a imposição do silêncio ao padre Vieira. O famigerado silêncio “obsequioso”. A língua do Padre Vieira incomodava.

Padre Vieira obedeceu, não sem antes ferir, ferinamente, a estupidez. E declarou: “Deus, na sua infinita misericórdia, fez surdos os que eram mudos e fez mudos os que eram surdos. Posto que até a natureza, provocada pelo grito, responde com o eco”.

Honório de Medeiros escreveu sobre D. Helder e o chamou de Santo (veja AQUI). Pois pois, confirmaria o Padre Vieira. O Bispo D. Helder Câmara também foi vítima do Silêncio “obsequioso”. Repetição de Vieira. Só que, em vez de farsa, foi a tragédia repetida e agravada. Por que agravada? Porque ocorrida quatro Séculos depois. Sem reinos e sem reis absolutos. Apenas Ditadores truculentos e assassinos, nos tempos da modernidade.

A Ditadura militar do Brasil conseguiu, tal qual a Corte de Lisboa, que a Cúria Romana calasse a voz de D. Helder. Diferentemente do Padre Vieira, D. Helder silenciou humildemente. E fez mais. Quando o papa silenciador veio ao Brasil, D. Helder ajoelhou-se aos seus pés e beijou-lhe as mãos. O Papa, inteligente e culto, deve ter pensado: “Meu Deus, isso é Jesus beijando as mãos lavadas de Pôncio Pilatos” . Baixe o pano.

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C 25 anos - Institucional - 19-12-2023
quinta-feira - 27/04/2023 - 08:26h
Foi a morfina

A vítima vira cúmplice…

Por François Silvestre

…do roubo que sofreu.

Defesa de Bolsonaro garante que ele não estava consciente (Foto: CNN)

Defesa de Bolsonaro garante que ele não estava consciente (Foto: CNN)

Isso aconteceu numa casa de praia na Zona Norte de Natal. A família viajou para o Sudeste, deixando a casa sob a guarda de um cuidador diário, sem vigilância noturna.

Um mês após voltar do passeio, a família foi informada pelo zelador da casa de que a mesma fora invadida e que os ladrões levaram tudo que havia de valor na bela casa de veraneio.

O zelador prestara queixa na delegacia do Município, orientado por vizinhos. O proprietário foi à mesma delegacia confirmar o roubo e prestar informações sobre os bens roubados. O Delegado, muito prestativo, como são todos os delegados, principalmente na presença dos “homens de bem”, prometeu diligências.

Dias depois, o Delegado informou que um suspeito fora preso. A vítima ficou satisfeita. Ao chegar à delegacia, notou um comportamento estranho do Delegado. Ao perguntar sobre a apuração, o dono da casa ouviu uma resposta evasiva. “Tem um problema”, disse o delegado. “Que problema”? pergunta a vítima. “O senhor deixou uma janela sem tranca, no oitão direito da casa”. A vítima espantou-se. “Como o senhor sabe disso”? Resposta: “O jovem que invadiu a casa informou esse detalhe”.

“E daí”? Perguntou a vítima. “E daí? O senhor é corresponsável pelo evento, por negligência no cuidado com a segurança da sua casa “, respondeu o delegado. E a vítima abismado indagou: “Sou cúmplice do assalto que sofri”? O Delegado, meio bobo, mas esperto, respondeu: “Cúmplice, num sei. Mas facilitador”. Dia seguinte, a vítima descobriu que o preso era parente próximo de um influente empresário apoiador de um importante político do Estado.

Taí. Qualquer semelhança com a “cumplicidade” do governo na tentativa de golpe contra o próprio governo não é apenas semelhança. É a mesma patifaria.

Bolsonaro disse “estar sob efeito” de Morfina quando fez postagem sobre o Oito de Janeiro. Pronto. Temos um presidente usuário de Morfina? Já houve um presidente acusado, pelo próprio irmão, de usar Cocaína.

Em plena Casa da Dinda. Só falta a Heroína pra completar o “heroísmo” dos patrioteiros. Ou seriam patribabacas?

Ou somos nós os idiotas?

Leia também: Defesa diz que Bolsonaro estava sob efeito de morfina.

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domingo - 09/04/2023 - 08:48h

Os golpes que abundam…

Por François Silvestre

e a bunda que impediu um golpe.

Pensa você que cito uma piada? Não. Uma ficção graciosa? Também não. É o relato de um fato real da nossa República. Essa República retalhada, cujos retalhos formam uma coberta esgarçada, tecida com fios de estopa.

Prudente, de volta à cadeira, para continuar no cargo (Reprodução)

Prudente, de volta à cadeira, para continuar no cargo (Reprodução)

Manuel Vitorino Pereira, um vice com ambições (Reprodução)

Manuel Vitorino Pereira, um vice com ambições (Reprodução)

Pois conto. No segundo governo da República, eleitos Prudente de Morais e Manoel Vitorino, aconteceu esse fato. Prudente perdera para Deodoro, na primeira disputa. Floriano fora eleito vice-presidente na chapa de Prudente.

Os florianistas tentaram convencer Floriano a permanecer na presidência. E ele próprio cogitou disso. Mas, a eleição de Prudente de Morais, a primeira eleição de fato, esfriou a tentativa. Até pelas ligações de amizade e a condição de aliados de Floriano e Prudente.

