Por Jânio Rêgo
Durou apenas meio pacote de biscoitos sete-capas ‘Jucurutu’ e duas xÃcaras de leite pingado com café.
Eram duas da madrugada e um calor afobado me arrancou da rede interrompendo um sonho daqueles.
Minutos depois, o barulho nas telhas, a música das águas. É minha primeira chuva nessa temporada rural aqui na Catingueira de Chico Petronilo.
Em Mossoró, nas primeiras chuvas ninguém ia para o patamar da São Vicente. Era a lavagem das telhas e das bicas entupidas com folhas, merda de lagartixas e de morcegos.
Mas quando o inverno pegava firme, o banho-de-chuva enchia o patamar de adultos e crianças.
Tanta gente…MarcÃlio, Kiko, Marcos Porto, Pérsio, Carlinhos, Medeirinhos, tanta gente…até ‘os Gaiolas’ desciam do sobradinho para a festa das águas…
E as portas da igreja, junto com o humor de Padre Sátiro, se abalavam com as boladas dos peladeiros vezeiros e contumazes.
Aqui não penso mais em banho-de-chuva. Mas em Meia-Lua preso num canil improvisado sob uma latada vizinha aos porcos, para não ceder à tentação de chafurdar no cadáver de um garrote enterrado no cercado.
‘Quem cria está sujeito a isso’, me consolou um vizinho percebendo minha decepção com a perda da rês.
A morte no campo parece mais banal, penso, me achando um filósofo devorador de bolachas molhadas no leite quente.
Lá fora os sapos invadem o alpendre e amanhã ou depois, a deus-querer, o verde já se insinua entre o cinza da serra e as cajaraneiras começarão a abrolhar.
E eu preciso ir dormir de novo para amanhecer em paz.
Jânio Rêgo é jornalista
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