Era o segundo período republicano. De 1894 a 1898. Em Novembro de 1896, Prudente adoece, e o baiano Manoel Vitorino assume o governo. Se não erro, acho que Vitorino foi o único baiano que assumiu a presidência. Passam os meses de Novembro e Dezembro daquele ano, entra 1897 com Vitorino na presidência. Em começos de Fevereiro, Prudente de Morais, curado, informa que já pode reassumir a presidência. Manda recados a Vitorino, que nada responde.

Prudente de Morais convoca seu conselheiro Bernadino de Campos, mineiro que fez carreira jurídica e política em São Paulo, tendo sido inclusive governador daquele Estado, para intermediar o acerto de transmissão do cargo com o presidente interino. Bernardino de Campos vai ao Palácio falar com Vitorino, várias vezes. O interino ouvia, ora silenciava, ora dizia não haver pressa.

Bernardino informa a Prudente que não adiantava sua intermediação. Então Prudente decide de outra forma. Primeiro, pede a Bernardino que faça um mapa do Palácio com a localização do gabinete presidencial. Você pergunta: “Como assim, Prudente não conhecia o Palácio”? Exatamente. Prudente não conhecia o Palácio.

Durante a interinidade de Manoel Vitorino, ele comprou o prédio do antigo Palácio Nova Friburgo, de herdeiros falidos, com problemas hipotecários, e transferiu a Presidência da República do Palácio Itamaraty, no centro do Rio, para esse novo Palácio, agora denominado do Catete. Bernardino fez o mapa, e informou a Prudente que Vitorino chagava ao Palácio rigorosamente às nove horas da Manhã.

Prudente de Morais desce de Petrópolis, onde esteve doente, hospeda-se numa pensão na Rua do Príncipe, hoje Silveira Martins, oitão do Palácio do Catete. Na manhã seguinte, às oito horas da manhã, dirige-se ao Palácio. O corneteiro, ao avistá-lo, executa o toque de praxe. Todos pensam que Vitorino havia chegado cedo. Prudente entra no palácio, empertigado e sisudo, dirigindo-se para o gabinete da presidência.

Quando Manoel Vitorino chega, toma conhecimento, vai ao Gabinete. Ao entrar, recebe o bom dia de Prudente, sentado na sua cadeira, que lhe informa: “Senhor vice-presidente, reassumi a presidência da República, mande algum servidor pegar seus pertences pessoais e transferir para o gabinete que o senhor escolher”.

Era começo de Março de 1897.

Foi ou não foi uma bunda na cadeira que impediu mais um dos golpes ou tentativas deles que abundam na República?

François Silvestre é escritor

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Categoria(s): Crônica
  • Art&C 25 anos - Institucional - 19-12-2023
domingo - 19/03/2023 - 07:28h

A verdade é singular…

Por François SilvestreMentira, pinóquio, falsidade, fofoca

…a mentira é plural.

 

Uma verdade é coisa simples,/

solitária.

Não precisa de companhia./

 

A mentira é multidão,/

não se basta só.

carece do amparo de outras mentiras./

 

Pra cada mentira original,/

nasce uma ninhada.

Que se agasalha sob as asas da mentira mãe./

 

Parece o verso do Poeta João,/

lembra?

“Um galo sozinho não tece uma manhã.”/

 

A mentira solitária não tece uma versão,/

precisará de outra mentira.

Pra ir a outros quintais./

 

E de quintal em quintal,/

as mentiras tecem uma verdade.

Até que a teia do embuste/

se agasalhe nos ouvidos desatentos.

 

Se pra cada regra há exceção,/

há uma nessa regra.

Não é mentira a mentira da ficção.

François Silvestre é escritor

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quinta-feira - 09/03/2023 - 09:24h
Das Arábias

Brilhantes lapidados…

Por François Silvestre

… para uma dilapidada República.

Mohamed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita (Foto: AFP)

Mohamed bin Salman, príncipe herdeiro da Arábia Saudita (Foto: AFP)

Um príncipe nababo da Arábia Saudita, matador e esquartejador de jornalistas, prendedor da própria mãe, onde mulheres são objetos de uso para machos, sem direito de falar em público, apaixonou-se pela República do Brasil.

E sendo ela qualquer mulher do seu agrado, resolveu presentar com colares e brincos. A qual cama, ou em que esbórnia, ele iria deitar e lambuzar-se com essa República, beijando-lhe o pescoço ornado de peças lapidadas, e acariciando as orelhas enfeitadas de brilhantes brincos, não se sabe.

As camas da alfândega não são aconchegantes. Mas, como se diz que não era presente pessoal e sim para o acervo da República, tudo leva a crer que a cortesã republicana deitaria num beco, com ou sem saída, ou entrando e saindo.

Sabe-se de ciência própria e da anatomia institucional que nenhuma república, por mais esculhambada que seja, por mais prostituída que seja, possui pescoço ou orelhas. Ora, se a república não tem orelhas nem pescoço não poderá ser presenteada com brincos e colares. Elementar, meu caro Watson.

Para o general Heleno, não foi. Para Damares, também não. Sobra quem, nesse grau de importância? Há orelhas sobrando nesse cipoal e pescoço faltando nessa forca. Viva a República dilapidada, no brilho lapidado da mentira!

Leia também: Além de joias para Michelle, Bolsonaro também ficou com as suas.

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